quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O messianismo da terceira via é neoliberal




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Carta Maior, 27/08/2014


O messianismo da terceira via é neoliberal


 


Por Emir Sader



 


O messiânico se julga agente da Providência, diz que veio para dar um jeito em todos os problemas do mundo, escolhe os bons, que devem acompanhá-lo na gesta, não diz quais são os problemas, nem como vai resolvê-los. Se julga acima de tudo o que o mundo conhece.

O Brasil já conheceu candidatos messiânicos. O Jânio ia salvar o Brasil da corrupção. O Collor, do Estado povoado de marajás e das carroças a que o mercado interno protegido nos condenava. Deu no que que deu.

Marina diz que veio para nos salvar da polarização PT-PSDB, como se fosse uma terceira vi
a. Esta foi uma operação internacional levada a cabo pela segunda geração de governantes neoliberais – Bill Clinton, Tony Blair – que pretendiam ser uma visão adocicada do neoliberalismo duro de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan. Era a terceira vida quem convidada a FHC para suas reuniões, para mostrar que havia vida inteligente nestas paragens barbaras.

O próprio FHC queria ser a terceira via aqui, mas diante do fracasso do Collor teve que vestir o tailleur da Thatcher e fazer o jogo mais pesado do neoliberalismo: privatizações, abertura dos mercados, Estado mínimo, precarização laboral. Uma vez mais a terceira via não pôde se realizar.

Marina apela de novo a esse chavão gasto da terceira via, desta via, de forma messiânica, para nos salvar da polarização PT-PSDB. Só que deixa seu rabo de fora: equipe econômica ortodoxamente neoliberal – Andre Lara Resende, Neca Setubal, Eduardo Gianetti da Fonseca -, independência do Banco Central, etc., etc. , o mesmo tipo de equipe dos tucanos – da mesma estirpe de Arminio Fraga -, e as mesmas posições.

A terceira via da Marina se volta contra o Estado e sua apropriação pelo PT, pregando a superação disso, que chama de “bolivarianismo”.

A mescla integra componentes da salada ideológica do seu discurso: ONGs, sociedade civil, menos Estado. Silêncio total sobre as teses que caracterizam os avanços na superação do neoliberalismo do FHC: centralidade das políticas sociais, integração regional e intercâmbio Sul-Sul, papel ativo do Estado na economia e nos direitos sociais.

A equipe econômica e o discurso sobre a apropriação do Estado pelo PT não deixa dúvidas que traz no seu bojo um duro ajuste fiscal, tendo as políticas sociais e a massa da população como suas vítimas.

Marina se afirma assim como uma farsante, que afirma distância da polarização do PT e do PSDB, mas substitui a este, decadente, na polarização, com teses e equipes similares. Vem dar novo fôlego à direita brasileira, neoliberal como tem sido desde Collor, passando por FHC e chegando agora na Marina, segunda vida, estepe dos neoliberais, prestes a sofrer outra derrota.

Desmistificar essa “novidade” da Marina é o caminho para desinflar sua popularidade, mostrando seu caráter, a quem serve, que não tem nada de novo, menos ainda corresponde ao que as manifestações de junho de 2013 levantaram e ao que Brasil precisa para avançar.



http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Por-que-Marina-e-Aecio-querem-a-independencia-do-Banco-Central-/4/31687


Carta Maior, ​
27/08/2014




Por que Marina e Aécio querem a independência do Banco Central?



Por Paulo Kliass (*)


​Ao que tudo indica, ainda não foram suficientes todos os ensinamentos a serem retirados da profundidade da atual crise econômico-financeira internacional, que teve início nos próprios Estados Unidos. Assistimos à falência amplamente reconhecida dos principais fundamentos de natureza teórica e conceitual que dão sustentação ao regime do financismo contemporâneo. Pouco importa, pois o modelo que é considerado um paradigma a ser copiado pelos adeptos da perpetuação da desigualdade é o norte-americano. Não satisfeitos com a trombada da realidade objetiva, ainda assim eles insistem com a restauração da antiga ordem, com a reabilitação do antigo regime.

Ocorre que, para esse pessoal, a incapacidade revelada pela própria crise do mercado em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos econômicos pouco importa. O Estado é sempre lento, ineficaz e incompetente. E ponto final! Esse pressuposto vale para os mais variados aspectos da vida social. Desde a oferta de serviços públicos básicos como saúde, educação e previdência. Até a operação de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil ou BNDES. E passando por organismos de regulação, como as agências do tipo ANATEL, ANEEL e o Banco Central. É impressionante, mas vira e mexe esse tema volta à baila na agenda da política econômica.

Agora, à medida que avança o debate eleitoral, as candidaturas começam a estabelecer seus limites e revelar suas verdadeiras faces. A questão econômica ganha espaço em razão das dúvidas e incertezas a respeito do que fazer em 2015. E dentre os assuntos preferidos pelos defensores do financismo - sempre a postos! , diga-se de passagem - começa a despontar a tal da independência do Banco Central. Afinal se o “Federal Reserve” (conhecido por Fed, o BC dos Estados Unidos) é mesmo quase independente da Casa Branca, nada mais adequado do que importarmos esse sistema.

As concepções mais conservadoras do fenômeno econômico sempre tentaram emplacar esse tema. Na verdade, trata-se de sua preocupação em como tornar operacional o conceito de “autoridade monetária”. No modelo ideal de funcionamento da economia, algumas variáveis importantes devem ser submetidas a algum tipo de controle. É o caso, por exemplo, da quantidade ofertada de moeda na sociedade e do “preço” dessa mesma mercadoria muito especial - o dinheiro. E que vem a ser a própria taxa de juros, o chamado custo do dinheiro.

