segunda-feira, 16 de março de 2015

Por que ainda é possível derrotar a campanha golpista ?








Carta Maior, 16/03/2015 




Por que ainda é possível derrotar a campanha golpista do PSDB?



Por Juarez Guimarães




No ensaio publicado em dezembro de 2014 nesta Carta Maior –  “O PSDB virou um partido golpista?” - , fazíamos uma análise serena e demonstrativa de como o partido de FHC havia transitado de uma identidade e estratégia de um partido neoliberal radical de oposição a um plano centralmente dirigido e orquestrado para impedir e derrubar o segundo governo Dilma recém democraticamente reeleito pela maioria do povo brasileiro. Prevíamos premonitoriamente neste ensaio: “A estratégia do PSDB certamente aguarda o juízo de Gilmar Mendes sobre as contas da campanha de Dilma ou a divulgação dos nomes dos políticos denunciados como envolvidos na corrupção da Petrobrás para entrar em um tempo de convergência e catalização.” Está aí o dia 15 de março estrategicamente convocado com antecedência pelo PSDB  desde o início do ano para cumprir esta função estratégica.
 
De lá para cá, o governo Dilma e as forças majoritárias que dirigem o PT agiram com grave inconsciência diante desta mudança de identidade e estratégia do partido de FHC. Praticaram uma política ingênua de uma instalação institucional normal do segundo governo, procuraram em vão um esfriamento da polarização das eleições presidenciais fazendo um movimento e discurso dirigido à pactação com as forças neoliberais de mercado, interromperam sem explicações o diálogo público com a base política do movimento político “Muda Mais”.
 
Agora, parece já formada em nosso movimento político a consciência de que estamos frente a uma campanha golpista violenta, cada vez mais ostensiva e em crescimento. É tempo ainda de agir à altura deste diagnóstico e desta consciência. Este ensaio pretende refletir e indicar caminhos que, se trilhados, podem isolar e derrotar nos próximos meses esta mais grave tentativa de golpe à democracia brasileira desde a transição do regime militar.

 
Três sentimentos
 
Não se vence uma contra-revolução – é disto que se trata, um golpe na democracia para aplicar um programa violento de violação aos direitos em formação do povo brasileiro – sem um sentimento ético-político à altura do transcendental movimento histórico que vivemos.
 
Precisamos  agora da inteligência e da esperança lúcida de um Celso Furtado, de Antonio Cândido e Maria da Conceição Tavares, da generosidade radiosa de um Dom Hélder Câmara, do nosso Pedro Casaldáliga e do novo papa Francisco. Em nossos corações, o amor à liberdade dos quilombolas, de um Luiz Gama e dos MCs, a energia iluminadora das pagus, margaridas e dilmas. Esteja conosco a força das utopias de um Darcy Ribeiro, de Chico Mendes e de um Leonardo Boff.  Resistamos ao golpe com a força épica de um Brizola ou de um Marighela, com a dignidade de um Raymundo Faoro e de um Sobral Pinto. Cantemos nas ruas os sambas democratas de maior valor, as canções pra lembrar Nara Leão e presentificar Chico Buarque, os baiões e os frevos nordestinos do amor demais. E, sobretudo, acompanhemos a voz grave e sonora desta imensa figura histórica, que fala ao coração de todos os trabalhadores brasileiros, que é Lula.
 
Esta presença nas ruas fará calar a voz dos novos capitães do mato, dos políticos conservadores do PSDB e da bancada da bala, que querem aumentar o massacre dos jovens negros na periferia. Tornará evidente para todos a infâmia da voz dos bolsonadores estrupadores de mulheres,  o escândalo dos femicidas que agridem assim uma mulher no dia Internacional de seus direitos. Isolará a voz dos corvos lacerdas que agora fizeram morada em Higienópolis e dos ex-comunistas pernambucanos sem vergonha de desonrar a memória de Gregório Bezerra. Sobretudo, fará cair a máscara dos cínicos e dos rentistas que vivem da predação do dinheiro público e fazem juras de fidelidade ao combate à corrupção. O nome destes todos é hoje Aécio, mas não nos enganemos, o seu sobrenome é Cardoso.
 
O segundo sentimento que carecemos nesta hora grave é o da humildade. Que cessem entre nós – do campo democrático popular em todo o seu pluralismo – as intrigas, os ressentimentos, as disputas menores de poder. Sobretudo deixemos de fulanizar os impasses e limites do nosso movimento político como se eles fossem externos a cada um de nós. Ninguém tem razão contra todos e o caminho se faz com a síntese de opiniões. Este é o momento da mais generosa e autêntica unidade.
 
