segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A China e a reforma de cotas do FMI

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Carta Maior, 21/12/2015 



Congresso dos Estados Unidos dá o braço a torcer e aprova a reforma de cotas do FMI




ArielNoyola Rodríguez*



​Aparentemente, o ano de 2015 marca o início da revolução no interior do FMI. Primeiro, se aprovou a inclusão do yuan, a moeda chinesa, entre os DEG, a cesta de divisas criada em 1969 para servir de suplemento das reservas oficiais dos países-membros. Agora, graças à aprovação do Congresso dos Estados Unidos, o FMI poderá implementar finalmente a reforma do sistema de quotas de representação, com o qual a China e outras potências emergentes ganharão peso na tomada de decisões, enquanto os países do continente europeu perderão relevância. Não obstante, ainda é prematuro concluir que se trata de uma transformação radical na correlação de forças dentro do FMI: os Estados Unidos continuarão mantendo seu poder de veto.

Os Estados Unidos parecem ter compreendido que para conservar sua liderança global é impossível desconhecer o crescente protagonismo da China e outras potências emergentes, e que é preciso compartilhar responsabilidades na gestão das finanças internacionais. Por isso Washington não teve outra alternativa senão outorgar importantes concessões aos seus adversários através do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na última semana de novembro, o FMI adotou a decisão de incorporar o yuan nos Direitos Especiais de Giro (DEG, sigla traduzida do nome em inglês ‘Special Drawing Rights’), a lista de divisas criada nos Anos 60 para complementar as reservas oficiais dos seus membros. Embora vários funcionários estadunidenses do Fundo tenham tentado se opor à medida desde o princípio, no final Pequim se comprometeu a seguir avançando na liberalização do seu setor financeiro.

Até agora, o Banco Popular da China já assinou cerca de quarenta acordos bilaterais de permuta de divisas (‘currency swaps’). Este ano, os bancos centrais do Suriname, África do Sul e Chile começaram a promover o abandono do dólar entre as empresas dos seus países. Aos poucos, o yuan vai suplantando a moeda norte-americana nos intercâmbios comerciais do gigante asiático.
 

Essa estratégia permite que o yuan seja hoje a segunda moeda mais utilizada no financiamento comercial, e a quarta nos pagamentos transfronteiriços, segundo os dados da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, por suas siglas em inglês). E, mais cedo que tarde, a moeda chinesa será plenamente conversível, ou seja, intercambiada livremente no mercado, sem nenhum tipo de restrição.

Assim, os dirigentes do Partido Comunista da China conseguiram acabar com as suspeitas da diretora executiva do FMI, Christine Lagarde: a partir do dia 1º de outubro de 2016, o yuan se tornará a terceira divisa mais relevante na composição dos DEG. A “moeda do povo” (‘renminbi’) terá um peso maior dentro da lista do FMI que o yen japonês e a libra esterlina, embora ainda deva se manter abaixo do dólar e do euro.
 

No dia 18 de dezembro, o Congresso dos Estados Unidos deu luz verde para que o FMI implemente a reforma do sistema de quotas de representação. Sem dúvidas, é a mudança mais importante dentro do FMI desde 1944, o ano em que se construíram os acordos de Bretton Woods. O novo sistema de quotas significa um grande respiro para o Fundo em termos de legitimidade.

Depois do colapso econômico de 2008, ficou evidenciado que o FMI não contava com os recursos suficientes para encarar às crises de liquidez. Nenhum país soberano tinha intenções de solicitar ajuda. O FMI se desprestigiou por completo após sua atuação nas crises de dívida na América Latina e no Sudeste asiático: havia demostrado que operava como o braço armado do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e não como um fundo multilateral encarregado de estabilizar as balanças de pagamentos dos seus aderentes.

Por isso, Dominique Strauss-Kahn, diretor do FMI entre 2007 e 2011, convenceu os países emergentes a realizar novos depósitos em troca de incrementar suas quotas. O Diretório Executivo do FMI aceitou a proposta em 2010, durante a XIV Revisão Geral das quotas.

Logo depois, foi apresentada a iniciativa de reforma, diante da Junta de Governadores (integrada por todos os membros), para se submeter à aprovação dos parlamentos nacionais. Então, o governo dos Estados Unidos fez valer seu poder de veto – para uma decisão ser adotada pelo Fundo precisa de uma maioria de 85% da votação, e os Estados Unidos sozinho conta com 16,7% dos votos.

Porém, há alguns dias, após cinco anos de fervente oposição do Congresso norte-americano, a inércia finalmente se rompeu. A reforma do sistema de quotas será uma realidade. Os recursos à disposição do FMI se duplicarão, elevando-se a 659,67 bilhões de dólares. Vale destacar que a quota que se entrega a um país determina o nível máximo dos seus compromissos financeiros com o FMI, e o seu número de votos na instituição, sendo um fator determinante no acesso ao financiamento.

O avanço mais importante é o da China, cujo direito de voto passará de 3,8% a 6%, com o qual, será o terceiro país com mais poder, atrás somente dos Estados Unidos e do Japão. O Brasil subiu quatro posições, enquanto Índia e Rússia entraram na lista dos dez mais influentes. Por outra parte, a participação da Europa caiu. Com exceção à quota da Espanha, que passará de 1,68% a 2%, Alemanha, França, Itália e Reino Unido diminuirão sua participação.

Contudo, lamentavelmente, os Estados Unidos conservará seu poder de veto: seu direito de voto diminuirá dois décimos, de 16,7% para 16,5%. Até agora, tudo parece indicar que os dirigentes de Pequim não desejam confrontar a dominação dos Estados Unidos no FMI, instituição que há mais de setenta anos se mantém como o “prestamista de última instância” mais importante na escala mundial, tendo em conta o volume de recursos que maneja.

A disputa entre China e Estados Unidos é somente tangencial. Pequim busca incrementar sua influência financeira através dos seus poderosos bancos estatais (Banco de Desenvolvimento da China, ICBC, Banco da China, etc.), e através dos bancos regionais de desenvolvimento nos que participa: o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB, por sua sigla em inglês), o Banco da Organização de Cooperação de Shanghai (SCO, por sua sigla em inglês) e o banco dos BRICS (que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Tanto na Ásia-Pacífico quanto na África e na América Latina e no Caribe não há dúvida de que a China compete cara a cara com o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento respaldados por Washington (Banco Asiático de Desenvolvimento, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc.) no financiamento de projetos de infraestrutura e extração de matérias-primas (‘commodities’).

Entretanto, os mecanismos de cooperação financeira impulsados por Pequim que oferecem liquidez aos países em conjunturas críticas, tais como a Iniciativa Chiang Mai (integrada por China, Japão, Coreia do Sul e dez economias da ASEAN) e o Acordo de Reservas de Contingência dos BRICS (também conhecido como o “mini-FMI”), possuem escassos recursos monetários, operam em dólares, e dependem do aval do FMI para outorgar empréstimos a partir de certo limite.

Portanto, se bem é uma excelente notícia para o mundo que China e outros países com elevadas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) consigam ver incrementada sua participação no FMI, com dois postos a mais entre os vinte e quatro do Diretório Executivo, os Estados Unidos continuarão exercendo uma dominação esmagadora.

Se Washington não concordar com algum mínimo detalhe poderá rechaçar qualquer proposta dos países emergentes, graças ao poder de veto. É claro que em algum momento, a China deverá exercer pressão para evitar que um só país escreva as regras do jogo, mas até lá dará tempo ao tempo…


* Economista formado pela Universidade Nacional Autônoma do México.


Fonte: Russia Today -  Tradução: Victor Farinelli​

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