quarta-feira, 8 de julho de 2015

O mal que a maioria faz




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Justificando, 6 de julho de 2015

 

O mal que a maioria faz


 
Por Wagner Francesco


O “debate” sobre a Redução da Maioridade Penal trouxe para nós a necessidade de questionar a validade de algo muito importante: o poder da maioria numa democracia. Até que ponto as decisões de uma maioria são democráticas e quem é esta maioria? Desta forma não queremos tratar aqui sobre a questão da Redução da Maioridade Penal, mas sobre o perigo de aceitá-la só porque todos aceitam.

Eu não sei quem inventou esta história de que a voz do povo é a voz de Deus”, mas com certeza que Jesus, que é filho de Deus, não concorda muito com isto. Ora, pois não? Na oportunidade que a voz do povo teve para salvá-lo, a colocou numa cruz.
É de muito conhecimento o trecho bíblico que narra a tragédia desta escolha da maioria:
Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus. E, respondendo o presidente, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. (Mateus 27:20-22)
Esta narrativa é riquíssima em detalhes que nos ajudarão a entender o perigo que todos corremos quando uma “maioria” dita as regras da sociedade. E para  deixar esta ameaça exposta à luz para que todos vejam, seguiremos respondendo primeiro: é a maioria quem deve coordenar a sociedade?

Para responder esta questão, caminhamos com as ideias de Ronald Dworkin no livro “O direito da Liberdade: A leitura moral da Constituição norte-americana”. Dworkin trabalha este problema a partir do que ele chama de “Premissa Majoritária”,  que é
Uma tese a respeito dos resultados justos de um processo político: insiste em que os procedimentos políticos sejam projetados de tal modo que, pelo menos nos assuntos importantes, a decisão a que se chega seja a decisão favorecida pela maioria dos cidadãos ou por muitos entre eles.
Em um resumo, a premissa majoritária garante que a produção de decisões coletivas reflitam as preferências da maioria. Os defensores desta premissa defendem que os complexos arranjos políticos que constituem o processo democrático devam ser direcionados a cumprir a meta de que as leis geradas numa democracia coincidam com os interesses expressos nas vozes da maioria da população.

A priori, esta parece ser a posição certa a tomar, o lado correto a escolher, no entanto tudo desaba quando a questão é analisada em sua raiz. E aqui surge uma pergunta importante: quem é a maioria?

Marx e Engels, no livro “A ideologia Alemã, apresenta-nos o arcabouço de toda a escolha das regras às quais estamos sujeitos. Escolha entre aspas, na verdade. Isto porque o próprio Marx escreveu, no “18 Brumário de Louis Bonaparte”, que
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
Não há bem uma escolha, mas induções a aceitar as coisas como se devessem ser de tal forma. E quem nos induz? Para Marx e Engels, na “Ideologia Alemã”,
As ideias da classe dominante são as ideias dominantes em cada época, quer dizer, a classe que exerce o poder espiritual dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante.
Deu para sacar a ideia aí? As ideias da maioria são, em suma, as ideias da classe que domina. Aí é extremamente simples olhar para o nosso Congresso Brasileiro e reconhecer a qual classe e a quais interesses os que defendem a redução da maioridade estão ligados.

Neste momento eu não quero discutir se a Redução da Maioridade é boa ou ruim – e eu sou contra a redução! – mas apenas entender qual a fonte de toda estas vozes majoritárias.

Por que a maioria quer o que esta classe dominante quer? Marx e Engels explicam:
A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe ao mesmo tempo, com isso, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que lhe sejam submetidas, da mesma forma e em média, as ideias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente.
Em suma: a classe dominante é dona dos meios de comunicação e de todo um aparato para conduzir as ideias do povo rumo ao exato modo de pensar de quem detém o poder. Não é coincidência que a maioria pense conforme os interesses da classe que domina: é manipulação da mais desavergonhada.

E a própria bíblia narra este fato, vindo a confirmar tudo isto. Lembram quando no começo eu citei o texto onde a maioria condena Jesus? Pois bem, uma coisa muito importante ali inserida muitas vezes passa despercebida. Eis ela: Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus.

Você acha que a multidão condenou Jesus porque fez uma profunda reflexão sobre os fatos, analisou todas as condutas e possibilidades e não restou dúvidas sobre a decisão a tomar? A multidão é persuadida, bombardeada com informações equivocadas, e com todo um show de manipulação dos fatos para, ao final, quando decidirem, agirem de acordo os interesses de uma classe cujo único compromisso é a manutenção de seu status quo.

É muito mais fácil estar onde toda a multidão está, porque isto não exige grandes comprometidos e nem tormentosas reflexões. Se todo mundo está indo para um lado, não é possível que todos estejam errados... [...mas quase sempre estão].

A maioria é um perigo para a democracia. Ora, e se Goethe estiver certo? Disse ele que “nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela é composta de uma massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer”. E como não estaria certo? Marx escreveu que o povo “não sabe o que faz, mas faz” e Jesus, no momento de sua crucificação, gritou: “Pai, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem.”

