sexta-feira, 2 de maio de 2014

O modelo neoliberal mexicano continua fazendo água por todos os lados







Carta Maior, 02/05/2014

Boi, porco e frango sobem 25% em um ano e o consumo cai 20%. E não é na Venezuela



Por Mauro Santayana



Para alimentar sua população, e afastar o risco de uma crise de abastecimento, governo mexicano pede que Brasil e Argentina forneçam, em caráter de emergência, 300.000 toneladas de frango.

É de dar pena
. Mas, para infelicidade de seu próprio povo, o modelo neoliberal mexicano  continua fazendo água por todos os lados.
Empresa menos rentável da América Latina no ano passado, segundo o site especializado Latinvex, a PEMEX teve, em 2013, o maior prejuízo de sua história, da ordem de mais de 12 bilhões de dólares – e ele já passa de U$ 2.5 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Enquanto isso, com todos os seus problemas, a Petrobrás - eleita no mesmo ranking a empresa mais rentável do continente latino-americano em 2013- lucrou, no mesmo período, mais de U$ 10 bilhões.
O conteúdo local dos produtos mandados para o exterior, pelos cinco principais setores exportadores mexicanos, segundo a revista local Paradigma, não chega a 60%, contra 90% no Brasil e na China.
Segundo a OCDE, quatro em cada 10 mexicanos não recebem um salário que dê para comprar uma cesta básica.

No país mais desigual das Américas, junto com o Chile, não existe seguro desemprego, e 60% da população ativa está na informalidade. 

Agora, para ilustrar melhor o que verdadeiramente está ocorrendo por lá, o site especializado em proteína animal www.eurocarne.com, citando a associação de importadores de carnes do México, acaba de divulgar que houve um aumento de 25% no preço da carne de frango, boi e porco – o suíno, por exemplo, passou de 30 para 48 pesos o quilo - no mercado mexicano, nos últimos meses, devido ao crescimento dos custos de produção nos EUA, seu principal fornecedor de alimentos (http://www.eurocarne.com/noticias?codigo=28959)

Com isso,
o consumo de proteínas no país de Zapata, com mais de 50% da população em situação de pobreza, caiu, também, no mesmo período, extraordinários 20%.
Para evitar o aumento da inflação e uma grave crise de abastecimento, o governo Peña Nieto está ultimando a importação, da Argentina e do Brasil, em caráter de emergência, de 300.000 toneladas de frango.

E ainda tem mexicano - que com certeza não precisa comer empanada na hora do almoço – que fica falando mal da Venezuela nos sites e redes sociais.

É isso aí.

Trata-se do incompetente e decadente Mercosul, dando de comer ao povo da nau capitânia da “próspera” – o México cresceu a metade do Brasil no ano passado – e “bem sucedida” – na opinião de The Economist e do Financial Times - Aliança do Pacífico.

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Viomundo, 27 de abril de 2014