Eles estão  unificados claramente em torno do plano golpista em um comando político estratégico que dirige poderosas forças internacionais orgânicas a uma grande frente golpista que vai do liberal que deserta do jogo democrático ao líder caminhoneiro que quer incendiar o país. Estão editando nas mídias monopolizadas, com astúcia política, cada cena do dia. Um ato em defesa da Petrobrás: façamos o foco na cena da provocação montada à porta. Fala da presidente na TV: montem um panelaço estridente. E assim por diante...
 
O terceiro sentimento, do qual não devemos abrir mão, é o sentido da consciência e da força organizada e acumulada pela sociedade democrática brasileira. Se formos capazes de dialogar com ela, seremos certamente capazes não apenas de derrotar a estratégia golpista, como de iniciar um novo e profundo ciclo de mudanças democráticas e estruturais no Brasil. Sem este sentimento de potência democrática, da força irresistível de suas razões, de confiança na consciência do povo brasileiro, não poderemos vencer. Um sentimento defensivo e que cede terreno às razões dos neoliberais, que contemporiza com o uso anti-republicano das instituições e com a agressão aberta à legalidade constitucional só fortalecerá os golpistas.
 
O monopólio midiático empresarial empresta diariamente força ao PSDB e esconde suas fraquezas. Qual é hoje a força política de Aécio em Minas, o segundo estado mais importante na construção histórica nacional deste partido? Qual é hoje a popularidade do governador tucano do Paraná, o terceiro centro político do PSDB? FHC é um homem popular no Brasil ou a sua memória é repudiada pela maioria? A estratégia golpista é uma fuga para a frente do PSDB que não tem esperanças de vencer Lula democraticamente em 2018: sua derrota será catastrófica para o partido que organizou historicamente o neoliberalismo no Brasil!
 

Como isolar a campanha golpista
 
A estratégia golpista segue o calendário da investigação da corrupção na Petrobrás, através da sua instrumentalização jurídica, policial, midiática e política. Um setor da Polícia Federal dirigida por tucanos, um juiz que só não mostra morosidade quando o alvo é o PT, uma mídia que desinforma e organiza o discurso anti-petista hora a hora, uma segunda CPI no Congresso Nacional armada para dar palanque aos golpistas.
 
A narrativa que se organiza em torno à ideia central de que o PT é o responsável  pelo novo e maior ciclo de  corrupção da história do país organiza desde 2005 o centro do discurso e da agenda pública do PSDB. Ela precedeu e criou legitimidade para a nova jurisprudência de exceção de Joaquim Barbosa no julgamento do mal chamado “mensalão”. Ela é agora retomada e aprofundada em uma escalada a partir do patamar alcançado de cristalização da calúnia na opinião pública do país.
 
O tema da corrupção e a calúnia contra o PT é o “universal” dos golpistas, o elo de ligação entre a sua base classista e ideológica restrita e a consciência dos brasileiros, a forma de transitar do plano golpista armado nos porões do Instituto FHC à opinião pública nacional.
 
Não podemos repetir os mesmos erros dos últimos anos: subtrair o tema da corrupção como se ele fosse um tema menor e à margem da agenda, confiar inocentemente no legalismo das jurisprudências, manter uma ambiguidade discursiva fatal diante da gravíssima acusação contra o PT e suas lideranças históricas, tratar com leniência e amadorismo todos os escândalos não apurados de corrupção do PSDB. Em sua primeira fala pública após meses de denúncias e calúnias diárias em torno à corrupção do PT e do governo, dois dias após o anúncio da lista Janot, a primeira fala da presidenta Dilma em transmissão oficial, ao contrário do discurso da campanha eleitoral, dedicou ao tema da corrupção apenas alguns segundos. Ora, utilizando a sua própria analogia simplista e simplificadora usada no programa, como uma ajuizada e severa dona de casa vai fazer o ajuste considerado  necessário  das contas da casa se não é capaz nem de evitar o roubo do dinheiro da família?
 
Não devemos  evitar o juízo: graças ao poder de investigação da corrupção exatamente construído pelos governos Lula e Dilma, estamos diante do escândalo de maior impacto na vida democrática e republicana do país. O seu processo de investigação, sem presunção de culpa julgada a priori, atinge todos os partidos centrais da democracia brasileira, os presidentes do Congresso Nacional, governadores e, pela primeira vez, incide centralmente sobre empresários brasileiros bilionários que organizam um dos principais ramos da indústria nacional, além da maior e mais importante empresa pública do país.
 
