quinta-feira, 6 de junho de 2013

Joaquim Barbosa e procurador esconderam provas que poderiam mudar julgamento do “mensalão”

E tem gente que acredita que nosso Judiciário está trabalhando para moralizar o país!

 
Santa ingenuidade!

Ivan





 

Joaquim Barbosa e Antonio Fernando de Souza esconderam provas que poderiam mudar julgamento do “mensalão”



Maria Inês Nassif


São Paulo - O então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criaram em 2006 e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do “Mensalão”. O inquérito sigiloso de número 2474 correu paralelamente ao processo do chamado Mensalão, que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um processo contra o ex-gerente executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato.

Esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do mensalão pelo procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. Pelo menos uma delas, o Laudo de número 2828, do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato.

O advogado do ex-diretor do BB, Marthius Sávio Cavalcante Lobato, todavia, apenas teve acesso ao inquérito que corre em primeira instância contra Vasconcelos no dia 29 de abril deste ano, isto é, há um mês e quase meio ano depois da condenação de seu cliente. E não mais tempo do que isso descobriu que existe o tal inquérito secreto, de número 2474, em andamento no STF, também relatado por Joaquim Barbosa, que ninguém sabe do que se trata – apenas que é um desmembramento da Ação Penal 470 –, mas que serviu para dar encaminhamento às provas que foram colhidas pela Polícia Federal depois da formalização da denúncia de Souza ao Supremo. Essas provas não puderam ser usadas a favor de nenhum dos condenados do mensalão.

Essa inusitada fórmula jurídica, segundo a qual foram selecionados 40 réus entre 126 apontados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e decidido a dedo para qual dos dois procedimentos judiciais (uma Ação Penal em curso, pública, e uma investigação sob sigilo) réus acusados do mesmo crime deveriam constar, foi definida por Barbosa, em entendimento com o procurador-geral da República da época, Antonio Fernando, conforme documento obtido pelo advogado. Roberto Gurgel assumiu em julho de 2009, quando o procedimento secreto já existia.

A história do processo que ninguém viu

Em março de 2006, a CPMI dos Correios divulgou um relatório preliminar pedindo o indiciamento de 126 pessoas. Dez dias depois, em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República, rápido no gatilho, já tinha se convencido da culpa de 40, número escolhido para relacionar o episódio à estória de Ali Babá. A base das duas acusações era desvio de dinheiro público (que era da bandeira Visa Internacional, mas foi considerado público, por uma licença jurídica não muito clara) do Fundo de Incentivo Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que teria corrompido a sua base aliada com esse dinheiro. Era vital para essa tese, que transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado em publicidade do BB e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro público, ter um petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de Marketing de 2003 a 2005.

Pizzolato assinou três notas técnicas com outro diretor e dois gerentes-executivos recomendando campanhas de publicidade e patrocínio (e deixou de assinar uma) e foi sozinho para a lista dos 40. Os outros três, que estavam no Banco do Brasil desde o governo anterior, não foram mencionados. A Procuradoria-Geral da República, todavia, encaminhou em agosto para a primeira instância de Brasília o caso do gerente-executivo de Publicidade, Cláudio de Castro Vasconcelos, que vinha do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O caso era o mesmo: supostas irregularidades no uso do Fundo de Incentivo Visanet pelo BB, no período de 2001 a 2005, que poderia ter favorecido a agência DNA, do empresário Marcos Valério. Um, Pizzolato, que era petista de carteirinha, respondeu no Supremo por uma decisão conjunta. Outro, Cláudio Gonçalves, responde na primeira instância porque o procurador considerou que ele não tinha foro privilegiado. Tratamento diferente para casos absolutamente iguais.

Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da primeira instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano passado, quando a Folha de S. Paulo publicou uma matéria se referindo a isso (“Mensalão provoca a quebra de sigilo de ex-executivos do BB”). Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados, entre eles Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz da 12ª Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro do STF que decretou o sigilo.

O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para tratamento de saúde. Na sua ausência, o requerimento do advogado teria que ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Barbosa não deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o pedido quando voltasse.

Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido. Continuou o julgamento. No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena, sem que seu advogado conseguisse ter acesso ao processo que, pelo simples fato de existir, provava que o ex-diretor do BB não tomou decisões sozinho – e essa, afinal, foi a base da argumentação de todo o processo de mensalão (um petista dentro de um banco público desvia dinheiro para suprir um esquema de compra de votos no Congresso feito pelo seu partido).

No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de Pizzolato. No meio da sessão, anunciou “pequenos problemas a resolver” e mencionou um “agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já resolvemos”. No final da sessão, voltou ao assunto, informando que decidira sozinho indeferir o pedido, já que “ele (Pizzolato) pediu vistas a um processo que não tramita no Supremo”.

