quinta-feira, 15 de junho de 2017

Miriam Leitão, capas de revistas e a teratopolítica

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Cinegnose, 15/06/17


Miriam Leitão, capas de revistas e a teratopolítica


Por Wilson Ferreira



A denúncia tardia da jornalista Miriam Leitão de que supostamente teria sido vítima do ódio de petistas num voo entre Brasília-Rio tem um timing preciso: o momento no qual Lula e Lava Jato estão em segundo plano diante da guerra entre os canhões da Globo e a resistência do desinterino Michel Temer em se agarrar à presidência. Além da palavra de ordem “Fora Temer!” ter evoluído nas ruas para o lema “Diretas Já!”.
 
Miriam Leitão coloca mais uma vez em funcionamento os mecanismos da “teratopolítica” – a estratégia semiótica da criação de inimigos monstruosos (o morfologicamente disforme, o monstro ou o simulacro humano) na política. Por contraste, as recentes capas das revistas informativas nacionais sobre a atual crise política demonstram isso: enquanto as representações de Dilma e Lula derivam entre a deformidade e um simulacro humano que se quebra ou derrete, com Temer é diferente: é o enxadrista e o estrategista que mantém a morfologia humana. Diferentes planos semânticos, sintomas do atual racha na grande mídia e uma guerra fratricida entre aqueles que articularam o golpe político de 2016.


Nas últimas semanas, Lava Jato, Power Points, triplex do Guarujá, pedalinhos de Atibaia e Lula, se não desapareceram, pelos menos ficaram em segundo plano na pauta da grande mídia.

Juntamente com os repórteres e comentaristas da Globo (esbaforidos, perplexos e gaguejantes ao vivo com a repentina decisão da emissora de jogar Temer ao mar), os brasileiros ficaram eletrizados com áudio do desinterino Temer gravado secretamente por Joesley Batista, o vídeo de uma mala cheia de dinheiro conduzida às pressas em pleno bairro do Itaim/SP pelo deputado federal e assessor especial de Temer, Rocha Loures, entre outras revelações-bombas diárias que colocam em xeque o atual Governo.

A divisão da mídia corporativa brasileira entre, de um lado, a Globo (que defendeu abertamente a renúncia do presidente e sustenta esmagadora maioria de manchetes tendo Temer como alvo), e do outro Estadão e Folha tentando apagar o incêndio marcou uma inédita ruptura na atuação em bloco das mídias nessas duas décadas de governos petistas.

Mas esse racha liderado pela poderosa Globo produziu um crescente e incômodo efeito colateral: o início da unificação das esquerdas e organizações sindicais em torno do “Fora Temer!” que evoluiu para a palavra de ordem “Diretas Já!”. Isso depois de uma bem sucedida Greve Geral em abril e o anúncio de outra para o dia 30 desse mês.

Certamente o lema “Diretas Já!” será o mote dessa nova greve, carro-chefe de luta pela defesa dos ameaçados direitos trabalhistas e previdenciários.

E como nas recentes coberturas de manifestações, prevê-se mais uma vez a Globo, tal como uma avestruz tautista, enfiando a cabeça na terra e tentado fazer os telespectadores acreditar que todos nas ruas estão juntos com a emissora, apenas pelo “Fora Temer!” – sobre o conceito de “tautismo” clique aqui.

 

Teratopolítica e vácuo político

 

Nesse vácuo político do cai-não-cai do desinterino Temer, e de um governo paralisado e sem conseguir tocar as reformas abençoadas pela mídia corporativa, começa a ficar preocupante para a mídia corporativa a pretensão das esquerdas e centrais sindicais ocuparem o espaço político. E, o que é pior, ver o crescimento do capital político de Lula, como atestam pesquisas recentes, mesmo com todas as convicções da chamada “República de Curitiba” onde estão os próceres da Lava Jato.

Portanto, entra mais uma vez em ação a estratégica semiótica de “teratopolítica” – derivado da teratologia ( de “depato”, “monstro”): ramo da ciência médica preocupado com o estudo das causas ambientais que possam alterar o desenvolvimento pré-natal levando a desenvolvimentos anormais.

Teratopolítica: demonizar o inimigo através da simplificação, exagero, vulgarização até transformá-lo em uma anormalidade, aberração e perigoso veículo de contágio de patologias sociais como ódio, violência, intolerância e preconceito.

Os instrumentos semióticos para a “teratopolitização” do inimigo vão das charges, montagens “fotoshopadas” em capas de revistas, mas, principalmente, matérias jornalísticas nas quais o jornalista é a própria (e única) fonte da informação de uma matéria ou coluna inteira.

 

O timing de Miriam Leitão

 

Eis que, após o “escândalo da fraude da Wikipédia” (mais uma das bombas ideológicas diárias feitas para minar o Governo Dilma), no qual denunciava que o seu perfil na enciclopédia eletrônica tinha sido alterado a partir de um IP do Palácio do Planalto, a jornalista Miriam Leitão volta à cena – na sua coluna em O Globo denunciou que fora vítima de “duas horas” de xingamentos e gritos” contra ela e a Globo em um voo Brasília-Rio.

