sábado, 3 de outubro de 2015

Livro: Joseph Stiglitz - 'The great divide' ('A grande divisão')



Folha.com, 03/10/2015
 


Prêmio Nobel ataca elite alienada e propõe mais impostos para os ricos


ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO


              O norte-americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia

Começou com a eleição de Ronald Reagan. Os mais ricos passaram a pagar menos impostos, a economia foi desregulada e o setor financeiro tornou-se central. A memória da Segunda Guerra Mundial, e da solidariedade que engendrou, foi desaparecendo.

O rápido crescimento com avanço da indústria e ascensão das classes médias ficou para trás. O fim da União Soviética, eliminando a competição ideológica, frustrou planos de inclusão para a maioria da população.

O bem-estar das corporações foi engordando ao mesmo tempo que encolhiam os projetos de ajuda aos mais pobres. Um norte-americano típico ganha hoje menos do que ganhava há 45 anos – feitas todas as correções. Uma em cada quatro crianças vive na pobreza (na Grécia é uma em seis).
 
O 1% mais rico abocanha um quarto da renda e 40% da riqueza dos EUA. Há 25 anos, essas percentagens eram de 12% e 33% respectivamente. Políticos e parlamentares fazem dessa superelite e atuam em função dela.
 
Essa crescente desigualdade destrói o mito dos EUA como a terra de oportunidades, sabota a eficiência da economia e, principalmente, abala os pilares da democracia. O lema de "um homem um voto" está sendo convertido em "um dólar um voto".

É com esse pano de fundo que o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz desenvolve "The Great Divide" [a grande divisão], obra que disseca os movimentos que levaram a rupturas e desagregações na sociedade norte-americana nas últimas décadas.

Seu ponto central: a desigualdade galopante é fruto de políticas deliberadas e poderia ter sido evitada. Stiglitz ressalta que o fosso social fabricado nos Estados Unidos – e replicado pelo mundo – impede uma recuperação mais robusta da economia, reforçando iniquidades e mais concentração de riqueza.

Com uma linguagem contundente e didática, o autor extrapola em muito o estrito mundo econômico. Sua reflexão passa pelo comportamento da elite, cada vez mais divorciada das necessidades da população.
 
Alienada das condições sociais gerais, da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura, essa fração dos superricos vive numa bolha, não liga para o que acontece com a maioria e gera efeitos perversos para o país. Nas palavras do Nobel:
"De todos os custos impostos pelo 1% para a nossa sociedade talvez o maior seja a erosão de nosso senso de identidade, no qual o jogo justo, a igualdade de oportunidade e o senso de comunidade são tão importantes".


Stiglitz, 72, lembra que Alexis de Tocqueville (1805-1859) identificou nos norte-americanos a existência de um "interesse próprio bem compreendido", ou seja: para o próprio bem-estar individual é preciso prestar atenção nas condições dos outros.

Segundo o Nobel, os americanos aprenderam que "ajudar os outros não é apenas bom para a alma, mas é bom para os negócios".  
No entanto, agora a elite não entende que o seu destino está interconectado com o da maioria da população – os 99%.

"A história mostra que isso é algo que, no final, o 1% mais rico pode aprender muito tarde", diz. O alerta está em "Do 1%, pelo 1%, para o 1%", famoso ensaio publicado originalmente pela revista "Vanity Fair", em 2011, e que serviu de inspiração para protestos como o Occupy Wall Street.

O texto é um dos mais esclarecedores do livro, que recupera discussões de outras obras de Stiglitz, como "The Price of Inequality" (2012) e "Freefall" (2010). Ex-executivo do Banco Mundial e do conselho econômico da administração Bill Clinton, Stiglitz reforça, também nesta obra, seu ataque contra os bancos.

Condena, especialmente, as práticas anti-competitivas na área de cartão de crédito. Recomenda uma forte legislação antitruste – o que impulsionaria pequenos negócios. No conjunto, defende uma maior taxação para os mais ricos, demolindo argumentos contrários.

Ainda que repetitivo em alguns pontos, "The Great Divide" é essencial para entender os dias que correm – não só nos EUA.

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