domingo, 31 de agosto de 2014

Um retrofit político e ideológico do neoliberalismo




http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Marina-topa-tudo-O-PT-topa-ousar-ou-vai-se-render-/31709



Carta Maior, 30/08/2014 


Marina topa tudo. O PT topa ousar ou vai se render?



Por Saul Leblon




O programa de Marina Silva, lançado na mesma sexta-feira em que o Datafolha lhe dava uma vantagem de 10 pontos sobre Dilma Rousseff no segundo turno -ao qual se credenciou depois de crescer nada menos que 13 pontos em 11 dias- tem 242 páginas.

É um livro.

Mas poderia ser resumido em uma linha: a ‘nova política’ da novíssima Marina Silva é ortodoxa nas questões econômicas que condicionam o destino da sociedade, e liberal nos costumes que já romperam as amarras do presente.

Assim: o Brasil de Marina Silva entrega a moeda, os juros, o câmbio, os salários, a política externa e a fiscal à supremacia dos mercados financeiros.

Em resumo, o país renuncia ao comando do seu destino e ao destino do seu desenvolvimento.

Mas acolhe o que já é um fato reconhecido até pela Justiça: o justo pleito da união civil entre homossexuais e o direito à adoção de crianças por casais gays, por exemplo.

Se do ponto de vista da evangélica Marina Silva isso pode criar algum ruído junto a apoios prometidos –como o do pastor Silas Malafaia , um cruzado da homofobia (leia ‘Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados passivamente?’; nesta pág) ; de outro lado, essa concessão é mais que compensada pela abrangência de interesses contemplados por outras diretrizes de superlativo impacto na repartição do poder e da renda.

Por exemplo, rebaixar o espaço estratégico do pré-sal na política de desenvolvimento e resgatar o da energia nuclear.

Mas também fragilizar o Mercosul em benefício de acordos bilateraisleia-se subordinar a diplomacia brasileira à agenda hegemônica dos livres mercados numa restauração da lógica da Alca sepultada desde 2003 (leia mais no blog do Emir; nesta pág.)

Marina Silva se oferece assim às elites e aos endinheirados como uma espécie de ‘topa tudo’. Um candidatura desfrutável como um Bombril, que se presta a mil e uma utilidades.

Não é pouco. E não surpreende que amplas parcelas do PSDB -e da mídia que apoiava seu candidato, já tenham cristianizado Aécio Neves, para embarcar no meteórico ônibus da ‘nova política’, rumo à Brasília.

Repita-se aqui o que disse Carta Maior em nota anterior. A oportunidade representada por Marina Silva contempla aspirações de poder que invariavelmente, desde 2002, encontraram dificuldade de se expressar através de um palanque que emprestasse carisma popular a um projeto de raízes tão excludentes.

Agora não mais, graças à ascensão desse super-bond chamado ‘nova política'.

De novo, vale repetir: trata-se de um retrofit político e ideológico.

Retro, do latim “movimentar-se para trás” e fit do inglês, adaptação, ajuste.
Termo originado da arquitetura, o retrofit é recomendável quando um edifício chega ao fim de sua vida útil.

É uma opção para corrigir o desgaste e a decadência do uso sem, todavia, alterar seus alicerces e estruturas de sustentação. Fica mais barato e é funcional.

O programa de Marina Silva é um retrofit do neoliberalismo .

O desafio de vida ou morte do campo progressista nesse momento é restaurar a transparência dos dois polos em confronto na sociedade brasileira, dissimulados sob a aparência de uma ‘nova política’.

O calcanhar de Aquiles do retrofit conservador é o antagonismo entre a maquiagem da fachada e de alguns equipamentos e a rigidez dos pilares e colunas estruturais.

Num edifício isso é contornável com algum jogo de decoração.

Numa sociedade pode ser insuportável.

A participação soberana e democrática da população nas decisões sobre o desenvolvimento frequentemente evoca mudanças estruturais que colidem com os interesses calcificados que a ‘nova política’ visa preservar.

Um exemplo resume todos os demais.

O programa de Marina Silva afirma que vai destinar 10% do orçamento à educação em seu mandato –antes, portanto, do ciclo de dez anos previsto pelo governo Dilma, que ancora sua projeção em ganhos com os royalties do pré-sal, cuja centralidade será descartada em um governo do PSB.

