segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pronto: Santiago Ilídio está morto

Carta Capital, 10/02/2014


Morte do cinegrafista

Pronto: Santiago Ilídio está morto



Por Gilberto Maringoni



Foi vítima da estupidez de arruaceiros infiltrados entre manifestantes, no Rio de Janeiro. Foi vítima dos marginais que se autointitulam black blocs. Estes nada têm a ver com democracia, com luta por direitos e muito menos com jovens da periferia que querem um lugar ao sol.
Diante da provocação montada por Eduardo Paes - que brincou com gasolina ao aumentar as passagens de ônibus de um sistema sucateado – os black blocs entraram no jogo pesado que a direita quer impor ao país.
O jogo do caos.
A ação policial foi brutal e estúpida. O ministro da Justiça, de maneira covarde, mantém-se calado diante da escalada da violência das PMs.
O assassinato de Santiago – o mesmo nome do pescador de ‘O velho e o mar’, de Hemingway – deve ficar como um marco para o movimento popular.
O marco de que não é mais possível à esquerda e aos ativistas sociais serem condescendentes com quem cobre o rosto, nega a política e depreda a cidade em nome sabe-se lá do quê.
As grandes mobilizações de massa do século XX foram vitoriosas, sem que os setores populares recorressem à violência suicida.
A grande greve de 1917, que parou São Paulo por quase duas semanas, foi fundamentalmente um movimento pacífico. E vitorioso.
A greve dos 300 mil, em 1953, também foi realizada sem loucuras estilo kamikaze.
Todas as jornadas de lutas que envolveram milhões de pessoas entre o final dos anos 1970 e início da década seguinte – movimento estudantil, greves do ABC e Diretas Já – não se valeram de recursos violentos. E derrubaram a ditadura.
O Fora Collor, em 1992 seguiu igual. Milhões nas ruas forçaram a saída de um presidente corrupto. Sem enveredar pelo caminho da brutalidade inútil.
Em todos esses casos, a violência estava do outro lado. Mas não a razão e a vitória.
A democracia imperfeita, elitista e problemática que temos hoje é muito melhor que as melhores ditaduras brasileiras do século XX. Se lá não escondíamos o rosto, qual a finalidade de fazer isso agora?
Há na praça um livro primoroso. Chama-se “O alfaiate de Ulm” (Boitempo). Seu autor é Lucio Magri, um dirigente do extinto Partido Comunista Italiano, morto em 2011.
A obra, escrita em 2009, é uma história minuciosa daquele que já foi o maior partido comunista do Ocidente e exemplo de organização para várias agremiações de esquerda ao redor do mundo.
A dada altura, Magri diz o seguinte:
“Basta a simples reconstrução dessa fase fundadora [do movimento operário organizado] para dizer algo importante sobre as muitas tolices que atormentam as discussões nos dias atuais, sobretudo no que diz respeito à contribuição fundamental do movimento operário marxista para o nascimento da democracia moderna, em suas feições essenciais e distintivas – soberania popular, nexo entre liberdade política e condições materiais que o tornem exercível -, e à importância do nexo entre organização, pensamento estruturado, participação de massa para transformar uma plebe ou uma multidão de indivíduos em protagonista coletivo da História real, mas igualmente, por fim, sobre o absurdo que é preencher hoje o vazio de análises e teorias com ideias já desgastadas e derrotadas há um século, como o anarquismo, ou usar palavras antigas, como social-democracia, para indicar ideias e escolhas completamente diferentes daquelas para as quais nasceram”.
Black bloc é a tentativa atual de se preencher um vazio teórico com uma ação direta irresponsável e tremendamente funcional à direita.
Fora provocadores mascarados!
Viva Santiago Ilídio Andrade!
Como o personagem de Hemingway, ele também enfrentou tubarões.
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* Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, cartunista e militante do Psol.

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