terça-feira, 17 de março de 2015

O chão firme que resta ao governo








Carta Maior, 16/03/2015
 



O chão firme que resta ao governo


Por Saul Leblon




Não há muito tempo, nem são tantas as opções assim. Os dados na mesa estão cada vez mais claros.
 
Eles exigem opções estruturais e coragem política para adotá-las.
 
O banho-maria já não alivia a pressão da caldeira.
 
O governo precisa negociar o futuro do país.
 
E fazê-lo dentro de certos critérios de bom senso histórico.
 
É preciso negociar com o país que ainda quer conversar sobre soluções coletivas para os desafios nacionais.
 
Com o país que ainda se dispõe a erguer as linhas de passagem racionais e necessárias para a reordenação do seu crescimento e a capacitação da democracia, a quem caberá, afinal, ordenar e escrutinar a transição de ciclo econômico em marcha, determinada substancialmente pela desordem neoliberal reinante no mundo.
 
O governo teve entre sexta-feira e domingo um painel vivo do conflito latejante no tabuleiro.
 
Um conflito que ganha nitidez vertiginosa entre os que ainda querem e os que não parecem ver mais sentido em uma conversa democrática, liderada pela Presidenta reeleita com 54 milhões de votos.
 
Duas massivas manifestações tiveram lugar no mesmo palco simbólico da luta pelo poder no Brasil.
 
A plutocrática avenida Paulista, em São Paulo, tem menos de três quilômetros.
 
Mas condensa o poder dos bancos e das entidades empresariais, projetando-se, ademais, como um território cultural simbólico da elite derrotada em outubro de 2014.
 
Na sexta-feira marcharam os rostos do Brasil que vive nas periferias e ocupa os degraus de baixo da pirâmide de renda.
 
Foram tratados e olhados como marcianos pela mídia e por aqueles que veem em cada passo da iniciativa popular no país – do Bolsa Família, aos Mais Médicos, passando por uma passeata ou greve - as dores do parto de uma nova Cuba irrompendo do asfalto de sua pista de bike.
 
A crescente intolerância com essa dimensão nova da política brasileira manifesta-se no esforço de manter invisível, ilegítimo e subestimado o peso desse protagonista numericamente majoritário da sociedade.
 
A dificuldade cognitiva em enxergá-lo exceto nas funções subalternas é tão arraigada e difundida que a cada derrota eleitoral dos candidatos da elite o país vive um terceiro turno virulento dos inconformados.
 
Não por acaso, a presença desse Brasil invisível na Paulista na sexta, 13, foi reduzida à quarta parte da sua presença real pela Política Militar do governo tucano paulista e pela Globo.
 
‘Gente paga’, acusou o inconformismo de muitos daqueles que no domingo, tingiram a mesma avenida com uma massa colossal de rosto e demanda distintos.
 
A mesma dobradinha policial midiática que reduziu a um quarto os 41 mil manifestantes da sexta, segundo o Datafolha, multiplicou por cinco os 210 mil presentes ali no domingo, estimados pelo mesmo instituto de pendores sabidos.
 
Não se trata apenas de uma casquinha estatística.
 
Trata-se de criar comoção.
 
Aquela reação que desautoriza e abastarda a razão, a reflexão e a política e, portanto, qualquer outra opinião em contrário que desafie e ‘unanimidade esmagadora’ da sociedade – conceito que em si choca o ovo da serpente.
 
Foi o que fez a emissão conservadora durante todo o domingo em flashs desde cedo que rastreavam o país em busca de acepipes para motivar o deslocamento da classe média paulista à praça da apoteose.
 
O 'vem para a rua' conservador teve a partir da tarde o impulso fundamental do bate-bola entre as redes de televisão e a Polícia Militar do Estado de São Paulo.
 
Em menos de duas horas, no afã de lotar o palco, a PM de Alckmin e a Globo multiplicaram por quatro o seu próprio exagero: de anunciados 240 mil pessoas na Paulista, por volta das 15 hs, mais que dobraram o contingente meia hora depois, para 580 mil e, na sequência, em escalada fulminante para dobrar de joelhos qualquer relutância, com perceptível sofreguidão nas vozes de um entusiasmo explicito, saltaram para a marca almejada: ‘mais de um milhão na Paulista nesse momento’.
 
Só então sossegaram, trocando passes para consolidar o ‘consenso’ em repetições auto-comemorativas.
 
