sábado, 16 de maio de 2015

Reversão no declínio do trabalho doméstico





http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/219384-sonho-suspenso.shtml



Folha.com, 16 de maio de 2015


Sonho suspenso

Por André Singer



No auge da popularidade do lulismo, a qual possibilitou a eleição de Dilma Rousseff em 2010, publiquei ensaio na revista "Piauí" em que sugeria a ideia de que um sonho rooseveltiano havia tomado conta do Brasil. Em resumo, tratava-se da possibilidade de integrar, em curto espaço de tempo, as grandes maiorias a padrões civilizados de vida material, com aumento substantivo da igualdade. Passados quase cinco anos daquele momento otimista, sou obrigado a reconhecer que o desejo não se cumpriu.

Uma pequena, porém reveladora, notícia da semana passada pode ser tomada como índice disso. "O trabalho doméstico vinha caindo com a maior formação dos jovens brasileiros. No último ano, porém, temos percebido aumento nesse grupamento, talvez por falta de oportunidade", declarou o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azevedo (site da revista "Exame"). Nos três primeiro meses de 2015, cerca de 90 mil pessoas engrossaram o exército dos que se dedicam a tal atividade. Em outras palavras, o nítido declínio na oferta de mão de obra doméstica, ocasionado pela abertura de possibilidades de empregos melhores, e mesmo pela opção de fazer faculdade, começa a ser revertido.

O processo de mudança lenta que o lulismo abriu entre 2004 e 2010 não se acelerou o suficiente de maneira a tornar residual a modalidade de serviço que é considerada um castigo pelas camadas populares. É verdade que, em 2010, o Brasil era, segundo a Organização Internacional do Trabalho, o país com maior número de empregados domésticos do mundo, na casa dos 7 milhões. Ou seja, para absorver tal contingente em outras atividades teria sido necessário que o primeiro mandato de Dilma aumentasse de maneira expressiva a geração de vagas nos setores mais modernos e de maior remuneração.

Para sorte da minha interpretação à época, aceitei a sugestão do jornalista Mario Sergio Conti de encerrar o texto esperançoso com a ideia de que o ritmo da redução da pobreza e da desigualdade, deflagrada pelo lulismo, seria determinada pela luta de classes. Dito e feito. Com apoio passivo da classe trabalhadora organizada, Dilma tentou efetivar o anseio rooseveltiano por meio de uma política desenvolvimentista em 2011/12. Mas foi derrotada pela reunificação da burguesia em torno do rentismo, que é avesso de qualquer coisa que cheire a igualdade.

O lulismo não se revelou, até aqui, capaz de ultrapassar a exploração de brechas existentes na armação neoliberal. Em condições mundiais favoráveis, usou, com inegável habilidade, os espaços de não confronto para melhorar a vida dos pobres, o que confirma a minha tese principal. Porém o salto a um país realmente de classe média parece que ficará para outra quadra, com outra correlação de forças.

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