O gosto amargo das tortilhas made in USA
 






Brave New México
Por Marcelo Zero




Tornou-se moda falar em cadeias produtivas globais. Mais especificamente, tornou-se moda afirmar que o Brasil está “isolado” e “fora das cadeias produtivas globais”. A nova onda, agora, é dizer que o Brasil precisa urgentemente firmar acordos de livre comércio com a União Europeia, EUA, Japão, etc., de modo a romper com o seu “isolamento” e participar mais das tais “cadeias produtivas globais”.
Mas essa onda não é realmente nova. Apenas tem novo nome. Nas décadas de 1980 e 1990, quando o paradigma neoliberal estava em seu auge, falava-se a todo momento em “globalização”. Era a palavrinha mágica que explicava tudo. Uma espécie de “abracadabra” econômico que permitiria a solução de todos os nossos problemas. Dizia-se que o Brasil precisava romper com o seu “desenvolvimentismo autárquico” e que o país necessitava “ingressar na globalização”. Jurava-se que, caso não o fizéssemos, ficaríamos para trás, e perderíamos o “trem da história”.
Nunca se falou tanto em globalização e jamais a história andou tanto de trem. A pressão política e ideológica tornou-se praticamente insustentável. Muitos países em desenvolvimento renderam-se às promessas e às ameaças desse brave new world econômico. Chutaram a escada das políticas desenvolvimentistas e intervencionistas, da qual falava o economista coreano Ha-Joon Chang, e subiram no badalado “trem da história” só com a passagem de ida.
Um desses, talvez o mais afoito, foi o México. Com efeito, não se achando perto o suficiente dos EUA e longe o bastante de Deus, o México decidiu aderir ao NAFTA, tratado de livre comércio da América do Norte, em 1992. Frise-se que não se tratava apenas de um acordo de livre comércio estrito senso, mas de um tratado que protegia os “direitos dos investidores, contra perdas ocasionadas por políticas públicas, e a propriedade intelectual das grandes companhias norte-americanas, contra cópias e pirataria, entre otras cositas más.
Porém, não ficou apenas nisso. O México firmou outros 32 acordos de livre comércio, inclusive com a União Europeia e o Japão. Trata-se do país que mais assinou acordos de livre comércio no mundo. Nenhuma outra nação se esforçou tanto para “ingressar na globalização” e “participar das cadeias produtivas globais”. Nenhum outro país comprou tantos assentos no “trem da história”.
Se o livre-cambismo estivesse correto, o México provavelmente seria hoje um país com uma economia extremamente dinâmica e diversificada, um triunfo absoluto da globalização e do livre comércio. Pelo menos, era o que os mexicanos esperavam.
Efetivamente, eles tinham a expectativa de integrar-se às cadeias produtivas globais, de crescer muito, de gerar tecnologia e empregos de qualidade, de superar seus problemas sociais. Sobretudo, esperavam deixar de exportar mão de obra para os EUA e passar a exportar produtos de bom valor agregado.
Pois bem, passadas duas décadas desse esforço integracionista, dessa adesão praticamente incondicional e panglossiana aos cânones do livre mercado, os resultados são, no mínimo, muito duvidosos.
Houve, é claro, um período inicial de euforia com os novos investimentos norte-americanos e com o grande aumento do seu comércio internacional, principalmente com a criação de empresas “maquiladoras” na fronteira com os EUA. As exportações cresceram rapidamente, tendo pulado de cerca US$ 60 bilhões, em 1994, para cerca de US$ 400 bilhões, em 2013.
No entanto, as importações cresceram a um ritmo ainda maior. Nos últimos 20 anos, o México apresentou superávit anual em sua balança comercial em apenas 3. O déficit acumulado do período 1994-2013 ascende a US$ 109 bilhões. Ademais, os inevitáveis efeitos negativos da integração tão assimétrica com a maior economia mundial e com outras economias de ponta se tornaram cada vez mais evidentes.
Estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, intitulado Lessons from NAFTA for Latin America and the Caribbean Countries: A Summary of Research Findings (lições do NAFTA para os países da América Latina e do Caribe: resumo das conclusões da pesquisa), já chamava a atenção que os efeitos da inserção internacional do México, ao longo do Nafta, foram significativamente regressivos.
Como soe acontecer nesses casos em que se abre a economia de forma súbita e sem os cuidados necessários, houve substancial esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Obviamente, muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos EUA, muito mais moderna e eficiente.
Outras tantas foram compradas a baixos preços por grupos econômicos norte-americanos. Setores como os de plásticos, brinquedos e alimentos foram duramente atingidos. Até a dinâmica indústria têxtil mexicana passou a orbitar a cadeia produtiva dos EUA.
Na área agrícola, o NAFTA gerou insegurança alimentar. A agricultura mexicana mais moderna e irrigada conseguiu sobreviver, mas a agricultura familiar, que produzia boa parte dos alimentos para consumo interno, foi muito afetada.