Orson Wells fez algo parecido em 1938, quando os recursos disponíveis eram substancialmente inferiores aos atuais.
 
Em 30 de outubro a rede de rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu a grade musical repentinamente para noticiar uma invasão de marcianos.
 
A ‘notícia’ transmitida com requintes de realismo assustador era a primeira frase de um radio-teatro de ficção científica ‘A Guerra dos Mundos’.
 
A CBS  manteria o assunto no ar durante 60 minutos como se fosse verdade.
 
A narrativa tensa entrelaçada de flashs em espiral apavorante informava a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover's Mill, em Nova Jersey.
 
A coisa se tornou ‘viral’, como se diz hoje consolidando-se como um marco no exercício de manipulação da opinião pública pela mídia razão pela qual seu poder precisa ser regularizado com o antígeno da pluralidade, que os barões do oligopólio local chamam ironcamente de ‘bolivarianismo’.
 
A peça radiofônica de 1938, que gerou comoção e fuga em massa para locais não ‘atacados’, induzidos pela CBS, ficou conhecida como a ‘radiofonia do pânico’ ou a ‘emissão do pânico".
 
O que esse episódio evidenciou com notável realismo é que a emissão do pânico não torna uma sociedade vulnerável apenas a marcianos.
 
O peso político dos consensos manipulados pode ter efeitos desastrosos na trajetória de uma Nação.
 
A história do Brasil mostra isso.
 
O acervo do Ibope guardado no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, reúne pesquisas de opinião pública feitas às vésperas do golpe de 1964.
 
Os dados cuidadosamente ocultados naqueles dias assumem incontornável atualidade cotejados com a ação do aparato midiático nas horas que correm.
 
Enquetes levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia já era tangida ao matadouro pelos que bradavam em sua defesa e contra a corrupção, mostram que:
 
a) 69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como ótimo (15%), bom (30%) e regular (24%); b) apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco do que afirmavam os jornais; c) 49,8% cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição em 1965; d) 41,8% rejeitavam essa opção; d) 59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de março  (em comício que reuniu 150 mil pessoas na Central do Brasil Jango assinaria decretos que expropriavam as terras às margens das rodovias para fins de reforma agrária, nacionalizara  refinarias de petróleo e cogitara plebiscitos para autorizar o voto dos analfabetos, ademais de promover uma reforma política –ele que, como Dilma, era refém de um Congresso conservador).
 
As pesquisas sigilosas do Ibope formam o contrapelo estatístico de um jornalismo que ocultou elementos da equação política, convocou, exortou, manipulou, orientou  e criou a comoção necessária à legitimação da derrubada violenta do Presidente da República, em 31 de março de 1964.
 
Em editorial escrito com a tintura do cinismo, um dos centuriões daquelas jornadas, o diário O Globo, fez recentemente a autocrítica esperta de sua participação na ficção política em que os marcianos eram os comunistas cubanos.
 
O Globo lamenta agora o apoio explícito ao golpe de Estado, mas justifica a violência institucional: era  inevitável, afirma, diante do quadro caótico e extremado vivido então.
 
O editorial da família Marinho omite a sua decisiva participação na semeadura do pânico caótico e extremado vivido então.
 
A comoção inoculada no imaginário brasileiro nesse momento - leiam as manchetes de qualquer jornal e listem a coluna das perdas e danos - é anterior ao consenso estatístico criada pela invasão de ‘mais de um milhão’ na Paulista - troco arredondado para ‘Milhões contra Dilma e a corrupção’, no site do Globo nesta 2ª feira.
 
Dilma e o PT não tiveram o apoio da classe média da Paulista nas urnas de outubro.
 
Não há razão para acreditar que o teriam agora em um quadro em que, sem a neutralidade do horário eleitoral para argumentar, o governo se resigna a entrevistas de ministros convocadas na verdade pela mídia para repercutir suas manchetes do dia anterior.
 
O agravamento da crise, com a escalada do dólar que atingiu o nervo não negligenciável de um segmento cuja pátria é o turismo internacional, ademais de elevar o custo de vida e o risco do desemprego, tudo isso foi habilmente martelado pela mídia para desaguar na catarse anticorrupção que energizou o milhão de domingo e os milhões da segunda-feira ‘contra Dilma’.  
 
Em time que está ganhando em saltos de mil para milhão e de milhão para milhões em um átimo de tempo, não há razões para se acreditar em mudança.
 