O único ministro que parece ter entendido que o assunto não era tão banal quanto falava Barbosa foi Marco Aurélio Mello.

Mello: “O incidente [que motivou o agravo] diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?”

Barbosa: “Não”.

Mello: “É um processo que ainda está em curso, é isso?”

Barbosa: “São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso.”

Mello: “Pois é, mas teríamos que apregoar esse outro processo que ainda está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está praticamente encerrado, não é?”

Barbosa: “É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação...”

Mello: “Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação Penal nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios.”

Barbosa: “Pois é. Mas enfim, eu estou indeferindo.”


Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o processo, e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para embargos futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre com um “indeferi”, “neguei”. (Veja sessão em http://www.youtube.com/watch?v=p8i6IIHFQP8&list=PLE4D1CD8C85A97629&index=1)
O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa, sob o argumento de que quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz da 12ª Vara. O advogado apenas consegui vistas ao processo no DF no dia 29 de abril do mês passado.

Um inquérito que ninguém viu

O processo da 12ª Vara, no entanto, não é um mero desdobramento da Ação Penal 470, nem o único. O procurador-geral Antonio Fernando fez a denúncia do caso do Mensalão ao STF em 30 de março de 2006. Em 9 de outubro daquele ano, em uma petição ao relator do caso, solicitou a Barbosa a abertura de outro procedimento, além do inquérito original (o 2245, que virou a AP 470), para dar vazão aos documentos que ainda estavam sendo produzidos por uma investigação que não havia terminado (Souza fez as denúncias, portanto, sem que as investigações de todo o caso tivessem sido concluídas; a Polícia Federal e outros órgãos do governo continuavam a produzir provas).

O ofício é uma prova da existência do inquérito 2245, o procedimento paralelo criado por Barbosa que foi criado em outubro de 2006, imediatamente ganhou sigilo de justiça e ficou sob a responsabilidade do mesmo relator Joaquim Barbosa.

Diz o procurador na petição: “Por ter conseguido formar juízo sobre a autoria e materialidade de diversos fatos penalmente ilícitos, objeto do inquérito 2245, já oferecia a denúncia contra os respectivos autores”, mas, informa Souza, como a investigação continuar, os documentos que elas geram têm sido anexados ao processo já em andamento, o que poderia dar margens à invalidação dos “atos investigatórios posteriores”. E aí sugere: “Assim requeiro, com a maior brevidade, que novos documentos sejam autuados em separado, como inquérito (...) ”.

Barbosa defere o pedido nos seguintes termos: “em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, defiro o pedido para que os documentos sejam autuados em separado, como inquérito. Por razões de ordem prática, gerar confusão.”

No inquérito paralelo, o de número 2474, foram desovados todos os resultados da investigação conduzida depois disso. Nenhum condenado no processo chamado Mensalão teve acesso a provas produzidas pela Polícia Federal ou por outros órgãos do governo depois da criação desse inquérito porque todas todos esses documentos foram enviados para um inquérito mantido todo o tempo em segredo pelo Supremo Tribunal Federal.




 

Laudo foi escondido no inquérito 2474 relatado por Barbosa

 

 


Maria Inês Nassif - Jornal GGN e Carta Maior
 



São Paulo - Um laudo feito pelo Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, que fez uma perícia nas contas da Visanet e foi concluído em 20 de dezembro de 2006, não foi tornado público até 14 de novembro do ano seguinte, dois dias depois da publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que oficializou a aceitação das acusações do então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os 40 réus do chamado caso do Mensalão. Até que isso acontecesse, o laudo ficou guardado no Inquérito 2474, mantido sob sigilo pelo ministro Joaquim Barbosa paralelamente ao Inquérito 2245 – que, a partir de 12 de novembro de 2007, com a publicação do acórdão, transformou-se na Ação Penal 470. No ano passado, essa ação condenou 38 dos denunciados. Barbosa foi o relator dos dois inquéritos.

A base da acusação que resultou na condenação de 40 réus do chamado Mensalão foi o dinheiro destinado pelo Fundo Visanet de Incentivos para as campanhas publicitárias do Banco do Brasil, cuja agência era a DNA Propaganda, do empresário Marcos Valério. Segundo a denúncia do então procurador - acatada por Joaquim Barbosa em seu voto que, no ano passado, iria condenar os réus - o dinheiro da Visanet, desviado pela DNA, abasteceu os cofres do Partido dos Trabalhadores, que teria usado o dinheiro para comprar apoio de partidos ao governo no Congresso. A pessoa chave do PT nessa história seria Henrique Pizzolato, diretor de Marketing do BB, condenado por esse crime.