Por mais radical que seja o espírito liberal do interlocutor, a maior parte deles ainda aceita a ideia de que a moeda nacional seja um bem cuja responsabilidade é atribuição do Estado. Porém, o próprio sistema capitalista construiu um arcabouço financeiro de tal ordem, que a maior parte da oferta de “moeda” existente na sociedade é criada pelo próprio sistema bancário e demais instituições assemelhadas. O papel moeda tradicional é hoje em dia quase uma curiosidade, uma espécie em extinção. Assim, não basta mais sugerir apenas uma rígida supervisão das rotativas da Casa da Moeda. O controle efetivo sobre os meios de pagamento envolve uma ação mais incisiva da autoridade monetária sobre o universo financeiro.

Por outro lado, a definição da taxa oficial de juros (SELIC, no caso do Brasil de hoje) é também uma função do Banco Central. Ela é usada como referência mínima para a formação das taxas de juros praticadas pelos bancos em suas operações de depósito e de empréstimo. Além disso, é a taxa utilizada para remunerar a dívida pública. O BC pode atuar também no chamado “mercado cambial”, definindo a taxa de câmbio da moeda nacional em sua relação com as dos demais países. Caso deixe esse importante preço de referência ao livre sabor das forças de oferta e demanda, pode ocorrer o fenômeno que tem arrasado a realidade brasileira ao longo dos últimos anos: a sobrevalorização do real e a desindustrialização de nossa economia.

As regras institucionais também atribuem ao BC as funções de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Cabe a ele a definição das condições de concessão de empréstimos e dos limites para a prática das taxas de juros nas operações de crédito. É mais do que sabido a enormidade dos spreads praticados em nossas terras, bem como o absurdo dos níveis das tarifas cobradas pelas instituições em suas relações com a clientela. O chamado “banco dos bancos” deve atuar como uma espécie de xerife do sistema financeiro, defendendo os interesses do conjunto da sociedade contra todo e qualquer tipo de abuso cometido pelos bancos

Pois bem, frente a esse significativo encargo de responsabilidades, nada mais recomendado que a nomeação dos dirigentes dessa instituição seja atribuída à Presidência da República. A indicação de nomes para ocupar essa função ainda passa pela sabatina efetuada pelo Senado Federal, em uma indicação de que o poder legislativo também possa alertar a respeito de algum exagero. No caso brasileiro mais recente, o ex-Presidente Lula contribuiu inclusive para ampliar ainda mais a autonomia existente, ao encaminhar uma Medida Provisória equiparando o cargo ocupado por Henrique Meirelles ao de Ministro da República.

Ocorre que para o financismo esse quadro é pouco; eles querem mais. Não basta a autonomia concedida a um ex-presidente internacional do Bank of Boston, que ficou exatamente 8 anos à frente do BC, atendendo a todos os interesses da banca privada. Um período em que a autoridade monetária governou mais para os bancos e menos para o conjunto da sociedade. Dois mandatos em que as taxas de juros estratosféricas eram definidas pela COPOM sem nenhuma prestação de contas, nem ao governo e menos ainda à sociedade.

Com o argumento malandro de que o governo pode influenciar “politicamente” na definição da política monetária, o financismo agora pede um pacote completo: deseja a independência do BC. Voltam com a argumentação surrada e mal lavada de que é importante haver “técnicos” não suscetíveis de serem influenciados por quem estiver ocupando o Palácio do Planalto. Mas o presidente do BC deve ser independente de quem, cara pálida? O sonho de consumo da banca é um quadro de dirigentes no comando da autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que não respondam a ninguém. Ou melhor, que atendam tão somente aos interesses das instituições que deveriam controlar.

Ora, todos sabemos que as decisões e as consequências relativas ao rumo da economia são de natureza absolutamente política. Daí que a responsabilidade por elas deve ser de que tem legitimidade para tanto – o Presidente da República. Não existe isenção ou neutralidade nas decisões de política econômica. Exatamente por sua natureza multidisciplinar, a economia é parte integrante das ciências sociais. Não existe apenas uma alternativa técnica e adequada para cada caminho a se trilhar.

Assim, um desenho institucional que confira independência política e administrativa a seus dirigentes é de uma irresponsabilidade inimaginável. As funções da autoridade monetária são políticas e os responsáveis por elas devem ser passíveis de remoção a qualquer instante. Conceder um mandato com prazo fixo para eles equivale a assinar um cheque em branco para atuarem da forma que bem entenderem. A tecnocracia não tem legitimidade para tanto: ela não foi eleita por ninguém. Cabe ao dirigente político efetuar a boa escolha de seus assessores de confiança a cada momento. E responder pelos equívocos cometidos.

Não é mera coincidência que as candidaturas de Aécio e Marina incluam este ponto como elemento de destaque. Afinal, os conselheiros econômicos de ambos foram os principais responsáveis pela condução da política econômica no auge do neoliberalismo, durante a gestão de FHC. Estiveram à frente do processo de privatização das empresas estatais, promoveram um importante desmonte do aparelho do Estado, desregulamentaram a economia concedendo todo tipo de facilidades ao chamado “mercado” e aprofundaram a hegemonia do capital financeiro em nosso sistema econômico e social. Agora, ao que tudo indica, pretendem continuar a obra inacabada. Como passaram os últimos 12 anos trabalhando diretamente no interior do financismo, propõem agora a efetivação da independência do BC. Algo como o roteiro de um filme que poderia ter como título

“A volta dos que não foram”.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal, e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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