Se o próprio governo não torna público que foi graças à lei contra os corruptores enviada ao Congresso Nacional pela própria presidenta Dilma, que é graças a autonomia funcional da Polícia Federal e à independência do Procurador Geral da República, que antes não existia nos governos tucanos de FHC, que se pôde fazer a investigação da corrupção antes já existente na Petrobrás, quem o fará? A Rede Globo, o jornal escandalosamente golpista dos Frias? A rádio CBN?

Se é impossível contornar este juízo – que estamos diante da investigação de maior impacto da história republicana do país -, é preciso que este diagnóstico tenha uma resposta à altura da consciência indignada dos brasileiros.
 
Esta resposta deve ser um pacto nacional pelo fim da corrupção sistêmica no Brasil, liderado pela presidenta Dilma em diálogo com a sociedade civil democrática. Ele poderia ter quatro propostas estruturantes: o primeiro, em torno do qual já se formou uma nítida opinião de maioria republicana e democrática, é o fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais; o segundo eixo estruturante são exatamente as propostas de mudanças legais que fecham o cerco à impunidade dos corruptos, que vem responder a um clamor da opinião pública; o terceiro, medidas para estancar o fluxo ilegal das fortunas bilionárias para paraísos fiscais, seja para abrigar dinheiro de origem criminosa seja para fugir ao fisco (daí a importância vital da CPI sobre as contas dos brasileiros no HSBC); o quarto, enfim, a federalização para estados e municípios, empresas e entidades públicas de todo o país, de uma série de procedimentos mínimos necessários de prevenção à corrupção.
 
Uma iniciativa pública como essa – de histórico sentido republicano -  teria o sentido de amarrar três pontos centrais de uma narrativa oposta e alternativa àquela dos neoliberais golpistas: que são os governos do PT que mais lideraram e lideram o combate à corrupção no Brasil, que a corrupção é sistêmica no estado brasileiro e não é uma criação do PT, afina a consciência petista com a consciência cívica do cidadão e da cidadã brasileiros. O PT deveria ser exemplar neste aspecto, tomando medidas internas coerentes com estas proposições, expulsando os filiados comprovadamente envolvidos em casos de corrupção.
 
Esta  histórica iniciativa política, temos certeza, colocará em ponto morto a estratégia golpista e na mais completa defensiva o PSDB e os partidos e setores golpistas que o acompanham. Pois são exatamente eles os mais corrompidos, os que mais defendem o financiamento empresarial das campanhas, que fogem sempre à punição exemplar e que mantém os laços de afinidades estratégicos com os circuitos financeiros que organizam a corrupção.

 
Uma macro-economia para os novos direitos
 
É  preciso sempre ler a conjuntura com os olhos abertos para aprender com ela. Nestes últimos quatro meses aprendemos três lições preciosas.
 
A primeira é que a consciência neoliberal está certa: a aplicação de um programa neoliberal hoje exigiria certamente uma dinâmica fortemente anti-democrática, no limite da criminalização do PT e dos partidos de esquerda, com a generalização da repressão aos movimentos sociais.
 
O povo brasileiro está tão faminto por novos direitos como está indignado com a corrupção. Que sirva de lição a dignidade dos operários de São Bernardo que entraram em greve de pronto frente à ameaça das demissões metalúrgicas. As classes trabalhadoras brasileiras estão hoje fortalecidas por anos de crescimento do emprego, de formalização do mercado de trabalho, de mais acesso á escolarização. “Brasil nunca menos”, como disse uma vez em alto e bom som o companheiro Marco Aurélio Garcia.
 
O que aconteceu no Paraná – tão escondido pelas grandes empresas de comunicação – foi notável: o governador tucano, recém fortalecido por uma reeleição, viu o seu violento plano de agressão aos direitos públicos ser enfrentado por uma histórica greve, liderada pelos professores da rede pública. A generalização da greve e dos protestos com dezenas de milhares de paranaenses obrigou o tucano a recuar.
 
E, agora, os atos nacionais do dia 13 de março, liderados pela CUT, MST e UNE, enchendo as ruas e praças de todo o país em defesa da democracia, pela reforma política e contra a corrupção e por mais direitos públicos. Foi, sem dúvida, um ato renovador das esperanças em um momento decisivo!
 