Quem precisa mudar é o governo.
 
Sua margem de manobra se estreita, ou melhor, ganha a nitidez prática que o bom senso político já advertia antes das eleições.
 
A nitidez mostra um governo sem canal de comunicação com a sociedade sendo encostada na parede por uma parte dela, para ‘atender’ a uma demanda de natureza difusa, irracional e ultimatista.
 
A agenda da comoção cobra de Brasília uma plataforma que não reserva outro espaço ao exercício da política que não a derrubada do governo.
 
Se não, vejamos.
 
A reforma política proposta para atacar a corrupção pela raiz, com o fim do financiamento privado de campanha, é tratada como ‘embromação’, no douto dizer de um ‘analista’ isento do jornal Valor nesta 2ª feira.
 
A austeridade ortodoxa – exigida pelo conservadorismo — e concedida pelo governo, é diuturnamente classificada como ‘insuficiente’, ao mesmo tempo em que se difunde o terror diante das consequências negativas que as medidas já tomadas acarretam à sociedade (desemprego com inflação em alta, dólar mais caro e juros siderais).
 
Mas não, ‘Dilma não assumiu o ajuste’ e , ao mesmo tempo, ‘as medidas do ajuste já sinalizam a recessão’ , regurgitam colunistas do glorioso jornalismo de economia, auto mandatados para o exercício militante da incoerência.
 
As tímidas tentativas do Planalto de fazer o que o PT deveria ter  providenciado imediatamente após as eleições ou, melhor ainda, durante a campanha, ou seja, uma repactuação do país para a transição rumo a um novo ciclo de desenvolvimento são respondidas de forma peremptória pelo PSDB.
 
‘Não é hora de afastar Dilma nem de pactuar’, sentenciou o pavão Fernando Henrique Cardoso, assessorado pelo galo de briga das caçarolas de cobre, Aloysio Nunes Ferreira, ‘Eu quero sangrar a Dilma (para evitar Lula em 2018)’.
 
O que sobra, então, para traduzir as ruas em exercício político da democracia?
 
O impasse criado por quem insufla um milhão, ou ‘milhões’, mas não oferece alternativas críveis, exceto o sangramento de sua conveniência, costuma ser resolvido na história latino-americana da forma que sabemos.
 
Os selfies multiplicados na Paulista neste domingo no reencontro idílico entre uma classe média de sabidas tradições e integrantes da tropa de choque de Alckmin, evidenciam o terreno fértil à prática dessa lavoura regional.
 
Voltamos assim ao preâmbulo da nota publicada neste espaço na sexta-feira, após a manifestação do ‘tostão’, segundo a mídia, no mesmo palco do ‘milhão’ de domingo.
 
O que se dizia ali é que, se há aprendizado em política, o governo não poderia mais ignorar o que ali se evidenciou.
 
O que se evidenciou ali é que existe – ainda - uma base social maior talvez do que o próprio governo supõe, que transgrediu todas as dificuldades impostas (não só pela mídia, mas pelo PT, que se omitiu, e por Brasília, que titubeou e ficou distante) para ir ao templo das elites e ali promover uma passeata dos 50 mil tostões, antes da blitzkrieg estatística do domingo.
 
No altar do dinheiro e da elite paulistana, rostos, roupas e vidas de recorte predominantemente humilde -- tudo muito distinto da bem nutrida alegoria do domingo -- deixariam ali um recado que nem o temporal copioso do dia, nem o aluvião midiático posterior conseguiriam apagar: ‘Temos críticas, temos restrições, temos exigências e temos propostas. Mas queremos negociar com o governo democraticamente eleito da Presidenta Dilma’, diziam as faces de seriedade algo apreensiva debaixo da chuva inclemente.
 
Ainda há tempo de Brasília ouvir o recado.
 
O governo democraticamente eleito da Presidenta Dilma necessita, de forma urgente, negociar a repactuação do país com o futuro.
 
Até para tornar compreensível e tolerável as restrições do presente, que são reais.
 
Precisa ter um interlocutor credenciado para construir essa ponte em nome da Presidenta, com legitimidade e força política incontestável.
 
E precisa começar procurando quem quer conversar.
 
Mas, sobretudo, quem demonstra responsabilidade e discernimento político para se oferecer como um chão firme alternativo à ‘emissão do caos e do pânico’.
 
Esse que, infelizmente, não leva apenas a um domingão de selfies com centuriões da tropa de choque na avenida Paulista.
 
