quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O genocídio de jovens negros no Brasil de hoje


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Carta Maior, 30/09/2015


Se não há segurança para todos, não haverá segurança para ninguém



Por Emir Sader​



O primeiro valor para todas as pessoas é o direito à vida. Se esse direito não está assegurado, de nada vale o resto.

No Brasil de hoje vivemos as maiores transformações sociais da nossa história, em que as condições básicas de vida para toda a população estão asseguradas. No entanto, as condições de segurança para toda a sociedade - especialmente o direito à vida - hoje são negadas a um numero cada vez maior de pessoas, particularmente jovens e de origem negra.

O genocídio de jovens negros é o maior escândalo do Brasil de hoje. As famílias desses jovens melhorou inegavelmente de vida na última década, mas se elevou em quase 200% o genocídio de jovens negros, nesses mesmos anos.

Como correlato desse genocídio, o Brasil possui a polícia mais violenta do mundo. Esses fenômenos são possíveis, porque foi fabricada na opinião publica a criminalização das crianças e jovens negros. De crianças e jovens das famílias pobres de nossa sociedade, que deveriam merecer nossa atenção, nosso cuidado, nosso apoio, passaram a ser sinais de risco, de perigo para a segurança dos outros.

Enquanto essas crianças e jovens são vítimas de mais de 1/3 dos crimes cometidos no Brasil – na sua grande maioria pela polícia -, eles são responsáveis por menos de 2% dos crimes cometidos. No entanto se fabricou diabolicamente na cabeça das pessoas a imagem de que essas crianças e jovens são responsáveis pelo aumento dos problemas de segurança na nossa sociedade e não vítimas da insegurança, o que se presta à cruel discriminação contra eles.

Construiram-se assim os clichês que permitem a chacina dos jovens negros, com autorização e delegação da opinião pública à polícia para o seu extermínio. Um mecanismo hediondo que faz com que tenhamos a polícia que mais mata no mundo.

E isso não se tornou um escândalo na sociedade, porque a situação das crianças e jovens negros esta invisibilizada na nossa sociedade, escondida pela mídia. Essas crianças e jovens não são das famílias de classe média e da burguesia. Os que morrem, os que estão amontoados nas prisões, não são seus filhos, que não correm o risco de passar por essas situações. Não apenas não importa a esses setores fundamentais atualmente para compor a opinião publica o destino dessas crianças e jovens negros como, ao considera-los risco para eles, delegam, calam, não olham e, de alguma forma, aprovam, implícita ou explicitamente o seu genocídio.

No entanto, mesmo do ponto de vista da sua própria segurança, essas pessoas nunca terão garantia total da sua segurança enquanto houver na nossa sociedade pessoas que não tenham assegurada sua vida. Não adianta colocar grades nas suas casas e nos seus prédios, fechar ruas, contratar polícias privadas para seus bairros e até mesmo seguranças pessoais. Não adianta ainda mais câmaras de vigilância, de nada serve autorizar e incentivar a policia para assassinar essas crianças e jovens.

Se não houver segurança para todos, garantia de vida, de integridade física, direito de ir e vir, direito de viver, acabaremos em uma sociedade de guerra de todos contra todos, do olho por olho, dente por dente uma sociedade do ódio e da intolerância, da violência desenfreada, como já há em alguns lugares do mundo e inevitavelmente vai acabar chegando aqui também.

Além de que não podemos tolerar, financiar, delegar a uma policia que mata nossas crianças e jovens impunemente. Não pode agir em nosso nome. Basta que visibilizemos essa situação, para que ela se torne insuportável para os que mantém ainda um mínimo de humanidade. Por isso a mídia esconde, criminaliza essas crianças e jovens, condição prévia indispensável para que sejam exterminados. Só porque são desumanizados, projetados na cabeça das pessoas como gente capaz de cometer crimes hediondos, é que em seguida podem ser vítimas dos genocídios cotidianos.

Três ou quatro ou mesmo dez dessas crianças e adolescentes negros são mortos diariamente pela polícia. Estamos de que lado? Dessas crianças e jovens negros ou da polícia?

Na verdade não deveríamos ter que escolher lado, embora devemos estar do lado das crianças e jovens negros. Deveríamos desativar esses mecanismos cruéis, pelos quais terminamos sendo os autores intelectuais desse genocídio, que a polícia comete em nosso nome, paga com os nossos impostos, usando o uniforme do Estado brasileiro, agindo supostamente para nos defender do perigo.

Desativar esses mecanismos macabros supõe reconquistar a opinião pública para uma visão de paz e de convivência entre as pessoas. 

Devemos fazer um grande mutirão nacional contra a violência, contra a ação brutal da polícia contra os jovens negros no Brasil de hoje.

Sem isso, nunca teremos uma sociedade minimamente humana, solidária, democrática, um Brasil de todos e para todos.  

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