O laudo de 2006, todavia, afirma que os procedimentos de liberação do dinheiro eram os mesmos desde 2001, dois anos antes de Pizzolato assumir, e não cita o diretor como responsável por eventuais irregularidades na destinação do fundo.


A comprovação de que o laudo dormiu no inquérito secreto até as denúncias contra os envolvidos no chamado Mensalão serem aceitas pelo STF é um requerimento do então procurador ao ministro Joaquim Barbosa. Nele, Souza solicita ao ministro encaminhar o laudo à Receita Federal e ao delegado da Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.

“O Procurador-Geral da República vem perante Vossa Excelência, nos autos do Inquérito no. 2474 [o sigiloso], requerer...”, diz o documento.

Gama é o delegado do Inquérito 4.555/2006, da 12ª. Vara Criminal de Brasília, que foi aberto contra Cláudio de Castro Vasconcelos, gerente-executivo de Propaganda do BB à época, que assinou solidariamente com Pizzolato as Notas Técnicas que condenaram o diretor no STF (junto com os dois, assinaram as notas o diretor de Varejo e o gerente-executivo de Varejo do BB). Souza enviou o pedido de inquérito contra Vasconcelos para a Justiça comum e pediu segredo de Justiça, ao mesmo tempo em que incluía Pizzolato no inquérito que foi para o STF.

O laudo 2828, portanto, em junho de 2007, foi encaminhado do inquérito secreto do STF para outro inquérito sigiloso, que corre até hoje na 12ª. Vara Criminal de Brasília e trata da responsabilidade de Vasconcelos sobre a gestão do dinheiro da Visanet.

O laudo 2828 só vai existir oficialmente, para efeito do inquérito do Mensalão, em 14 de novembro de 2007. Foi quando o procurador-geral da República mandou outro requerimento a Barbosa, desta vez dando ciência oficial da existência do documento, para efeito do inquérito já transformado em Ação Penal. Naquele momento, não existia mais a possibilidade de a defesa de Pizzolato usar o laudo em seu favor. O ex-diretor do BB já havia sido denunciado pelo crime.

Além disso, a descrição do documento enviado oficialmente para ser apensado à AP 470 não guardava nenhuma correspondência com o que o laudo efetivamente dizia.

O segundo item do requerimento nº 3505-PGR-AF diz respeito ao “Laudo de Exame Contábil nº 2828/2006-INC”. Na descrição do item, Souza afirma que o documento “corrobora os fatos descritos na inicial penal acerca das transferências do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda. por Meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos – Visanet”.

E continua: “Em que pese o teor completo ser de leitura obrigatória, ante a profundidade da análise empreendida, alguns trechos do Laudo Pericial (...) merecem destaque, pois a imputação feita na denúncia de que Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken beneficiaram a empresa de Marcos Valério, ao fazer adiantamento de valores sem a devida contraprestação de serviços, foi confirmada pelos dados levantados”.

Não é o que dizem os auditores do INC-PF. O laudo tem 43 páginas e em nenhuma delas consta o nome de Pizzolato, ou do então ministro Luiz Gushiken, responsável pela publicidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando estourou o escândalo do Mensalão.

O laudo conclui que existem problemas escriturais nas relações entre a Visanet e a Agência DNA, mas que eles ocorrem em todo o período que compreende a existência do Fundo de Incentivo, de 2001 a 2005. E que, no período do fato sob investigação, o responsável pela gestão do fundo era o Gestor do Fundo de Incentivo, indicado pelo Diretor de Varejo junto ao Fundo de Incentivo Visanet. No período de 19/8/2002, antes, portanto, da posse do novo governo, até 19/4/2005, pouco antes do escândalo do Mensalão, o responsável era Léo Batista dos Santos (a tese da procuradoria era a de que o responsável era Pizzolato, mas o laudo sequer se refere a ele, visto que, quando assumiu a diretoria de Marketing, Santos já geria o fundo, por indicação do diretor de Varejo).

Cláudio de Castro
O requerimento enviado pelo procurador a Barbosa em maio revela algo mais além do fato de que o Laudo 2828 ficou guardado em um inquérito sigiloso até que se formalizasse a aceitação da denúncia contra os acusados do Mensalão. Revela que Barbosa sabia exatamente qual era a investigação que estava sendo feita pelo delegado da Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.


Gama era o delegado do Inquérito 4.555/2006, que até hoje tramita na 12ª. Vara Criminal de Brasília, sob a responsabilidade do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, contra Cláudio Castro Vasconcelos.

