sexta-feira, 13 de junho de 2014

Os xingamentos a Dilma e a falta de civilidade da elite brasileira

"Elite? Mas, elite de quê? Só se for de comportamento deplorável. Valeu por mostrar quem realmente é essa camada... quase ia dizendo cambada... vige!"


https://www.youtube.com/watch?v=rS40ZZuYnQs




Jornal do Brasil, 13/06/2014​

Os xingamentos a Dilma e a falta de civilidade da elite brasileira


Setenta por cento das pessoas que estavam na Arena Corinthians, quinta-feira (12), na abertura da Copa do Mundo, eram homens que patrocinam o evento. A prioridade para VIPs e a já conhecida dificuldade de adquirir ingressos, graças ao sistema Fifa, se encarregaram de elitizar as arquibancadas e os camarotes do Itaquerão. 
Itaú, um dos principais patrocinadores, além da Coca-Cola, Liberty Seguros, Adidas, Hyundai, Kia, Emirates, Sony, Visa, Budweiser, Castrol, Continental, Johnson & Johnson, McDonalds, Moypark, Yingli, Oi, Apex Brasil, Centauro, Garoto e Wise Up tomaram conta do estádio. Estádio que foi protagonista de um constrangedor exemplo de falta de civilidade.
A Presidenta Dilma Rousseff foi xingada por uma elite parceira ou diretamente ligada a estas multinacionais e bancos.
O que se ouviu não foi um protesto politico. Aqueles que xingavam a Presidenta pareciam mostrar intimidade com o que gritavam. Não eram vaias ou apupos. Era manifestação de falta de civilidade.

Dilma Rousseff na Arena Corinthians
Dilma Rousseff na Arena Corinthians

Esta mesma manifestação faz lembrar o episódio de Getúlio Vargas no Jockey Club, quando recebeu uma sonora vaia da Tribuna de Honra, onde estava a elite brasileira que assistia ao Grande Prêmio Brasil. E aquela era uma competição nacional, e não uma de proporções mundiais.
Nesta quinta-feira, 1,5 bilhão de pessoas de todo o mundo viram a elite xingar e ofender a Presidenta de seu país, com falta de educação e desrespeito.
Um dia, em São Paulo, Ademar de Barros preparou uma arapuca, como sabia preparar quando se tratava de desrespeitar políticos, em uma universidade. Arquitetou uma sonora vaia para Juscelino Kubitschek. Ali, foram vaias de estudantes, também tramadas por homem ligado ao dinheiro.
Vale guardar as devidas proporções com os homens ligados ao dinheiro de hoje. Homens de empreiteiras e bancos que frequentam a Polícia Federal por suspeitas de obras superfaturadas. Casos escandalosos como os do Banestado, Panamericano ou do Banco Econômico, de Angelo Calmon de Sá - que apesar de todas as denúncias ainda tem R$ 4 bilhões para tomar do Banco Central.
No episódio envolvendo Juscelino Kubitschek, o Presidente fez uma grande reflexão: "Feliz do pais que tem estudantes que podem vaiar seu presidente."
Ontem, não. Ali era falta de civilidade ou um xingamento que na verdade mostrava um costume daqueles que xingavam.
Triste do país cuja elite usa um tipo de agressão de tão baixo nível para ofender seu Presidente sob os olhos do mundo. Elite que não imagina o que poderá acontecer com o país quando, um dia, o povo sofrido tiver o mesmo lamentável comportamento contra ela.



Xingar Dilma Rousseff foi grosseria indesculpável

Josias de Souza


Quando Ronaldo disse estar “envergonhado” com os desacertos da organização da Copa, Dilma Rousseff reagiu à moda de Nelson Rodrigues: “Tenho certeza que nosso país fará a Copa das Copas. Tenho certeza da nossa capacidade, tenho certeza do que fizemos. Tenho orgulho das nossas realizações. Não temos por que nos envergonhar. Não temos complexo de vira-latas.
Nesta quinta-feira, Dilma submeteu seu orgulho a teste na tribuna de honra do Itaquerão. Dali, assistiu à partida inaugural da Copa do Mundo. Dessa vez, tentou blindar-se no silêncio. Absteve-se de discursar. Não funcionou. Como queria a presidente, a torcida exorcizou o vira-latismo. Mas, desamarrando suas inibições, incorporou um pitbull.
Ao entoar o hino nacional, ao ovacionar os jogadores, a arquibancada tomou-se de um patriotismo inatural. Contudo, rosnou com agressividade inaudita ao dirigir-se a Dilma. Fez isso uma, duas, três, quatro vezes. Diferentemente do envelope de uma carta ou do e-mail, a vaia não tem nome e endereço. Pode soar inespecífica. Como no instante em que o serviço de som anunciou os nomes de Dilma e de Joseph Blatter.
Até aí, poder-se-ia alegar que o destinatário da hostilidade era o cacique da Fifa, não Dilma. A coreografia estimulava a versão. Blatter levantou-se. Dilma manteve-se sentada. O diabo é que o torcedor, salivando de raiva, tratou de dar nome aos bois. Foi assim no coro entoado nas pegadas da cerimônia de abertura da Copa.
“Ei, Dilma, vai tomar no c…'', rosnava um pedaço da multidão. “Ei, Fifa, vai tomar no c…”, gania outra ala. Quando Dilma foi exibida no telão do estádio vibrando com o segundo gol do Brasil, arrostou, solitariamente, uma segunda onda de xingamentos. Após a comemoração do terceiro gol, ela ouviu um derradeiro urro: ‘Ei, Dilma, etc…”
O que fizeram com Dilma Rousseff no Itaquerão foi indesculpável. Vamos e venhamos: ela não era nem culpada de estar ali. Com as vaias da Copa das Confederações ainda não cicatrizadas, Dilma teria ficado no Palácio da Alvorada se pudesse. Foi ao alçapão do Corinthians porque o protocolo a escalou.
Vaiar autoridade em estádio é parte do espetáculo. Numa arena futebolística, dizia o mesmo Nelson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Porém, ao evoluir do apupo para o palavrão, a classe média presente ao Itaquerão exorbitou. Mais do que uma pose momentânea, o presidente da República é uma faixa. Xingá-la significa ofender a instituição.
Quando o xingamento é transmitido em rede mundial, adquire uma pungência hedionda. No limite, o que a torcida fez na tarde desta quinta-feira foi informar ao planeta que o Brasil está deixando de ter uma noção qualquer de civilidade.
Quando o fenômeno atinge uma platéia como a do Itaquerão, com grana para pagar os ingressos escorchantes da Fifa, a deterioração roça as fronteiras do paroxismo. Evaporam-se os últimos vestígios de institucionalidade.
A sociedade tem os seus abismos, que convém não mexer nem açular. Dilma não se deu conta disso. E vive a cutucar os demônios que o brasileiro traz enterrados na alma. Fez isso pela penúltima vez no pronunciamento levado ao ar na noite da véspera. Muita gente achava que ela merecia uma reprimenda sonora. Mas a humilhação do xingamento transpassou a figura da presidente, atingindo a própria Presidência.
Quem deseja impor a Dilma um castigo que vá além da vaia, tem à disposição um instrumento bem mais eficaz do que a língua. Basta acionar, no silêncio solitário da cabine de votação, o dedo indicador. O gesto é simples. Mas a pata de um pitbull não é capaz de executá-lo

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