sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Sentada à direita da santíssima trindade dos mercados




http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Marina-e-Neca-do-Itau-o-ambientalismo-argentario/31651



Carta Maior, 22/08/2014


Marina e Neca do banco Itaú: o ambientalismo argentário



Por Saul Leblon




Menos de 24 horas depois de ocupar a vaga de candidata do PSB à presidência da República, Marina Silva tropeçou na imagem de santa que seus seguidores reverenciam e ela cultiva.

O coordenador de campanha do partido renunciou ao cargo em caráter irrevogável.

Foi um mal entendido, justificou Marina.

É possível.

Mas não há mal entendido no que acaba de anunciar a coordenadora de programa do PSB, Neca Setúbal.

Uma das donas do Itaú –espécie de Banco Central tucano— Neca avisa que num eventual governo marineiro será implantada no país uma das teses mais caras ao neoliberalismo duro: a independência do Banco Central.


Ao experiente repórter da Folha, a quem confiou a diretriz estratégica, não ocorreu perguntar à herdeira do Itaú em relação a quem, ou a quê, destina-se a independência mais valorizada que a do próprio país.

Quantos dentro do PSB e entre os recém seduzidos pela imagem pura e firme de Marina sairão à medida em que a plataforma made in Itaú for, aos poucos, esclarecida?

A nova coordenadora de campanha da ex-ministra, por exemplo.

O que a respeitável, coerente e combativa ex-prefeita, Luiza Erundina, acha disso?

Não é fácil opor-se às santidades.

Por duas vezes Lula esteve a ponto de demitir Marina Silva de seu ministério. Ao final das audiências o ex-Presidente deixava o gabinete balançando a cabeça para desabafar com os auxiliares mais próximos:

‘Como é que eu posso demitir uma santa?’

Marina fala como santa. Veste-se como uma. Sobretudo, acha que é predestinada pela providência divina.

Marina ficou no ministério de Lula até sair por conta própria no dia 13 de maio de 2008.

Alegou que não se sentia mais em condições de preservar a coerência de seus ideais e princípios no âmbito de um governo de coalizão imantado de inegáveis contradições.

Não se diga que a posição é descabida.

O espaço da coerência histórica num sistema político em que o Presidente é refém de um Congresso no qual a bancada ruralista conta com 162 deputados e a dos trabalhadores rurais inclui dois representantes, está longe de ser razoável.

Marina não compactuou com o constrangimento de uma correlação de forças difícil, muitas vezes regressiva.

E para onde foi Marina?

Foi sentar-se à direita da santíssima trindade dos mercados.


Em rumoroso encontro a portas fechadas com banqueiros, em outubro do ano passado, a ex-ministra ,segundo o bem informado Valor Econômico (14/10/2013), explicitou pela primeira vez, de forma clara, o seu cuore independente do constrangimento petista.

Conforme relato de investidores que estiveram no evento, ouvidos pelo Valor, a agora candidata do PSB disse então para gáudio da banqueirada: a) o tripé "ficou comprometido e é preciso restaurá-lo"; b) o "expansionismo fiscal adotado pelo governo Dilma" deve ser revertido em superávits primários "expressivos, sem manobras contábeis"; c) o câmbio "deve voltar a flutuar livremente".

Por aí afora.

Não foi um arroubo apenas para agradar plateias afins, como indica a senhora Neca Setúbal na Folha desta sexta-feira. Era uma oferta ao desfrute do dinheiro grosso.

Em resumo, afinal livre dos constrangimentos petistas, a ex-senadora revela-se uma convicta defensora do sacrossanto ‘tripé’.

Que vem a ser uma espécie de enforcador à distância. Sendo o pescoço, a sociedade. E os mercados, a mão que controla a correia.


A coleira tacheada permite que o dinheiro grosso submeta governos, partidos e demais instâncias sociais a um comando de desempenho monitorado por três variáveis.

A saber:

I) regime de metas de inflação - ancorado no chicote dos juros ‘teatrais’, se necessário, como asseverou a nova cristão do monetarismo à banqueira embevecida com o intercurso entre ecologia e rentismo.

II) câmbio livre - leia-se, nenhum aroma de controle de capitais; vivemos, afinal, em um período de pouca volatilidade e incerteza global mínima...

III) o superávit ‘cheio’ – o nome honesto disso, convenhamos, é arrocho fiscal: corte de investimentos públicos estratégicos para garantir o prato de lentilhas dos rentistas.