Denunciou que os agressores eram “representantes partidários do PT”. Leitão levou dez dias para denunciar as agressões em sua coluna, em uma narrativa repleta de lacunas como muito bem apontou o jornalista Luís Nassif e relatos de passageiros que estavam no voo, contradizendo a colunista global – clique aqui.

Assim como no episódio do “escândalo da Wikipédia”, Mirian Leitão levou dias para fazer a denúncia. Lá em 2014, o timing foi a Operação Anti-Copa (com o auxílio luxuoso dos black blocs e manifestações de rua) e a CPI da Petrobrás – clique aqui.

Enquanto aqui, a “denúncia” de Leitão acontece num momento em que o desinterino Temer não caiu tão rápido como a Globo pretendia (a derrota da emissora no Tribunal Eleitoral que absolveu a chapa Dilma-Temer foi sentida nos telejornais globais) enquanto Lula e o PT ficaram em segundo plano diante da artilharia midiática voltada agora contra o Governo.

Por isso, o escândalo do suposto linchamento dos petistas contra uma jornalista da Globo no voo da Avianca pode ser o início de uma nova escalada da estratégia semiótica teratopolítica: petistas (assim como bolivarianos, comunistas e afins) são monstros intrinsecamente violentos e intolerantes.

 

Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come

 

Estamos diante de típica Fake News que evoluiu para uma pós-verdade: a presidenta do PT Gleisi Hoffmann passa recibo para a narrativa de Miriam Leitão ao pedir desculpas em nome do partido, acompanhando a solidariedade de órgãos de comunicação (Abraji, Abert, Aner, ANJ etc.).

Esse é o double bind (duplo vínculo - se ficar o bicho pega se ficar o bicho come) dessas não-notícias:
mesmo que você desconfie que tudo seja uma Fake News e dê tempo para apurar os fatos, involuntariamente passará a percepção de que é conivente com os supostos casos relatados – o tempo da Internet é instantâneo. Por outro lado, se reage aos acontecimentos dando anuência aos fatos, dará pernas a uma não-notícia.

Qualquer desmentido ou relatos posteriores revelando a falsidade das notícias serão ignorados: a primeira impressão é a que fica!

Por contraste, essa estratégia semiótica de teratopolítica está em prosseguimento nas capas das revistas semanais atuais sobre a crise política em torno do cai-não-cai do desinterino Temer.

Teratopolítica nas capas de revistas


Comparando as capas de revistas na época da crise política Dilma-Lula com a atual crise são marcante as diferentes formas de significações dos protagonistas supostamente envolvidos em denúncias de corrupção.

Enquanto as representações de Dilma e Lula transitam entre as feições da derrota e resignação derivando para a monstruosidade, na atualidade as representações de Temer na grande imprensa estão entre os signos do guerreiro, do estrategista e do intrépido.



Por exemplo, comentaristas da Globo News são unânimes em dizer que Temer fez a “fama” na política por “ser estrategista”, talvez como racionalização para a derrota da Globo em derrubá-lo rapidamente.

A “isotopia” (o plano de sentido semântico) das capas de revista informativas nacionais quando refere-se à Dilma e Lula é a do “terato” – algum tipo de deformidade que deve ser acuada, cercada, queimada, presa para depois ser despachada. E as representações icônicas transitam entre o monstro, o disforme ou algum tipo de simulacro humano como um fantoche controlado ou uma estátua que se quebra, se desfaz ou derrete.

Quando o tema das capas é Michel Temer a isotopia é totalmente diferente: é o “Pelejador” – guerreiro, enxadrista, estrategista, lutador. Temer mantém a integridade corporal e fisionômica. Para a grande mídia, a humanidade e morfologia do desinterino Temer são mantidas como se estivéssemos diante de um oponente digno e que deve, apesar de tudo, ser respeitado.



​Bem diferente de quando estamos diante das capas com Lula e Dilma: parecem pertencer a uma outra classe dos seres vivos – a das aberrações e dos seres infernais.

Essas isotopias diametralmente opostas das capas de revista levam a uma conclusão óbvia: Dilma e Lula são seres estranhos ao mundo dos homens de bem (os leitores das revistas) e devem ser perseguidos e eliminados.

Enquanto Temer, dentro da taxonomia dos seres vivos, apesar de tudo, pertence à espécie humana. Mesmo como suspeito ou inimigo, Temer ainda possui a dignidade da condição humana.

Esse grande racha na mídia corporativa (de um lado os canhões da Globo e do outro o restante da mídia levando baldes para tentar apagar o incêndio) demonstrado pelos diferentes planos semânticos nas capas de revistas nacionais atesta que testemunhamos uma guerra fratricida: Temer é um dos seus, mas virou um enxadrista indesejável.

Enquanto isso, cabe à República de Curitiba prender os monstros para enviá-los de volta aos quintos dos infernos.

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