quarta-feira, 23 de março de 2016

Lula: palavrões que ferem e aproximam

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El País, 23/03/16




Lula: palavrões que ferem e aproximam

 
Por Camila Moraes




A República brasileira está em chamas. A presidenta Dilma Rousseff chegou à beira do precipício político com um risco iminente de impeachment. Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados, pode ser exonerado do cargo se confirmado que embolsou 5 milhões de dólares desviados da Petrobras. Renan Calheiros, presidente do Senado, também é alvo de inquéritos na Operação Lava Jato e com isso pode cair. Mas somente Luiz Inácio Lula da Silva é Nero no Brasil, como ele mesmo disse em uma de suas ligações interceptadas pela Polícia Federal: “Sou a única pessoa que poderia incendiar este país”, declarou por telefone o ex-presidente a Vagner Freitas, presidente da CUT e seu amigo, citando o imperador que queimou Roma.

Na verdade, ele já incendiou, nos dois sentidos do termo: para bem ou para mal. Isso se comprova na reação aos grampos vazados na semana passada, que muitos gastaram horas escutando – seja para revolver acontecimentos ditos “republicanos” ou apenas para ridicularizar (a depender do ponto de vista) a oralidade do metalúrgico. Não é preciso entrar nos méritos ou desméritos jurídicos e nem políticos para analisar sua controversa maneira de falar. A questão aqui é como ele gasta seu português.

É chamativa a quantidade de palavrões ditos pelo ex-presidente. “Caralho”, “merda”, “vai tomar no cu” e tantos outros impropérios que liberam aquela dose cabal de energia na conversa, e passeiam de uma frase para outra, quase como se fossem pontuação. Tem quem ache que isso é um absurdo, sobretudo na boca de um líder político. Mas, e na intimidade de um telefonema... Espera-se o mesmo de qualquer mortal? Não para quem vê o descarrego dessa raiva cotidiana, prosaica como um cocô de cachorro que se pisa pelo caminho, e se sente representado. Afinal, nem sempre (quase nunca?) um político de grande porte é capaz de transmitir que tem sangue nas veias, que palita os dentes ao invés de usar fio dental, que não leu Proust nem James Joyce e inclusive que está desesperado.

Não precisa ir longe: basta pensar em Dilma, tão parecida, porém tão diferente. Quando o Brasil sediou a Copa do Mundo, em 2014, palavrões contra a presidenta encheram estádios, principalmente na abertura e no encerramento do evento. Muitos dos que mandaram a mandatária “tomar no cu”, naquele momento de visibilidade geral da nação, hoje se incomodam com os termos chulos de Lula, mesmo que ditos em privado. Ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, por exemplo, ele explodiu: “Porque era preciso você chamar o responsável e falar: que porra que é essa?”, disse ele sobre investigação da Receita Federal sobre o Instituto Lula. Fato é que muitos dos que escutam não encontram empatia possível em seu praguejar, mostrando que a ojeriza em relação a ele já é massiva.

 

“Fala, querida”


A coloquialidade de Lula, que soube por décadas ser um líder fluente e carismático, não se resume a palavrão. Ele sabe ser doce e usa insistentemente a palavra “querido”. Conversa com a presidenta e se dirige a ela – e à sua conhecida secura – com um “fala, querida”. Há quem diga que a bronca de Lula com a presidenta não é por causa de sua política econômica, mas porque ela desliga o telefone com ele sem mandar beijo.

Mesmo abatido pelo desgaste da condução coercitiva, ele soube responder com carinho ao gesto de "solidariedade" do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que também participa das conversas interceptadas.

Lula: Alô!
Paes: Meu amigo!
Lula: Querido prefeito, tudo bem?
Paes: 'Cê' não precisa de solidariedade, mas tô ligando pra te dar um abraço. Dizer que 'tô' contigo nesse absurdo aí que fizeram com o senhor na sexta-feira. É um escândalo. É uma vergonha.
Lula: Obrigado, querido.


Objeto de teses mundo afora sobre seu talento para discursar às multidões, Lula fala a língua do povo, só que melhor do que a maioria – e do que Eduardo Paes, que teve de pedir desculpas públicas por ter ofendido mais adiante nessa conversa o município fluminense de Maricá. “O senhor é uma alma de pobre. Eu, todo mundo que fala aqui no meio, falo o seguinte: imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele, não é em Petrópolis, não é em Itaipava. É como se fosse em Maricá. É uma merda de lugar, porra!”, afirmou.

Lula tem mesmo alma de pobre, que é como nasceu, fato que em si não é um demérito. Sua fala não ressalta pela falta de plural, mas pela escolha das palavras e pela mescla de doçura e ira que ninguém decifra – e que, assim como encanta, tornou-se incandescente aos ouvidos de quem o detesta. Como bem mostram os grampos, o homem que veio de baixo é chamado até hoje de “presidente” por seus colaboradores. Ao mesmo tempo, seu caminho continua marcado pelas diferenças resumidas a uma frase que teria sido dita por alguém da oposição à época das eleições contra Fernando Henrique Cardoso, em 1994: “Agora vão ter de escolher entre um sociólogo e um torneiro mecânico”.