Quando Pizzolato assumiu a Diretoria de Marketing do BB, em fevereiro de 2003, Vasconcelos já era gerente-executivo de Publicidade. Ele, Pizzolato, o diretor de Varejo, na época Fernando Barbosa de Oliveira, e o gerente-executivo de Varejo Douglas Macedo assinaram juntos, solidariamente, no período de 2003 a 2004, quatro Notas Técnicas com recomendação de veiculação publicitária ou patrocínio com o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet. Essas notas técnicas foram tomadas por Barbosa como provas de que Pizzolato havia favorecido a DNA (embora as notas tivessem poder apenas indicativo) e o ex-diretor do BB foi condenado por causa delas.

A existência de um representante legal do BB junto ao Fundo de Incentivo Visanet e de decisão colegiada, com a participação de mais três gestores do BB na assinatura das Notas Técnicas (configuração de coautoria), foi afirmado pela defesa de Pizzolato e objeto de arguição por Joaquim Barbosa no momento da sustentação oral do seu advogado no julgamento. Sobre este ponto, a decisão de Joaquim Barbosa não tece uma linha sequer, nem para dizer que não é verdadeira a tese da defesa.
Antonio Fernando de Souza incluiu Pizzolato no inquérito e mandou para a Justiça de Brasília a denúncia contra Vasconcelos sob o fundamento de que este não detém prerrogativa de foro. A base da acusação é a mesma: a assinatura das notas técnicas (co-autoria). E foi para esse inquérito que pediu a remessa do Laudo 2828 para o delegado responsável pelo inquérito contra Vasconcelos.

Na sessão de 17 de dezembro do ano passado, sobre um agravo interposto pela defesa de Pizzolato para ter acesso ao processo que tramita em segredo de Justiça em Brasília, o ministro Marco Aurélio Mello perguntou se o objeto era o mesmo da Ação Penal 470. Barbosa respondeu: “Ele (advogado) acha que sim”. Mas o ministro sabia a resposta.
 


Terça-Feira, 28 de Maio de 2013


 

Um julgamento de ribalta não produz segurança jurídica

 

Maria Inês Nassif



 
A história ainda julgará o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo dia 17 de dezembro de 2012, quando a mais alta Corte brasileira concluiu o julgamento do chamado “mensalão”. Nos cinco meses seguintes ao gran finale do show midiático promovido pelos ministros do Supremo durante todo o processo eleitoral, ocorreu uma sucessão de fatos que desmontam várias das condenações dadas aos envolvidos no caso. Existe um vigoroso conjunto de novas provas produzidas pelos advogados e acusados, boa parte delas desconsiderada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator da matéria no STF, ministro Joaquim Barbosa, e desmentidos lógicos a premissas importantes do julgamento – que, se houver alguma racionalidade e justiça no julgamento dos embargos dos condenados, poderá resultar na redução de pena de vários deles; e, no limite, pode inocentar os casos mais flagrantes de condenação sem provas, ou a condenação por provas que não eram provas.

Quanto mais o tempo se afasta do rumoroso julgamento do chamado “mensalão”, mais a fragilidade do julgamento fica evidente. Isso não ocorre porque a “fragilidade ficou mais frágil” – apenas porque a opinião pública e os especialistas que passam a ter acesso aos fatos sem a mediação dos meios de comunicação estão mais distanciados da onda de comoção criada nos meses que antecederam o julgamento dos envolvidos numa denúncia feita por um aliado da base do governo, Roberto Jefferson, presidente do PTB, num momento de raiva pela divulgação de uma denúncia contra um seu indicado para os Correios, em 2005. Nesse acesso, Jefferson agravou um crime do qual participou: transformou um caixa dois de campanha – a transferência de dinheiro “frio”, pelas empresas de Marcos Valério, para o seu partido, para pagamento de dívidas de campanha das eleições municipais de 2004 – em uma fantástica história sobre como o Partido dos Trabalhadores comprou apoio dos partidos aliados dentro do Congresso. Jefferson virou réu e desmentiu-se, dizendo que caixa dois não é mensalão. Não adiantou. Foi condenado pelo “mensalão”.

O “mensalão” teve duas grandes ondas de comoção que decidiu os seus destinos: a primeira, em 2005, quando Jefferson botou a boca no trombone. A crise provocada pela mídia, avalizadas por sucessivos pequenos vazamentos da Polícia Federal e do Ministério Público, alimentaram a maior ofensiva oposicionista contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva de seus oito anos de governo. Se não fosse Lula resistir ao primeiro impacto dessa amplificação – transformada em fatos altamente relevantes e comprometedores pela mídia (quando necessariamente não eram), jogadas aos partidos de oposição, que instrumentalizavam as informações jogadas ao público sem filtro e por fim tinham sua ação política emocionalizada pela mesma mídia – , ele teria sofrido um impeachment ou renunciado, como sugeriram líderes de oposição em recados mandatos ao governante.