Ou o governo reconhece esse interlocutor e mexe no tabuleiro do xadrez com as peças que se dispõem a permanecer no jogo democrático, e de lance em lance altera a rigidez das demais, ou o governo será tomado ele próprio por uma rigidez cadavérica.
 
Aquela a partir da qual o xeque-mate é uma questão de tempo.
 
 
 






​Carta Maior, ​17/03/2015




O problema não foi o que aconteceu no dia 15 de março



Por Maria Inês Nassif




Para o governo, para as forças progressistas e para a democracia, o problema não é o que aconteceu nas ruas no domingo, dia 15 de março. O problema é o que deixou de acontecer nas ruas na sexta-feira, 13.
 
O domingo é um repetitivo terceiro turno. São Paulo, o grande enclave conservador do país, levou às ruas o maior contingente contra a presidenta Dilma Rousseff e abrigou, sem qualquer conflito, forças a favor do impeachment e até uma extrema-direita virulenta que pedia, cartazes em punho, a intervenção militar contra o governo do PT.
 
Brasil afora, as manifestações que tiveram maior peso seguiram a regra paulista: quanto mais fraco o desempenho de Dilma no Estado nas eleições do ano passado, maior a manifestação. Rio e Belo Horizonte confirmam a regra: a mobilização nas ruas das duas capitais foi mais inflada pela cobertura de televisão do que propriamente relevante. Nos dois Estados a candidata do PT teve a maioria dos votos no segundo turno.
 
As filmagens, fotos e entrevistas com os manifestantes mais raivosos facilmente são enquadráveis no perfil do eleitor de Aécio Neves nas eleições presidenciais do ano passado.
 
Segundo a pesquisa Datafolha divulgada na véspera do segundo turno, em 25 de novembro, Aécio concentrava eleitores nas faixas de renda acima de 5 salários mínimos (60% das preferências entre os que têm renda familiar de 5 a 10 salários e 65% entre os que ganhavam mais do que isso)
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e de alta escolaridade (o tucano tinha a simpatia de 61% das pessoas com nível superior). Na faixa etária de 16 a 24 anos, os dois candidatos dividiram meio a meio as simpatias dos eleitores; e voltaram a rachar no meio entre aqueles com mais de 60 anos. Entre aqueles entre 25 e 34 anos, Dilma tinha 4 pontos a mais do que Aécio nas preferências; essa vantagem subia para 10 pontos percentuais na faixa entre 35 e 44 e caia para 6 pontos entre os que tinham de 45 a 59 anos. Nas imagens de televisão, a preponderância dos mais jovens e dos mais velhos, que racharam ao meio nas eleições, era visível.
 
O perfil eleitoral dos bairros onde virou moda os panelaços, toda vez que o governo se pronuncia oficialmente, confirma: a maioria das pessoas que foi às ruas e bate panelas tem maior renda e maior escolaridade. Provavelmente também seja majoritariamente branco, já que nessas faixas de renda e escolaridade os brancos são esmagadora maioria.
 
O que causa espécie não é a oposição ganhar as ruas, ou o grito de exaltados que querem depor um governo depois de terem perdido a chance de ganhá-lo nas urnas. O que assusta é um governo eleito há quatro meses, e reempossado há dois, ser incapaz de mobilizar eleitores recém-saídos das eleições em sua defesa nas manifestações nacionais do dia 13, antevéspera do domingo que assombrou democratas com fantasmas do golpe militar de 1964.
 
Pelo volume de votos obtido por Dilma, as manifestações em defesa da Petrobrás, da democracia e da reforma política tinham que ter colocado nas ruas muito mais gente do que efetivamente colocaram – gente suficiente para tornar ridícula qualquer tentativa de manipulação de números, como fizeram a PM Paulista e a Rede Globo (que registraram 1 milhão de presentes na Avenida Paulista no dia 15, número colocado em dúvida até pela Folha de São Paulo, e 12 mil no dia 13, para uma multidão que foi fotografada, compacta, ocupando quase toda a extensão da rua da Consolação).
 
Os que votaram em Dilma não foram para as ruas, esse é o fato. Em primeiro lugar porque, embora não batam panelas em janelas de apartamentos chiques, estão com o pé atrás com o início do segundo governo.
 
