quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A culpa de Dilma e o dolo de Ives Gandra



http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/206844-advogado-de-fhc-solicitou-parecer-sobre-impeachment.shtml




Folha.com, 04/02/2015


Advogado de FHC solicitou parecer sobre impeachment



Mario Cesar Carvalho - de São Paulo


O parecer jurídico que diz haver fundamentos para o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) por causa dos escândalos na Petrobras foi encomendado por um advogado que trabalha para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e integra o conselho do Instituto FHC.
O documento, escrito pelo advogado Ives Gandra da Silva Martins, foi solicitado por José de Oliveira Costa. O próprio Costa confirmou à Folha que trabalha para FHC: "Sou advogado dele".
Ele nega, no entanto, que o ex-presidente soubesse do parecer. Refuta também que o documento tenha caráter político: "Não tenho ligação nenhuma com o PSDB. Nem sei onde fica o diretório."
Martins nega que a peça tenha pretensões políticas: "Meu parecer é absolutamente técnico. Para mim, é indiferente se o cliente é o Fernando Henrique Cardoso ou uma empreiteira".
O parecerista diz que cobrou pela peça, mas não revela o valor. Advogados ouvidos pela Folha dizem que uma peça dessas assinada por Martins pode custar de R$ 100 mil a R$ 150 mil.
Questionado pela reportagem, FHC disse em nota que soube nesta terça (3) pela Folha que Costa encomendara o parecer - Martins citou o nome do advogado em artigo publicado nesta terça no jornal. Para o ex-presidente, "neste momento", o impeachment "não é uma matéria de interesse político".

ATÉ O FIM
Em artigo publicado neste domingo (1º), FHC incita juízes, procuradores e a mídia a ir até as últimas consequências na apuração dos desvios da Petrobras: "Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde que efetivamente culpados".
O parecer de Martins conclui que há elementos para que seja aberto o processo de impeachment contra Dilma por improbidade administrativa "não decorrente de dolo [intenção], mas de culpa".
Culpa, em direito, detalha Martins, são as figuras da "omissão, imperícia, negligência e imprudência".
Segundo ele, Dilma tem culpa nesse campo porque ocupava a presidência do conselho da Petrobras em 2006 quando foi comprada a refinaria de Pasadena, nos EUA, por um valor que chegaria a US$ 1,18 bilhão dois anos depois. No ano passado, a presidente disse que não aprovaria a compra se tivesse melhores informações sobre a refinaria.
A compra resultou num prejuízo de US$ 792 milhões, de acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União).
A presidente, para o parecerista, manteve uma diretoria na estatal "que levou à destruição da Petrobras".
O advogado de FHC diz que encomendou o parecer a partir de uma dúvida que surgiu numa reunião: "Juridicamente é possível iniciar um processo de impeachment por responsabilidade civil, ou seja, por culpa?" Segundo ele, a peça seria usada se algum cliente tivesse interesse por essa mesma dúvida.

EMPREITEIRA
Costa nega que haja alguma empreiteira investigada na Operação Lava Jato por trás do pedido.
A legislação prevê que tanto as empreiteiras quanto os seus diretores sejam condenados se a Justiça concluir que houve fraude em licitações da Petrobras e que as empresas agiam como um cartel.




Blog do Mário Magalhães, 04/02/2015


O golpismo vulgar e a biografia de FHC

Mário Magalhães

No começo da noite de 13 de março de 1964, o professor de sociologia Fernando Henrique Cardoso formava entre a multidão que participou do comício, com direito a discurso de João Goulart, diante da Central do Brasil.
Dezenove dias depois, um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional Jango, ferindo a democracia e inaugurando uma ditadura que se prolongaria por 21 anos.
FHC, mais tarde senador, ministro e por dois mandatos presidente da República, conhece história. Tirando tropeços como falar “própio'' e “propiamente'', em vez de “próprio'' e “propriamente'', ninguém pode chamá-lo de ignorante. É um homem ilustrado, além de cortês e afável.
Nesta quarta-feira, um dos melhores repórteres do país e um dos mais talentosos editores culturais que eu conheci, Mario Cesar Carvalho, trouxe novidade: foi um advogado de Fernando Henrique Cardoso e integrante do conselho do Instituto FHC quem pediu um parecer ao jurista Ives Gandra da Silva Martins sobre pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Até aí, morreu Neves - ou Getúlio Vargas, em 1954, acossado pelo golpismo. O advogado afirma que não encomendou o parecer por ordem de FHC, e assim ficamos.
O mais impressionante é a declaração do ex-presidente sobre eventual afastamento da presidente eleita pela maioria dos brasileiros em outubro: “neste momento'', disse FHC, o impeachment “não é uma matéria de interesse político''.
Por que “neste momento''? Em outro será? Com base em quê?
Não há uma só prova ou indício de envolvimento de Dilma Rousseff em falcatruas da Petrobras.
Ao contrário do que se descobriu com o grampo que flagrou Fernando Henrique operando na privatização das empresas telefônicas.
Ou do episódio da compra de votos para a emenda da reeleição, esquema que beneficiou o então presidente, permitindo que ele permanecesse no Planalto.
O golpismo vulgar anda por aí, mais na imprensa viúva do lacerdismo e em certos círculos avessos à soberania do sufrágio popular.
Mas FHC dar a entender que pode se unir a essa gente é triste.
Justiça para apear do poder uma governante escolhida pelo povo?
Não custa enfatizar: de momento, há apenas bochicho de almas golpistas, e não marcha da família.
Mas o flerte de Fernando Henrique Cardoso com elas não engrandece sua biografia.