Enfim, nada nessa mistura de metalúrgico com chefe de Estado, eternizada no imaginário brasileiro, faz pleno sentido – da sua típica rouquidão ao seu estilo de fazer alianças, passando pelo cecear de sua língua brigando com os dentes a cada som de s ou z. Na carta que escreveu para se defender dos telefonemas vazados e pedir “justiça”, ele acrescenta a essa imagem a saga de “ignorante” que o acompanha desde a primeira eleição presidencial que disputou (e perdeu) em 1989: “Não tive acesso a grandes estudos formais, como sabem os brasileiros. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto”. “Mas sei”, afirma sem maiores explicações, “distinguir o certo do errado”. Será, para sempre, o que seus inimigos odeiam nele e também o que seus muitos fãs admiram.



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http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/15/opinion/1458059924_527135.html?id_externo_promo=ep-ob&prm=ep-ob&ncid=ep-ob



El País, 15/03/16


O Cristo de Lula não encontra paz



Por Juan Arias




O crucifixo entalhado em madeira que permaneceu durante oito anos no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que acaba de ser encontrado pela polícia num cofre de banco, nunca teve paz.

Em maio de 2010, quando Juan Luis Cebrián, presidente do Grupo Prisa e fundador deste jornal, entrevistou Lula, ficou impressionado com aquele enorme crucifixo no gabinete.

Lula lhe explicou que o havia ganhado de presente de um amigo e que era obra de um artista português do século XVI. Contou na entrevista que era católico, que o PT devia muito à Igreja e que ele nunca teria sido eleito sem o apoio das comunidades de base cristãs.

Apontando para seu chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, que estava presente, Lula brincou: “Ele foi seminarista. Quis ser padre, mas se arrependeu”. Carvalho sorriu.

Com o fim do mandato de Lula e a chegada ao Planalto de sua sucessora, Dilma Rousseff, o crucifixo desapareceu. Acabaria descoberto pela Polícia Federal numa sala-cofre do Banco do Brasil em São Paulo, durante as investigações abertas contra Lula no escândalo de corrupção da Operação Lava-Jato.

O crucifixo que Lula “não roubou” e que Dilma não “tirou da parede”, como havia sido insinuado maliciosamente, já que era dele antes de ser presidente, passou, no entanto, por uma série de peripécias que o transformaram num peregrino sem paz.

Propriedade do bispo de Duque de Caxias, Monsenhor Mauro Morelli, a imagem sagrada foi colocada à venda para resolver uma penosa situação econômica da família do religioso.

Ao que parece, José Alberto de Camargo a comprou por 60.000 reais e depois, “não sabendo o que fazer com o objeto”, acabou dando-o de presente ao amigo Lula, que o levou ao Planalto quando venceu as eleições presidenciais pela primeira vez.

O pobre crucifixo voltou então a ser alvo de discussão. Por que aquela escultura cristã deveria estar tão visível no gabinete do presidente de um Estado laico? Houve objeções na época.

Pela segunda vez, não se sabia o que fazer com o crucifixo. Foi Lula quem decidiu que ficaria ali, com ele.

A essa altura, Frei Betto, um dos assessores do novo presidente, quis que o Cristo fosse introduzido com um rito religioso. Na presença de Lula e de seus mais estreitos colaboradores, Frei Betto improvisou uma cerimônia em que foi recitado o Pai Nosso para que Deus abençoasse o primeiro governo do PT e o novo presidente.

Com o fim do segundo mandato de Lula, o crucifixo saiu do Planalto. Desde então, não se ouviu falar mais dele. Até que, há poucos dias, a polícia o encontrou num lugar pouco indicado para um objeto sacro: o cofre de um banco, ao lado de joias, espadas adornadas com pedras preciosas, medalhas de ouro e outros objetos valiosos.

Aquele crucifixo representa para os cristãos Jesus de Nazaré, que em vida expulsou os comerciantes do Templo acusando-os de transformar o lugar num “covil de ladrões”.

Se é certo que aquele crucifixo esteve no gabinete durante os oito anos do Governo Lula, e se rezaram para que protegesse os Governos do PT, o melhor seria que fosse liberado de onde está para que prossiga seu destino.

Seria melhor que tê-lo escondido num banco, o templo do dinheiro, já que os Evangelhos nos contam que o profeta Jesus, que acabou crucificado por defender os desvalidos contra os poderosos, era tão pobre que não tinha nem casa.

E Jesus lhes disse: As raposas têm tocas e as aves ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” (Mateus, 8:20)

Que Lula procure para seu Cristo, que já presenciou tantos triunfos seus como presidente, um lugar mais digno onde não se sinta incômodo.

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