Essa primeira onda foi desmontada por pesquisas de opinião que deixaram claro para a oposição partidária que a popularidade de Lula era um elemento que não havia sido considerado: naquele exato momento, o presidente colhia o reconhecimento amplamente majoritário dos setores mais pobres da população pela ação de seu governo contra a pobreza. Lula apostou nisso e não renunciou. A oposição reconheceu isso e não levou avante o processo de impeachment.

A segunda onda de comoção foi criada no ano passado, às vésperas das eleições municipais, e desta vez teve como um dos protagonistas um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgaria em seguida o chamado “mensalão”. Em maio do ano passado, quando ainda não havia sido marcado o início do julgamento – e existia a hipótese de que fosse adiado, justamente para que a Justiça não contaminasse algo que não lhe é próprio, um processo político – a revista Veja apareceu com uma capa esquisita, em que Gilmar Mendes diz, mas parece que fala a terceiros, que o ex-presidente Lula sugeriu a ele ajuda para adiar o julgamento e, em troca, ofereceu a Gilmar “blindagem” na CPI do Cachoeira, que poderia comprometer o ministro com o esquema do bicheiro de Goiás.

A conversa teria ocorrido no escritório de Nelson Jobim, em Brasília, e a proposta comprometedora ocorrido na copa, quando Gilmar e Lula foram tomar café (sem desprezar pequenos detalhes, para que a matéria pareça mais verídica, a matéria conta que Lula estaria comendo uma fruta quando falava a sós com o ministro do STF). Ninguém atentou para o fato de que, no escritório de Jobim, não existe copa, e não haveria qualquer lugar onde os dois pudessem conversar sem o testemunho do anfitrião. Jobim desmentiu, disse que esteve com os dois o tempo todo, e Lula, em nota à imprensa, disse que Gilmar mentiu mas prevaleceu o estranho critério jornalístico de que a palavra do ministro do Supremo vale mais do que a palavra de outras duas pessoas presentes ao mesmo encontro.

Embora a história tenha parecido muito mal contada, serviu de pretexto, não apenas para o julgamento, mas para um fingido espírito de corpo que iria resultar numa condenação exemplar para os condenados, mesmo que a condenação ocorresse em cima de fatos que não tinham provas consistentes para isso.

O jogo midiático foi completo: a TV Justiça tornou públicas barbaridades faladas por ministros, amplificadas novamente na mídia tradicional – que, por sua vez, com um corpo de especialistas a postos para analisar o julgamento on line, valorizou de forma invertida decisões muito importantes da maioria do plenário do STF. Em vez, por exemplo, de cobrar do Supremo a aceitação de provas, elogiou o plenário todas as vezes que ele omitiu esse direito aos julgados, a bem da celeridade do julgamento. A questão cívica colocada era condenar rapidamente, antes das eleições, os réus petistas, e não cobrar um julgamento justo para cada um dos julgados. Essa onda teve pouco efeito eleitoral, mas produziu o efeito prático de levar para a ribalta a maioria dos ministros do STF. Nem todos tiveram coragem de ir contra uma onda de opinião pública e uma montagem de espírito de corpo previamente montada justificou a decisão deles.

O julgamento não deve ter sido tão honroso, todavia, para deixar para a história todo o seu relato. A transcrição dos anais das sessões omitiu, por exemplo, barbaridades faladas pelo ministro Luiz Fux, recém-chegado que foi tomado de uma indignação insólita para quem não entendia muito do processo. A pedido do próprio ministro. Outras impropriedades foram tiradas pelos seus pares. No acórdão, alguns fatos apresentados erroneamente por Barbosa como provas do crime, e que na sua cabeça avalizavam a afirmação de que o esquema mexeu com dinheiro público, simplesmente foram omitidos.

O mundo jurídico até agora se manteve à margem desse processo – e a abertura de todos os precedentes trazidos pelo julgamento do “mensalão” é uma insegurança jurídica intolerável. As pressões que se iniciaram pelas bocas de Barbosa e Gilmar Mendes para que o STF proceda às prisões sem julgar os embargos; ou de Barbosa, para que o Supremo simplesmente desconheça os embargos infringentes, não tem nenhuma razão jurídica. Deve ter a intenção de forçar os pares a não rever uma frágil peça jurídica produzida pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal que não honrará nenhum de seus pares no futuro.
 
 

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