Diz, ainda, que assentará 85 mil famílias de sem terra (em 2012 foram assentadas 23 mil).

E sinaliza que destinará outros 10% do orçamento à saúde.

Uma pergunta: fará tudo isso ao mesmo tempo em que entrega aos centuriões do mercado o comando da política fiscal para procederem ao arrocho no gasto público?

Não só.

Marina afirma apoiar o decreto de Dilma, demonizado pela elite que a festeja, da Política Nacional de Participação Social.

É justo perguntar: participação em que, quando se terceiriza aos operadores do mercado a prerrogativa de fixar os principais preços da economia, entre eles a taxa de juros, delegada a um Banco Central independente? (Leia esclarecedor artigo de Paulo Kliass sobre esse tema; nesta pág).

Marina e seus formuladores defendem a mesma autonomia em relação a outros preços estratégicos.

O câmbio, segundo eles, deverá flutuar livremente.

Quanto aos ao salários (o terceiro preço decisivo no capitalismo) , já se antecipou que a política de valorização do salário mínimo adotada pelos governos petistas será revertida.

É justo repetir a pergunta: assim encapsulada a economia nas mãos do mercado, o que sobra à participação social endossada por Marina Silva?
Visto desse prisma da dinâmica econômica e social, o programa de 242 páginas resume-se a um embrulho vistoso que guarda uma única determinação implacável: devolver a agenda do desenvolvimento à supremacia dos mercados.

A um custo social não mencionado, mas implícito.

Dizer que manterá o Bolsa Família , como o faz o calhamaço, mas sinalizar com o arrocho do salário mínimo, implica devolver à miséria milhões de famílias assalariadas.

Prometer assentar 85 mil sem terra e praticar uma política cambial, monetária e tarifária como querem os operadores de mercado é enxugar o chão com a torneira aberta: centenas de milhares de famílias serão cuspidas de seus lugares e de seus empregos.


Por tudo isso, é pertinente dizer que o endosso de Marina à política de participação social lançada por Dilma significa pouco mais que um retrofit na palavra simulacro.

O conjunto, porém, envolve uma operação de potencial lucrativo tão elevado que ao mercado compensa tolerar os penduricalhos da ‘professora que veio dos seringais’ –desde que a cozinha econômica fique, como já se definiu que ficará, nas mãos experientes dos açougueiros do mercado financeiro.

Não é só uma sucessão presidencial, portanto, o que está em jogo.

É uma mutação histórica do desenvolvimento brasileiro que se for implementada marcará funestamente a vida desta e de futuras gerações.


Diante da gravidade do que se avizinha, Carta Maior reitera seu editorial anterior:

Ao aluvião de interesses graúdos -e de descontentamento difuso, seduzido pelo glamour da ‘nova política’, não basta contrapor o exaustivo balancete publicitário do que se conquistou e se incorporou à rotina do país nestes últimos 12 anos.

É importante, mas não é suficiente.

É forçoso contrapor à ‘nova política’ aquilo que a desnuda e afronta.

É urgente dizer pelo que se luta; e contra quem se trava a batalha dos próximos dias e noites.

Essa é uma batalha entre a democracia social e as forças regressivas mobilizadas pelos interesses globais que acossam a economia brasileira.
É preciso escancarar a contradição entre o retrofit messiânico que as expressa e as estruturas calcificadas que ele maquia.

É preciso contrapor a isso um salto efetivo da democracia participativa que devolva à sociedade o poder reordenador que agora se pretende terceirizar aos mercados.

Tornar esse salto palpável aos olhos da população requer um símbolo de magnetismo equivalente às tarefas que essa agenda encerra em termos de repactuação de metas, concessões, salvaguardas e organização política.

Um novo governo estruturado em torno dessa renegociação do desenvolvimento requer um chefe de Casa Civil dotado, ao mesmo tempo, de inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável representatividade popular.

Essa referência existe; já funciona de fato como líder político do campo progressista; deveria ser oficializado desde já no anúncio antecipado da composição de um segundo governo Dilma.