O México, que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos EUA em sua quase de totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas familiares se deu inclusive no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas.
Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos EUA, que subsidia fortemente a sua produção. Em 2013, o México importou nada menos que US$ 2 bilhões de milho dos EUA.
As famosas tortilhas passaram a ter um gosto amargo. Cerca de 70% dos pequenos agricultores mexicanos não obtêm renda suficiente para as suas necessidades.
O pior, contudo, é que passados os impactos iniciais, não houve a geração de um novo ciclo de crescimento sustentado, como se esperava.
Em janeiro deste ano, Jorge G. Castañeda, que foi chanceler do México entre 2000 e 2003, publicou um artigo na Foreign Affairs, intitulado NAFTA´s Mixed Record , no qual enfatiza essa grande frustração dos mexicanos com o seu crescimento medíocre.
Conforme Castañeda, a renda per capita cresceu a uma taxa de apenas 1,2% ao ano, um número muito inferior ao de outros países da América Latina, como o Brasil, Colômbia, Peru e Uruguai.
Pode-se complementar essa informação com o fato de que, nos primeiros 10 anos deste século, o PIB per capita (PPP) do México cresceu apenas 12%, bem abaixo do que cresceu o do Brasil (28%).
Na realidade, o México só superou, nesse cômputo, a frágil Guatemala, o país que menos cresceu em toda a América Latina, com base nesse parâmetro específico.
Outro fator que não também cresceu foi a produtividade da economia mexicana, a qual permaneceu praticamente estacionária, tendo oscilado levemente em somente 1,7 %, ao longo desses 20 anos.
A geração de empregos também deixou muito a desejar. As famosas “maquiladoras” criaram somente 700 mil empregos em 20 anos, ou cerca de 35 mil ao ano, um número ridículo, quando se leva em consideração que, nesse período, ao redor de 1 milhão de mexicanos entraram todos os anos no mercado de trabalho.
Um resultado é que os salários dos mexicanos não aumentaram, em relação aos salários dos trabalhadores dos EUA. O outro resultado é que a emigração para os EUA não diminuiu. Ao contrário, foi duplicada, ao longo desse período.
Também os investimentos, passado o período inicial de euforia, frustraram as expectativas. Em 1994, o México recebia cerca de 2,5% do seu PIB em investimento diretos estrangeiros. Hoje, esse número é inferior a 2%, bem menos do que recebem o Brasil e outros países latino-americanos.
Na realidade, os investimentos que os mexicanos esperavam acabaram indo ironicamente para a China, uma economia bem mais intervencionista, que em nenhum momento chutou a escada de Ha-Joong Chang.
Castañeda conclui melancolicamente que o NAFTA não cumpriu com praticamente nenhuma de suas promessas econômicas. Mas Castañeda dá uma pista que explica a causa desses resultados tão frustrantes.
Cerca de 75% das exportações mexicanas são compostas por insumos importados. Ou seja, daqueles US$ 400 bilhões, cerca de US$ 300 bilhões são mera exportações de importados, o que explica a falta de geração de empregos no setor manufatureiro e o desestímulo a novos investimentos.
Mais importante ainda, essa produção manufatureira não tem impacto positivo na cadeia produtiva nacional do México. Não há, naquele país, um significativo impacto “para trás” na estrutura produtiva nacional, por parte dessas montadoras ou maquiladoras. Trata-se de uma espécie de enclave econômico, que gera pouco valor, poucos empregos, e nenhuma tecnologia.
Assim, o México participa das cadeias produtivas globais essencialmente como país montador e maquilador. O que significa dizer que a cadeia produtiva nacional do México não está de fato integrada às cadeias produtivas globais, mesmo com toda abertura econômica e com todas as concessões feitas aos investidores estrangeiros.
O México pegou o trem da história, mas acabou ficando na segunda classe.
Agora, no Brasil, que não chutou (ainda) a sua escada desenvolvimentista, tem gente que insiste na falácia do isolamento e na necessidade da adesão urgente às cadeias produtivas globais. Até mesmo candidatos à presidência já manifestaram a sua posição favorável a esse perigoso globalismo acrítico.
Paradoxalmente, a pressão para essa adesão urgente às cadeias produtivas globais vem da nossa indústria, em particular de alguns setores já mais integrados à economia mundial, como o da indústria automobilística, por exemplo.
Essa indústria, que se internacionalizou muito nos últimos anos e que já importa de modo significativo partes e componentes, quer reduzir seus custos, tornando-se cada vez menos indústria de fato e cada vez mais montadora e maquiladora.
Por conseguinte, por trás dessa conversa mole da participação nas cadeias produtivas globais esconde-se, muitas vezes, o desejo de se desfazer das cadeias produtivas nacionais, tal como foi feito no México.
Com isso, o Brasil corre o risco de se transformar num Brave New México, com todas as consequências assinaladas por Castañeda.
Será que servirão feijoada na segunda classe do trem da história?

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