A segunda grande lição é que se, em 2006 e 2010 a macro-economia inclusiva do desenvolvimento transferiu a sua força de legitimação para os votos majoritários que elegeram o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma, agora é a vez da política puxar a economia. O impasse econômico do Brasil - tudo ao contrário do diagnóstico neoliberal que acusa uma macro-economia anti-cíclica irresponsável dirigida ao aquecimento da demanda como a responsável – é político: a construção de legitimidade pública para avançar no papel estratégico de planejamento democrático do setor público em detrimento dos poderes ainda fortes da financeirização na economia brasileira.  No primeiro governo Dilma , se formos capazes de continuar crescendo empregos e direitos mas não o PIB como antes é porque houve um reposicionamento agressivo dos neoliberais na disputa político-midiática dos rumos da economia e um acanhamento crescente do governo na defesa de suas opções.
 
A palavra de Dilma, tão anunciadora nas eleições de 2014, deve prevalecer sobre o neolibelês boquirroto do novo Ministro da Fazenda, que anunciou pela primeira vez para bancos norte-americanos a recessão da economia brasileira em 2015 e que ousou, de forma grosseira, fazer chacota das políticas anti-cíclicas do primeiro governo Dilma. A política agora deve comandar a economia.
 
Por que não dar mais visibilidade às três milhões de novas unidades do programa Minha Casa Minha Vida que serão construídas nos próximos quatro anos? Passado o momento mais grave, é hora da Petrobrás anunciar o seu novo ciclo de investimentos, assim como os grandes projetos de infra-estrutura amadurecidos.  Se o lema do governo é “Patria Educadora”, por que não magnificar o programa de construção de creches públicas de qualidade, em ritmo e em escala ampliada, com a urgência de não quer ver mais milhões de crianças sem a primeira educação de qualidade nem os pais e mães trabalhadoras sobrecarregados no seu tempo e orçamento? Por que não o imposto sobre as grandes fortunas e patrimônios, por que não pressionar para diminuir os escandalosos juros praticados no mercado de crédito no Brasil, por que não exigir o fim do escandaloso prêmio aos rentistas  através das altas taxas Selic?
 
A terceira grande lição é que a macro-economia do desenvolvimento, aprofundada e expandida em suas razões, é a base social da hegemonia da esquerda que queremos construir. Como afirmava Gramsci,  em polêmica com um conceito idealista ou restritamente cultural de hegemonia: esta se manifesta principalmente no terreno econômico através de valores para além dos corporativos. Sem ela, é a nossa própria base social – esta imensa e poderosa rede de movimentos e cidadãos em marcha por seus direitos que cresce sem parar no Brasil – que se divide, perde identidade e sentido histórico.
 
É o próprio sentimento de esperança dos brasileiros , como muito bem expressou Celso Furtado, que perde o sentido, abrindo o espaço para a propaganda apocalíptica e anti-nacional do fim do Brasil pregada pelos neoliberais.

 
Movimento político Muda mais
 
No esforço épico vitorioso das eleições presidenciais de 2014, o espírito daquilo que nos une e dá sentido foi capaz de forjar três palavras que continham em si toda uma narrativa, toda uma época e todo um futuro a conquistar: “Brasil Muda Mais”. Em um sentido forte, esta potência que se manifestou mais claramente no segundo turno das eleições e nos deu a vitória deve ser agora incorporada  ao nosso movimento político plural.
 
A disputa de hegemonia reclama a formação de um movimento político unitário permanente e estruturado que contenha cinco características: assume com centralidade as lutas democráticas, vinculando-as à defesa de um novo pacto desenvolvimentista, sustentável e distributivo, à expansão dos direitos sociais e humanos; forma em torno de si toda uma rede democrático-popular de comunicação, vinculando-se em rede para travar diariamente a luta pelas notícias, juízos e valores; organiza-se de forma frentista e horizontal, abrigando em torno de si o amplo pluralismo das esquerdas, religiosos e identitários; converge para ações unificadas mas abre-se para todas as formas de lutas em dinâmicas regionais e descentralizadas; estabelece uma unidade de sentido entre nosso trabalho no governo do país, as ações dos movimentos sociais e o trabalho parlamentar.
 
A formação deste Movimento Político Muda Mais está nas ruas neste dia 13 na forma de sua anunciação e também no dia 15 de março na forma de uma oposição pública às vozes golpistas.
 
É ele que permitirá, se formado, passar de um momento defensivo vitorioso para a construção da governabilidade programática do segundo governo Dilma, isto é, o ato de governar  em meio ao aprofundamento das mudanças democráticas, republicanas e sociais que o povo brasileiro aspira hoje com tanta força.

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