Seu nome é Lula.






http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-programa-que-agrada-os-banqueiros/4/31718




Carta Maior, 31/08/2014




O programa que agrada os banqueiros



Por
Darío Pignotti



Uma thatcherista ecologicamente correta na corte da candidata Marina Silva. Desde que a dirigente ambientalista anunciou que disputará as eleições presidenciais, a única pessoa de seu entorno que deu detalhes sobre o seu programa de governo foi Maria Alice Setúbal, membro da dinastia que fundou e conduz o banco privado mais importante do país.

Maria Alice Setúbal prometeu que, se Marina for escolhida nas eleições de 5 de outubro, a partir de 1º de janeiro de 2015, a futura administração acabará com as heterodoxias da presidenta Dilma Rousseff, detestada na comunidade financeira, onde é caracterizada como “estatista e intervencionista”.

Marina Silva (Partido Socialista Brasileiro) está situada nas antípodas de Dilma (Partido dos Trabalhadores), explicou Setúbal, já que o programa econômico da ecologista “coloca seu foco em pontos claros, destacando claramente a reforma tributária e a responsabilidade fiscal”, a ser alcançada com o corte de gastos e o encolhimento do Estado. Marina, em segundo lugar em uma pesquisa em que aparece com 21% das intenções de voto, 15 abaixo de Dilma, foi apresentada na semana passada, pouco tempo depois da morte do ex-candidato socialista à presidência Eduardo Campos, ocorrida em um acidente aéreo no interior de São Paulo.

“Ela (Marina) já declarou que vai honrar todos os compromissos assumidos por Eduardo (Campos)..., por exemplo a autonomia do Banco Central. Em princípio, ela considerava que não era necessária uma autonomia formal, feita por lei, mas ao final, aceitou”, contou a apoiadora Setúbal.

A ex-ministra de Meio Ambiente que chamava seus seguidores de “sonháticos” parece ter entendido as coordenadas do poder. “Ela está mais pragmática”, a adoção de posições moderadas foi aprovada pelos empresários que, nos últimos dias “nos ligaram bastante... eu recebi ligações” oferecendo doações de campanha. E avisou que, nos próximos dias, operadores do mercado financeiro se somarão à equipe de economistas liderada pelo liberal Eduardo Gianetti da Fonseca.

Nos jornais do fim de semana, as declarações de María Alice Setúbal, integrante da família que controla o Banco Itaú, mereceram uma cobertura extensa, junto de artigos sobre o crescimento de Marina em novas pesquisas. Essa repercussão jornalística se deve ao fato de a filha de Olavo Setúbal, conhecido colaborador da ditadura e fundador do Itaú, falar em dupla condição –de coordenadora do programa de governo de sua “amiga” Marina Silva e de porta-voz dos banqueiros. Seus argumentos são os invocados pela corporação financeira –alguns compartilhados pelos empregadores industriais–, como o caso da redução da carga tributária para substituí-la por outra mais regressiva do que a atual, e o fim das políticas sociais que eles chamam de “populistas”, marcas dos governos do PT.

Há uma semana, Dilma e seu companheiro Luiz Inácio Lula da Silva apresentaram um portal para informar sobre as políticas públicas com prioridade no combate à pobreza (programas Bolsa Família e Brasil Sem Miséria), a criação de 20 milhões de empregos e a construção de milhões de casas populares (Minha Casa, Minha Vida), implementados desde 2003 pelas administrações petistas.

Em consonância com Dilma e Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertia que mais altas dos juros da dívida pública (são de 11% ao ano) conspiram contra as políticas sociais e o ritmo da atividade econômica. “Inflação não se combate com balas de canhão, porque chuta o juros para cima, a economia vai definhar, você vai ter recessão. Aí sim vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério”, argumenta o desenvolvimentista Mantega, cuja cabeça os colunistas liberais (que são 9 em cada 10) e os bancos detentores de títulos da dívida pedem em uníssono na revista britânica The Economist.

A porta-voz de Silva e herdeira do Banco Itaú rebateu a tese do ministro nomeado por Lula em 2006, ratificado por Dilma ao assumir em 2011. Setúbal argumentou que o combate à inflação do governo petista é tímido, insuficiente, pois tolera uma alta de preços de até 6,5% ao ano que, prometeu, será estabelecido como um teto durante um eventual mandato “marineiro”, apelido com o qual os seguidores de Silva se identificam.

