quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O legal e o legítimo

 


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GGN, 05/05/2015




O legal e o legítimo



Por Percival Maricato




Dando continuidade aos comentários, sobre o parecer de Yves Gandra, concluindo ser juridicamente sustentável não só o processo como o impeachment da Presidente Dilma, convém aqui lembrar o que é legal e o que é legítimo.  Isto é tanto mais importante quando há muitos comentários a respeito de que nenhum governante está acima da lei.
Ninguém melhor que meu saudoso professor na Faculdade de Direito da USP, Goffredo Silva Telles, para explicar esses conceitos. Disse ele em Carta aos Brasileiros (vale a pena visitar no Google)
Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítimaSustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.
Das leis, fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam – comunidade e Povo em cujo seio as ideias das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida.
fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis.
A Carta, que foi instrumento fundamental para acuar e derrotar a ditadura militar, sustentada no plano jurídico por juristas que defendiam a legalidade de seus atos (Buzaid, Costa e Silva), até mesmo o último artigo do Ato Institucional n 5, onde estava dito que as decisões das autoridades tomadas com base nessa norma, não poderiam ser apreciadas pelo Poder Judiciário. Tudo era legal. Um general presidente adoeceu (Costa e Silva) e em vez do vice (Pedro Aleixo) assumir, o Poder Executivo passou a ser exercido pelos comandantes das três armas; O Congresso atrapalhava, dissolveu-se o Congresso e acabou-se com os partidos, permitindo-se apenas dois, como nos EUA; o MDB elegia a maioria no Congresso, sem problemas, providenciava-se uma lista de cassações e a ARENA (atual DEM) passava a ser maioria; nova eleição desfavorável e então se fazia uma lei que tornava territórios em estados, com direito a eleger oito deputados e dois senadores (Pacote de Abril); se um delegado torturador foi denunciado por crime de morte e pela lei vigente teria que ir para a cadeia, fazia-se outra lei livrando-o desse vexame (Lei Fleury) e assim por diante. Era tudo legal, vez que com base na lei, atos institucionais ou decreto lei se necessário.
Telles lembra que a fonte primária do Poder é o Povo, a Comunidade. Ela elege o constituinte, que faz a Constituição, cujas normas devem ser perenes, obedecidas, inclusive por legisladores ordinários, que vem a seguir. Os casuísmos, como a atual PEC que tenta proibir a criação de partidos por cinco anos, por exemplo, nada tem de legítima. Pretende mudar a Constituição por simples casuísmo,  interesse de uma eventual maioria.  E também não tem legitimidade o impeachment dos chefes de executivos, sem os fundamentos jurídicos impostos pela Carta Magna. Continua Telles:
Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. ordem imposta , vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima . Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce , que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo.
Feita a Constituição, originada da fonte legítima, ela deve ser obedecida, ou então teremos a ilegitimidade. Ensina então o professor Telles:
Proclamamos a ilegitimidade de todo sistema político em que fendas ou abismos se abrem entre a Sociedade Civil e o Governo.
Chamamos de Ditadura o regime em que o Governo está separado da Sociedade Civil. Ditadura é o regime em que a ­Sociedade Civil não elege seus Governantes e não participa do Governo. Ditadura é o regime em que o Governo governa sem o Povo. Ditadura é o regime em que o Poder não vem do Povo. Ditadura é o regime que castiga seus adversários e proíbe a contes­tação das razões em que ela se procura fundar.
Os governantes que dão o nome de Democracia à Ditadura nunca nos enganaram e não nos enganarão
Certo pois, que ninguém pode ficar acima da lei, mas a lei que tem origem na fonte legítima, que respeita o Poder Constituinte Originário.
Concluímos, lembramos mais uma vez, que há poucos meses ocorreu uma eleição, que eleição, se livre e honesta, também é ato jurídico, faz lei, e com legitimidade indiscutível. Na eleição foi manifestada a vontade da fonte originária do Poder Constituinte, o povo disse quem quer que o governe, decisão válida ainda que a diferença seja um único voto. Que valor pode ter a opinião de um jurista, juiz ou mesmo de legisladores ordinários, perante esse julgamento do povo? Que legitimidade têm para contrariá-lo? Qual a diferença entre golpes legais e o fato de um grupo de militares tomarem o poder? O respeito à legitimidade dos eleitos e da segurança jurídica dela decorrente é a única forma de vivermos em civilização.
Claro que tudo isso não impede um governante eleito possa sofrer impeachment. Deve ser processado e cassado se agir com dolo (intenção). Nada disso tem a ver com acusações gratuitas e genéricas de imperícia, imprudência e negligência (culpa), como conclui o parecer a partir do caso da Petrobrás. Fosse assim, sabe Gandra, homem ultra religioso, não sobraria um único governante, pois a perfeição é um dom de Deus

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