domingo, 8 de dezembro de 2013

Mandela nunca defendeu o pacifismo



Publicado em 08/12/2013

Mandela aos 42 anos. Para não pensarem que ele era tucano

O PiG mundial tenta pintar um Mandela branco, tucano, sem caninos e doce como a Madre Tereza de Calcutá.

Note o tipo de pergunta do merválico pigal inglês.

 
 







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Carta Maior, 07/12/2013


Chorando por Mandela




Elizabeth Carvalho (*)



A morte de um ícone como Nelson Mandela tem o dom de ultrapassar a barreira das divergências políticas e fazer o mundo cantar num mesmo diapasão.

Aqui em Berlim, a chanceler Angela Merkel se uniu ao coro choroso e afinado de estadistas europeus que destacaram sua coragem, seu heroísmo, seu exemplo de obstinação e de resistência. 

Não contam neste momento as décadas em que a Europa, que esquartejou o continente africano de ponta a ponta e o submeteu a regimes colonialistas, cooperou com o regime do apartheid; nem as acusações de “terrorismo” que fizeram a Mandela o  ex-presidente americano Ronald Reagan e a premier britânica Margareth Thatcher; nem a recusa da Anistia Internacional em adotá-lo como prisioneiro de consciência, porque Mandela não se opunha à luta armada de libertação.

Mandela está morto, e o mito Mandela é um mito necessário a um mundo que vai aos poucos substituindo o fardo do racismo ostensivo  por outras formas de dominação.

É em solo alemão que se encontra, desde 2008, o quartel-general do comando norte-americano Africom, com 43 mil soldados distribuídos em 40 bases militares, denunciado recentemente pelo jornal Süddeutsche Zeitung por conduzir, a partir daqui, uma guerra sangrenta de drones contra supostos alvos terroristas em países africanos e provocar a morte de civis.  É na Alemanha que africanos em busca de asilo vem sendo sistematicamente interrogados para fornecer informações, passadas aos serviços secretos americanos no planejamento de novos ataques.

Chora-se a perda do pacifismo de Mandela, mas poucos lembram as centenas de entrevistas que deu à imprensa internacional com  críticas contundentes à invasão do Iraque pelos Estados Unidos, às sanções impostas contra a Líbia de Muammar Khadafi; e com a defesa intransigente dos princípios da revolução cubana, e de um estado palestino que faça Israel recuar às suas fronteiras de 1967.

A morte de Mandela, representa, sobretudo, o apagar quase definitivo das luzes do século XX; da era dos grandes líderes carismáticos que, com seus erros e acertos, conduziram seus povos às lutas de emancipação.  
Era de panteras negras como ele, como Amilcar Cabral, da Guiné Bissau (grande teórico da libertação das colônias portuguesas), ou como o angolano Agostinho Neto, o congolês Patrice Lumumba, o queniano Jomo Kenyatta, o moçambicano Samora Machel.  E o vietnamita Ho Chi Minh.  O chinês Mao Tsé Tung.  Sobra apenas um, numa pequena ilha caribenha: o atrevido e imperdoável Fidel Castro.
O professor de historia e ciência política da Universidade de Johanesburg, Achille Mbembe,  escreveu que a longa experiência carcerária de Mandela deu a ele a certeza que provavelmente todos os líderes do pantheon do século passado carregaram em algum momento: a de que somos todos, ao mesmo tempo, diferentes e semelhantes.  E a ética da reconciliação e da reparação que Mandela  conduziu passa exatamente por isso: pelo reconhecimento da parte que pertence ao outro, pela proclamação da diferença, pela liberdade de escolha – sem as quais não é possível a construção de um projeto de justiça universal.
Mandela se vai, mas o desafio permanece.

(*) Elizabeth Carvalho é jornalista em Berlim

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