A culpa de Dilma e o dolo de Ives Gandra


 Fabio de Sá e Silva (*)



Pode ser que com a anunciada demissão de Graça Foster e a substituição de toda ou quase toda a diretoria da Petrobrás, a empresa e seus atos de gestão deixem de ser objeto do superficial, mas corrosivo debate a que foram submetidos nos últimos meses.

Neste cenário, a saída de Foster seria sucedida pela nomeação de alguém bem visto pelo “mercado”, a estatal tornaria a contar com “confiança” de investidores e acionistas, e os olhos da opinião pública se voltariam para o rito mais formal e procedimentalizado da apuração das responsabilidades, no âmbito da operação Lava Jato.

O direito, leia-se, teria melhores condições de desempenhar tarefa que lhe é cara nas sociedades modernas: produzir juízos sobre condutas de maneira relativamente isolada dos interesses políticos e econômicos, de modo que a atribuição de sanções, enquanto exercício da coerção estatal que se pretende legítimo, possa operar segundo códigos próprios – nos quais se destacam, por exemplo, direitos e garantias processuais.

Ao produzir e divulgar “parecer” no qual defende a viabilidade de abertura de processo de impeachment contra a presidenta Dilma, porém, Ives Gandra parece apostar no contrário.

A tese de Gandra é de que, ao longo dos últimos oito anos, Dilma teria sido “omissa” na gestão da companhia.

A prova da “omissão”, segundo o parecer, é que Dilma, então Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, assinou a compra da refinaria de Pasadena, argumentando, mais tarde, que não foi alertada sobre a inclusão de cláusulas agora tidas como geradoras de prejuízo.

Este tipo de “omissão”, prossegue Gandra, constitui violação do art. 11 da lei 8.429/1992 e, portanto, caracteriza “improbidade administrativa”. E tal “improbidade” tem caráter “continuado”, na medida em que Dilma manteve a diretoria da empresa ao longo dos últimos oito anos – período no qual, hoje se sabe, houve a prática de diversos ilícitos na empresa.

Satisfeito, portanto, conclui o parecerista, o requisito de admissibilidade para o processo de impeachment – cujo início e desfecho, porém, ele ressalta, dependem do Congresso Nacional.

É preciso apenas alguma memória – e não o profundo conhecimento da obra de Ives Gandra –para que o leitor receba estas afirmações com estranhamento e crítica.

Afinal, não faz muito tempo, o jurista mereceu destaque nas páginas da Folha de São Paulo, ao demonstrar sua contrariedade em relação aos aspectos jurídicos da ação penal 470, o chamado processo do “mensalão”.

Tratando do tema no âmbito de entrevista, Gandra foi especialmente virulento em relação à teoria do “domínio do fato”, a qual dizia “não aceitar”, pois:

Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela  – e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo”.
 

Curioso, portanto, que agora Gandra flerte com uma visão formalista de “culpa”, muito parecida com a maneira pela qual a teoria do “domínio do fato”, tal como aplicada pelo STF naquele caso, constrói o vínculo entre o agente e o resultado típico.

Afinal, repita-se, para Gandra Dilma é “culpada” de “improbidade administrativa” porque – como presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e, depois, da República –, deveria saber de tudo o que se passava na empresa. Em suma, “como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber”.

E, segue Gandra, na medida em que foram descobertos ilícitos na empresa, Dilma deveria ter demitido toda a diretoria, pois lhe cabia proceder à “responsabilização de quem conviveu com os autores dos desvios, durante a gestão comum, no último mandato do presidente Lula e no seu 1º mandato” (trecho do parecer, sem destaques no original). Em outras palavras, “todos os executivos (da empresa) correm agora (...) risco. É uma insegurança jurídica monumental”.

O estranhamento e a crítica do leitor, no entanto, não o levarão a encontrar no parecer qualquer solução para a aparente inconsistência nos posicionamentos do signatário.

É que os fundamentos jurídicos do estudo (sic) se limitam à repetição da literalidade de textos legais, que não se conectam sistemicamente a não ser pelo voluntarismo analítico de Gandra.

Neste balaio, por exemplo, entram normativos que disciplinam matérias absolutamente díspares, como o dever do Estado de ressarcir danos causados a particular e a Lei das S/A.

Formulações doutrinárias (e, acima de tudo, contemporâneas) sobre culpa, o tema central do parecer, cujo exame anima carreiras acadêmicas inteiras na Europa e nos Estados Unidos, cedem lugar a arroubos argumentativos, como o fato de que a compra de Pasadena “não se tratava, repito, de um negócio sem expressão, mas de um negócio relevante, de quase dois bilhões de dólares!!!”

Tampouco se ocupou Gandra de registrar e rebater a jurisprudência consolidada do STJ sobre improbidade, que:

... Considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação
das condutas descritas nos artigos 9o. e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (AIA 30/AM, 2010/0157996-6).


Em termos estritamente jurídicos, portanto, o parecer em questão não deveria merecer maiores considerações – da mídia, da comunidade jurídica e, ao que tudo indica, do próprio Gandra, este “velho advogado, com 56 anos de advocacia”.

Mas é possível que o Gandra que assina o parecer não se importe muito com tais fragilidades. Afinal, como se sabe, ele está longe de ser um neófito. Ao mesmo tempo em que reconhece haver limites estruturais entre o direito e a política, ele sabe que é possível – embora de todo indesejado – contorcer o primeiro para instrumentalizar a segunda.

No que parece ser apenas um exercício intelectual desinteressado, Gandra se esforça para indicar suposta “culpa” de Dilma em relação aos fatos graves e trágicos trazidos à tona pela Operação Lava Jato. Nós não precisamos de nenhum esforço para perceber que, afinal, ele age informado pelo bom e velho dolo.

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