sexta-feira, 19 de abril de 2013

O precedente de um julgamento de exceção em plena democracia

A caça a José Dirceu

 
Lincoln Secco - Especial para o Viomundo


 
O filme A Caça, do cineasta dinamarquês Thomas Vinterberg, retrata um professor de educação infantil falsamente acusado de molestar sexualmente as crianças da escola em que ministra suas aulas. Mesmo depois de inocentado, ele continuará a sofrer em sua cidade com a reprovação social de atos que nunca cometeu.

Diante de um filme tão lancinante assim, lembramos logo do caso da Escola Base em São Paulo, cuja distância temporal nos dá o conforto de que o fato não nos diz respeito. Porém, nós temos um acontecimento igualmente difícil para nos posicionarmos. Diante dele, a maioria atira as pedras da covardia e os demais se calam. Ousar discordar de quase tudo o que foi veiculado até se tornar “verdade” é quase um ato de insanidade intelectual e política.

José Dirceu foi sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal num julgamento viciado desde o início. Só o calendário eleitoral adotado pelo tribunal, condenando o réu às vésperas do primeiro e do segundo turno das eleições já seria suficiente para desvelar a natureza política do julgamento.

Recentemente, Dirceu ofereceu uma denúncia contra um dos ministros que o teria procurado para pedir apoio à sua indicação àquela corte. Este juiz não se declarou impedido de participar da famigerada ação penal 470.

Ninguém achou estranho.
Mas a mesma compreensão não teve o Ministro Toffoli, ex-advogado do Partido dos Trabalhadores. Que um seja colocado sob suspeição e outro não, é algo que só a grande imprensa opinativa pode esclarecer.

Quando o réu Marcos Valério acusou o ex-presidente Lula, o Procurador Geral da República encaminhou as denúncias à justiça de Minas Gerais. Quando Dirceu acusou o referido Ministro pedinte, o procurador desqualificou-o por ser réu! O PT tratou o caso com o termo “incoerência”.

Ledo engano. Trata-se da mais perfeita coerência de uma ação política que visa tão somente desmoralizar um partido e é surpreendente que ações tão escandalosas não mereçam repúdio veemente. Se a mais alta corte do país declara que houve compra de votos para aprovação de leis pelo Congresso Nacional, todas as votações desde 2003 deveriam ser simplesmente anuladas!

A condenação política de José Dirceu já foi feita em 2005. Não importa que o jornalista Raimundo Pereira, debruçado sobre o caso desde aquela época, autor de um livro sobre o tema, demonstre cabalmente a inconsistência das acusações. E que a malfadada Teoria do Domínio do Fato, cujo uso brasileiro e casuístico foi desautorizado pelo próprio autor alemão, tenha substituído as provas, também não deve nos incomodar.
Independentemente das críticas políticas que possamos ter às escolhas do PT antes e depois de sua chegada ao poder, cedo ou tarde todos teremos que entender o que está em jogo. É o precedente de um julgamento de exceção em plena democracia.

*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

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