E esta massa não pode ditar as regras da sociedade se o que ela quer é afundar direitos fundamentais e ferir de morte os Direitos Humanos. Bem disse o ministro Roberto Barroso que o grande papel do Judiciário é a proteção dos direitos fundamentais e, sobretudo, dos direitos fundamentais das minorias.
Para irmos finalizando, Dworkin, ao atacar a Premissa Majoritária, apresenta uma “concepção constitucional da democracia”. É a ideia de que uma democracia deve ser exatamente contrária ao enunciado da Premissa Majoritária, pois defende que
As decisões coletivas sejam tomadas por instituições políticas cuja estrutura, composição e modo de operação dediquem a todos os membros da comunidade, enquanto indivíduos, a mesma consideração e o mesmo respeito. [...] Exige a preocupação com a igualdade dos cidadãos, e não por causa de um compromisso com as metas da soberania da maioria.
Isto foi Dworkin quem disse, mas poderia ter sido também Jesus. Ele, que foi vítima da maioria – e que sempre andou com as minorias: pobres, pecadores, prostitutas, crianças etc... – sabe muito bem o mal que a maioria faz. E, se para você estar do lado da maioria é melhor, porque a maioria é composta de “pessoas do bem contra as pessoas do mal que estão na sociedade”, quando falar o que a maioria fala “os direitos humanos devem ser para humanos direitos”, lembre-se de Jesus. Lembre-se disto quando, para ficar do lado da maioria, ferir os menores:
E os escribas deles, e os fariseus, murmuravam contra os seus discípulos, dizendo: Por que comeis e bebeis com publicanos e pecadores? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Não necessitam de médico os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores. (Lucas 5:30-32)
A maioria não é um bom lugar para se estar, pois se fosse Jesus teria ficado com ela.  Cuidado ao sair escolhendo o caminho que a multidão escolhe, pois larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. (Mateus 7:13)


Wagner Francesco é Teólogo com pesquisa em áreas de Direito Penal e Processual Penal.

 
.......
Folha.com, 05/07/2015


Análise maioridade penal

Opinião pública muda quando há debate

 
MAURO PAULINO DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
ALESSANDRO JANONI DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA


Virou mantra o resultado da pesquisa Datafolha que aponta 87% dos brasileiros favoráveis à diminuição da maioridade penal como argumento na defesa da tese.
 
Eduardo Cunha o citou em rede social como justificativa para a manobra que aprovou o projeto na Câmara em primeiro turno. Até quem tem por hábito criticar o Datafolha brada o dado como justificativa para defender a ideia.
 
Mesmo por oportunismo, agem bem em valorizar a opinião pública, muitas vezes desprezada.
Em junho de 2013, quando 73% mostravam-se favoráveis à criação de uma Constituinte para discutir a reforma política, houve silêncio unânime no Congresso.
 
A opinião pública é a base sobre a qual se fundamenta e constrói o debate numa sociedade democrática. Por isso mesmo não é estática, mas dinâmica, com mudanças importantes ao longo do tempo, resultado da influência de aspectos dos diferentes ambientes - políticos, econômicos, sociais e demográficos.
 
Dependendo do grau de exposição, alguns temas podem levar anos para serem assimilados pela maioria, como também em outros casos, episódios específicos de forte apelo popular tendem a provocar mudanças bruscas. A recente legalização nacional do casamento gay nos Estados Unidos encontrou um cenário propício para sua concretização na mudança de opinião dos americanos sobre o assunto ao longo dos últimos vinte anos.
 
No Brasil, há exemplos de variações mais rápidas. O processo eleitoral do ano passado foi uma montanha russa, acentuada pela ascensão e queda de Marina Silva no primeiro turno, com cada lance sendo analisado e monitorado de perto pelos veículos de comunicação, candidatos e eleitores.
 
O mesmo aconteceu no referendo sobre o desarmamento em 2005. Em julho daquele ano, a maioria (80%) era contra o comércio de armas de fogo, opinião que se inverteu por causa das campanhas na TV - o direito foi chancelado no referendo de outubro, com 64% dos votos a favor.
 
O que os dois fenômenos têm em comum? Debate intenso na grande mídia e participação democrática. Nada garante que a opinião dos brasileiros sobre a diminuição da maioridade penal permaneceria estável diante, por exemplo, dos apontamentos de Drauzio Varella em horário nobre, numa eventual campanha nacional contrapondo-se aos argumentos dos que defendem a redução.
 
O vídeo protagonizado pelo autor de "Estação Carandiru" e "Carcereiros" já existe em sua página na internet e circula pelas redes sociais. Foi visto por cerca de quatro milhões de pessoas, o que parece muito, mas equivale a apenas 3% da população adulta do país.
 
Discutir amplamente causas e consequências do projeto é fundamental. A falta de dados confiáveis sobre a participação de adolescentes em ofensas criminais limita o julgamento da população que está exposta diariamente, no final da tarde, pela TV, a casos trágicos de maior repercussão. O medo da violência e a desconfiança em relação às instituições que deveriam combatê-la potencializam o apoio a qualquer proposta que indique um sinal de justiça.
 
Enquanto isso, assuntos correlatos e que despertam igual interesse público, não conseguem a mesma mobilização dos políticos. Em 2013, uma pesquisa nacional do Datafolha, realizada para a Fundação Itaú Social, mostrou 90% dos brasileiros favoráveis ao conceito de educação em tempo integral nas escolas públicas do país.
 
Boa parte dos motivos relatados espontaneamente para justificar a opinião referia-se ao combate à violência, ao uso de drogas e à insegurança das crianças. A iniciativa, prevista no Plano Nacional de Educação, tem metas estipuladas até 2024, que deveriam ser acompanhadas com a mesma atenção dedicada à redução da maioridade penal. O Brasil precisa discutir mais antes de decidir onde quer prender seus jovens.

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