Repetindo o que acontece em outros países latino-americanos, os bancos brasileiros exigem uma guerra sem quartel contra a inflação para justificar o encarecimento das taxas pagas pelo governos: em 2013, os detentores de títulos públicos cobraram mais de 100 bilhões de dólares, valor que seguramente será superado em 2014. O Banco Itaú é um dos grupos beneficiados dessa sangria de recursos, já que no ano passado obteve grandes lucros (pela cobrança de juros e outras atividades) superiores aos 7 bilhões de dólares e no primeiro semestre de 2014 já arrecadou 4,2 bilhões de dólares.

Maria Alice Setúbal, quem Marina chama pelo sobrenome Neca, concedeu uma entrevista de 72 minutos sem titubear, com a certeza de alguém que, além de pertencer a uma das famílias que ditam o poder sem importar o signo ideológico dos presidentes eleitos, agora pressente que ocupará um cargo no Palácio do Planalto. “Sim, serei”, respondeu quando lhe perguntaram se seria ministra ou conselheira de uma eventual presidência de Silva.

Comentou que fala ou se encontra diariamente com a candidata evangélica e destacou suas posições economicamente ortodoxas manifestando sua fé em uma “nova política” e em um governo atento aos problemas ecológicos, conceitos sobre os quais não aprofundou, como também não se prolongou quando disse que Marina tem uma ideia mais feminina do poder.

Tradução: Daniella Cambaúva






Carta Maior, 31/08/2014




Banqueira que coordenou programa de Marina diz que empresta até os óculos à candidata


 


Por Antonio Lassance





A revista Época entrevistou a herdeira do Itaú, sócia do Itaú/Unibanco e coordenadora do programa de governo Marina Silva, Maria Alice Setúbal, mais conhecida como Neca Setúbal.
Em tempo de eleições, a revista não perdeu a oportunidade de fazer de campanha, se não francamente pró-Marina, certamente contra Dilma e o PT.

A prova está no fato de que transformou em título da entrevista a única frase em que Neca Setúbal alfineta o PT. Ei-la:

"Maria Alice Setubal: 'O que o PT faz hoje é de esquerda? Não sei'".


A revista também perguntou: "A senhora é de esquerda?"

Neca respondeu: "tenho um compromisso com a justiça social, com a sustentabilidade, com a liberdade, a democracia. Agora, se isso é ser de esquerda ou direita, não sei".

Em nenhum momento da entrevista aparecem palavras como "desigualdade", "pobreza", "exclusão". Talvez Neca também não saiba o que é isso.

A banqueira revela na entrevista que empresta seus próprios óculos a Marina Silva. Eles foram vistos sendo usados pela candidata no debate da Band (27/8).

Quem sabe não foi por isso que Neca não viu que o Brasil, na última década, retirou mais de 40 milhões de brasileiros da pobreza e reduziu a desigualdade mais rapidamente do que qualquer outro país do mundo.

Norberto Bobbio (no livro “Esquerda e direita: razões e significados de uma distinção”, de 1994) ensina que a maior diferença e grande desavença entre esquerda e direita se dá em torno dos princípios da igualdade e da liberdade.

A esquerda é mais igualitária. A direita, mais propensa a defender a liberdade, travando batalhas intensas sobre os supostos riscos do igualitarismo.

Uma lição ainda mais clara e menos acadêmica sobre essa distinção nos é dada por Leonardo Boff.

Em um depoimento recente (http://youtu.be/mLKf8NNYqb4), Boff recomenda o apoio à reeleição de Dilma como um "gesto amoroso para com a população pobre e marginalizada".

A frase nos dá uma ótima definição do que é ser de esquerda: é lutar para que o Estado e suas políticas sejam um "gesto amoroso para com a população pobre e marginalizada".
Impossível ser mais claro, mais singelo, mais perfeito - digno de alguém que mantém seus óculos no lugar e sabe claramente o que é ser de esquerda.


(*) Antonio Lassance é cientista político.

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