quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Médicos cubanos e a dependência de empregada: os sentidos da mentalidade classemediana

 
 
28 / ago  / 2013
 
 

Médicos cubanos e a dependência de empregada: os sentidos da mentalidade classemediana

 

 

Ligia Moreiras Sena
 
 

Na década de 80, quando eu era uma criança, era muito comum as casas e apartamentos da classe média serem dotadas de “dependências de empregada”. Um lugar dentro da casa, mas fora da casa. Geralmente muito pequeno, ao lado da lavanderia, depois da cozinha, com um banheiro mínimo, apartado da casa, na área de serviço. Na ala dos serviçais. Apar(th)ada da família. Você obviamente não se surpreenderá ao saber que grande parte dessas funcionárias eram mulheres. Negras.
 
Às sete ou oito da noite, depois de lavar toda a louça e deixar tudo pronto para as tarefas do dia seguinte, ela se recolhia, geralmente para assistir uma pequena televisão em sua minúscula “dependência” – sua quase única diversão. As mulheres e famílias tinham por hábito perguntar, à pretendente ao cargo, se ela era “para dormir”, o que significava saber se ela poderia dormir no emprego. Gostavam de ouvir resposta afirmativa. Mas faziam questão de enfatizar que teriam folga para ver a família apenas uma vez por semana – ou a cada quinze dias, nos casos dos mais rigorosos.

Muitas dessas mulheres eram mães. E deixavam seus filhos pequenos com a própria mãe, com a sogra, com outros filhos maiores ou com amigos para poder encarar a jornada. E assim passavam-se dias, meses, anos. Vivendo em um 2 x 1, com uma diversão televisiva.
Em toda minha vida, conheci apenas uma pessoa responsável pelos serviços domésticos e de organização de uma família, contratada (não familiar), que tinha seu próprio quarto junto aos demais membros de sua família – sim, ela era realmente da família. Um quarto confortável, bonito, como deve ser o quarto de um membro da família. Amada e cuidada com um membro da família, porque era o que ela era, é o que ela é.

Hoje, a coisa é muito diferente. As profissionais domésticas são mais reconhecidas, possuem direitos trabalhistas, valorizam-se por saberem disso e devem ser valorizadas como todo e qualquer profissional.

Muitos não se sentem à vontade com isso. Colocam a culpa do “empobrecimento da classe média”, que antes podia pagar uma empregada doméstica e hoje não pode mais, no governo. Muito claramente se percebe o que podiam pagar antes: um sistema quase escravocrata de trabalho, humilhante e ultrajante, de pouca ou nada valorização profissional. Muito claramente se percebe porque não podem pagar hoje: porque um profissional desse custa caro, tão caro quanto o seu próprio serviço – e quem, mentalidade classemediana, quer ter o seu próprio serviço comparado ao serviço de uma doméstica? Lavar banheiro não é para si. É para os outros. Enxergam um “empobrecimento da classe média” mas não a redistribuição da renda – coisa para o qual ainda estamos engatinhando...

Essas pessoas são totalmente contrárias à PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Domésticas. Um projeto de lei que prevê que funcionários que executam tarefas domésticas sejam remunerados como quaisquer outros: empregada doméstica, babá, motorista, etc. A PEC das Domésticas prevê, a esses funcionários, indenização em caso de ser mandado embora sem justa causa, seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo garantido, adicional noturno, proteção ao salário, salário-família, jornada de trabalho de 8 h/dia e 44 h/semana, hora-extra, normas de segurança no trabalho, auxílio creche e pré-escola para filhos e dependentes até 5 anos, entre outros direitos básicos. Coisas que eu quero, você quer, todo mundo quer. Mas que o empregado ou a empregada doméstica não tinha direito de querer. E as pessoas de mentalidade classemediana são contra.

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