Marina descobriu ali que quando abre a boca encanta os banqueiros.

Pudera.

O que sai de seus lábios é música aos ouvidos sensíveis do capital a juro.

Nas palavras da ex-senadora –sempre segundo o credenciado Valor- trata-se agora de buscar ‘uma agenda que não mude porque mudou o governo’.

Uma agenda independente das urnas?

Escavar um fosso entre a representação política da sociedade e o seu poder efetivo de alterar os rumos da economia é tudo o que as plutocracias almejam, urbi et orbi.

Incluir o Banco Central independente no programa de governo é um sinal de que a coisa é para valer.
Se alguém é capaz de tratar esse estupro com leveza e sedução, como resistir?

‘Impressionante’ ; ‘cativante’, disseram clientes endinheirados do Credit Suisse , banco que patrocinou o mencionado encontro a portas-fechadas com a ex-ministra .

Desdenhar dos partidos e entregar o destino da sociedade a uma lógica que se avoca autossuficiente e autorregulável é com eles mesmos.

O principal assessor de Marina para assuntos econômicos, Eduardo Gianetti da Fonseca, acaba de reforçar essa embocadura histórica.

Desprendido, Gianetti reiterou em encontro empresarial, na semana passada, que entre ele e Armínio Fraga –o centurião ortodoxo que tutela Aécio Neves- não há nenhuma diferença substancial de conteúdo.






​Carta Capital, 22/08/2014

Editorial

Aécio que se cuide

 
Por Mino Carta
 
 
Há quem afirme que Marina Silva, ao adentrar a liça eleitoral, prejudica a candidatura à reeleição da presidenta Dilma. Às vezes, esperanças desbragadas obnubilam a razão. Transparece que veem na recém-chegada, lembrados da expressiva votação obtida por ela em 2010, um obstáculo maior à permanência no poder do odiado PT do que aquele representado por Aécio Neves.
Algo está claro: Marina em lugar de Eduardo Campos cria um quadro novo, mas ainda é cedo para uma definição categórica. Os primeiros sinais da novidade indicam que quem haveria de se precaver contra surpresas desagradáveis é o candidato tucano. Diga-se que Marina já anunciou a decisão de não participar das campanhas de Geraldo Alckmin, Beto Richa e Paulo Bauer, como se as relações com o PSDB tivessem azedado de vez.
Vale renovar agora o apoio de CartaCapital à candidatura da presidenta que aos nossos olhos apresenta condições de dar prosseguimento às políticas sociais inauguradas por Lula e confirmadas no primeiro mandato, e as linhas mestras de uma política exterior independente das vontades de Washington. Quanto a Marina, é preciso reconhecer que ela não é Eduardo Campos.
Talvez capaz de conseguir uma votação mais dilatada do que aquela do candidato tragicamente desaparecido, nem por isso o supera em carisma e nitidez de ideias e propósitos. Figura digna, porém confusa, amiúde equivocada e envolvida em questões de fé que prejudicam a razão, como se dá com aqueles que já a enxergam sentada no trono. Ouso definí-la como de tendência milenarista.
Marina me causa algumas perplexidades e mesmo dúvidas. Primeiro, em relação aos recursos que irrigam sua campanha. Segundo, com respeito a alguns personagens que a secundam. No que tange às contribuições, nem tudo é tão transparente assim, os florins, fartos segundo consta, saem de bolsos francamente conservadores. E quais são os senhores que a orientam em matéria de Economia? Eduardo Gianetti da Fonseca e André Lara Rezende, conhecidos por sua tendência a deixar as coisas como estão para ver como ficam.

Dizia um caro companheiro que, no caso de Lara Rezende, nada mudará, isto é certo com qualquer resultado das eleições, no transporte a jato dos seus cavalos para sair a galope em parques londrinos ou nos relvados de sua quinta portuguesa. Quem pode pode, e tanto mais pode se participou com destaque da privatização das comunicações à sombra de Fernando Henrique Cardoso.
Com tal retaguarda, Marina terá o apoio redobrado da mídia nativa, sobretudo a se confirmarem os números por ora positivos das pesquisas. E como resistir à sedução da retórica dos barões midiáticos e dos seus sabujos? Não creio que Marina saberá deixar de ser tragada pelo verbo dos escribas, dos apresentadores, dos locutores e de quantos mais pretendem transformar opiniões em verdade sacrossanta e de recorrer à fantasia, à omissão, quando não à mentira.

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