terça-feira, 11 de setembro de 2012

A mulher vencida pela imagem feminina

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 Terça-feira, 11 de Setembro de 2012

REVISTA BRIGITTE

A mulher vencida pela imagem feminina

 
Por Danielle Naves de Oliveira


Notícia triste na minha vida de leitora e observadora da imprensa feminina: a revista alemã Brigitte abandonou o ousado experimento de fazer uma revista sem modelos profissionais, da capa até a última página, com exceção apenas para a publicidade. O projeto começou em janeiro de 2010 e, entre erros e acertos, foi pioneiro em transformar uma variada tipologia de mulheres reais em modelos para suas editorias de moda, culinária e comportamento. Foi tão bonito ver a diferença tomar conta de um território do imaginário onde, quase sempre, quem manda é o estereótipo... Mas acabou.
Nesses dois anos e meio, foram fotografadas mulheres de diferentes idades, cores, alturas, pesos, ocupações e orientações sexuais. E nenhuma trabalhou de graça. No entanto, já no início, a torcida contrária era grande. A começar por Karl Lagerfeld, diretor artístico da prestigiada casa Chanel, que não só previu como desejou vida curta à Brigitte sem modelos: “O mundo da moda é feito de sonhos e ilusões e ninguém quer ver mulheres redondas”.
A pressão veio de todos os lados. Numa entrevista ao canal ZDF, em 2011, a editora-chefe Brigitte Huber confessou a dificuldade em fazer com que corpos de mulheres comuns entrassem nas roupas que a revista precisava divulgar. Para piorar, muitas leitoras passaram a enviar reclamações à redação, dizendo não estarem interessadas em ver mulheres comuns, diletantes dos bastidores da moda que mal conseguem sorrir para uma câmera fotográfica. Em vez de se verem retratadas, o que as leitoras querem é “buscar inspiração” ou simplesmente “seguir as tendências”. Está aí um novo tipo de narciso, que acha feio, sim, o que é espelho.

Aniquilação do corpo
Se monsieur Lagerfeld está certo em considerar que o mundo da moda é feito de sonhos, engana-se redondamente ao confundir estereótipo com arquétipo. O estereótipo, lembremos, é uma imposição artificial, uma imagem forçada, projetada para uniformizar e criar um desejo homogêneo. Em outros termos, é o que o pessoal da Escola de Frankfurt chamava de massificação. Nisso, a mulher-modelo preenche todos os requisitos: esquálida, cabelos longos e lisos, olhar petrificado, impecavelmente maquiada e de boca fechada. Com ela, todas querem parecer.
Um arquétipo é de natureza completamente diferente e nem por isso deixa de estar presente no universo da moda. Não diz respeito apenas à aparência, mas principalmente a sensações. Pula fora do imaginário para fertilizar a imaginação. No experimento da Brigitte, foi algo que se revelou em retratos de mulheres vivas, cujos corpos denunciam uma história, em olhares inquietos, no gestual familiar que lembra nossas mães, avós, vizinhas, amigas. Esse arquétipo, quando tomado de modo adequado pela moda ou mesmo pelo inevitável mercado, é algo que nos coloca no rastro da mulher primordial e de sua assustadora força. Como ela, todas querem ser.
Para evitar a falência e a má fama, Brigitte vai voltar a mostrar as modeletes magrelas e maquiadas como se fossem cadáveres. Derrota da vida pela imagem. Além disso, continuará investindo na segmentação, pois na imprensa feminina não existe a mulher inteira e, sim, fragmentos de mulher, com suas respectivas publicações especializadas.
Nos últimos três anos, a editora lançou os títulos Brigitte Big (para gordinhas), Brigitte Mom (para as mamães), Brigitte Woman (para as que já passaram dos 40), Brigitte Young Miss (para adolescentes) e Brigitte Balance (para as esportivas e dietéticas). Aliás, “imprensa feminina” é um termo delicado, que exclui com sutileza o gênero da espécie e cuja discussão é ampla demais para este espaço.
Por fim, é importante lembrar que o caso não é isolado. Títulos tradicionais brasileiros atravessam desafios semelhantes e reproduzem, assim como a Brigitte alemã, o mesmo tipo de discurso barato. Assustador, nisso tudo, é o poder de barganha dos estereótipos. Como contra-discurso, vejo-me obrigada a citar um trecho amargo do alemão Dietmar Kamper, pensador da imagem que relacionou a cultura da modelo profissional à necrofilia: “A modelo, a perfeita imagem da mulher, é um cadáver, uma permanente aniquilação do corpo.”
[Danielle Naves de Oliveira é jornalista, tradutora e doutora em Ciências da Comunicação]

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