Têm razões para isso. Nesses poucos meses desde as eleições, o governo decidiu um ajuste fiscal que penalizou fundamentalmente o seu eleitor, sem negociações, conversas ou compensações de qualquer ordem. Um ministro, Joaquim Levy, estranho ao campo político vitorioso, move-se com desenvoltura acima do governo eleito ou do programa de governo escolhido pelo eleitor, com o aval para negociar, conversar ou compensar setores que operaram claramente contra a presidenta, nas eleições e depois delas.
 
Na sexta-feira, aliás, indiferente aos manifestantes que davam a cara para bater nas ruas de São Paulo para defender Dilma, Levy negociava com o governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, o seu ajuste fiscal, no Palácio dos Bandeirantes. Pedia apoio para medidas fundamentalmente contrárias ao programa de governo de Dilma no Palácio dos Bandeirantes, símbolo do poder tucano.  
 
O eleitor de Dilma tem assistido diariamente, pelo Jornal Nacional, capítulos do avanço do pacote fiscal do governo sobre programas educacionais como o Fies, até bem pouco tempo a porta de ascensão social de parcelas consideráveis de jovens; ou sobre o seguro desemprego, garantia ameaçada justo no momento em que o pacote fiscal do governo aposta na recessão para conter a inflação e gerar superávit primário, isto é, que a dispensa do trabalho vira um risco real para o trabalhador de baixa renda.
 
Os eleitores lidam com um volume grande de más notícias diárias que entram nas suas casas pela tevês, rádios e jornais desde a posse da presidenta Dilma. Até novembro, viram Dilma diariamente, quando ela pedia votos pela TV. Não tiveram até as manifestações de domingo uma explicação inteligível ou justificável para o que aconteceu desde que se iniciou o ataque à economia brasileira e ao país, pelo mercado financeiro e pela mídia oposicionista, e desde que o governo deu como resposta a isso um ajuste fiscal que atingiu fundamentalmente seu eleitor – que é pobre, está tentando ascender pela educação e precisa ter acesso ao seguro desemprego principalmente agora, quando a indústria de construção civil se desacelera em função do Escândalo Petrobras e da recessão promovida pelo ajuste fiscal de Levy.
 
Esses eleitores podem ainda não ter migrado para a oposição – o perfil dos manifestantes mostram que isso ainda não aconteceu – mas os acontecimentos tornaram difícil a sua convivência política com os derrotados. Essas pessoas vivem hoje em um ambiente adverso onde a oposição, com acesso preferencial aos meios de comunicação e movendo-se de forma muito mais coordenada nas mídias sociais, conseguiu ocupar um espaço considerável e acuar os vencedores, colando neles o estereótipo de minoria ignorante inapta ao voto, mesmo que as urnas tenham demonstrado que não são minoria, e mesmo que o legado dos governos petistas até agora indiquem que a intenção eleitoral dessas de alguma forma foi vitoriosa, e incontestavelmente serviu aos interesses do cidadão de baixa renda. Esse eleitorado hoje apanha do ajuste fiscal do governo e dos eleitores de oposição. Principalmente em São Paulo.
 
Os que votaram em Dilma não vão para as ruas também porque não têm comando, liderança ou direção – seja qual for a designação que se dê para o papel que devia caber a um partido político, de mediar as relações entre os eleitos pela legenda e a sociedade.
 
O Partido dos Trabalhadores, o único que teria essa possibilidade porque sufragado em quatro eleições presidenciais, perdeu a capacidade de mediação porque foi sufocado por uma burocracia partidária, e por conta dela se viu como centro de sucessivos escândalos políticos – trazidos seletivamente pela mídia de oposição, de fato, mas sem que isso produzisse uma reação inteligível para o eleitor e para a militância. Em cada uma das crises em que foi o alvo, a burocracia partidária reagiu distanciando-se mais da militância, dos eleitores e dos movimentos sociais. Ainda assim, nos críticos momentos das eleições do ano passado, foram os movimentos sociais, os eleitores e uma militância que sequer conseguiu opinar nos rumos da campanha que salvaram Dilma do nocaute.
 
É sobre isso que as forças progressistas devem refletir agora. A questão é saber como tirar o eleitor que deu a vitória para a esquerda nas últimas quatro eleições presidenciais da defensiva. Não é apenas proteger o eleitor de Dilma das medidas do governo o que está em questão, embora isso seja muito importante. Trata-se de dar a ele condições de se orgulhar do seu voto e enfrentar o seu adversário nas ruas. Esse é o único caminho de governabilidade possível para o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff.

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