segunda-feira, 16 de julho de 2012

A Zona do euro e a questão da (des)informação

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A Zona do euro e a questão da (des)informação
 
 
Flávio Aguiar – direto de Berlim, exclusivo para a Carta Maior.


Berlim - Muito se debate – e as pessoas se debatem – sobre a permanência e a pertinência do euro. A opinião dominante no senso comum construído por governantes e mídia na Europa é a de que o euro foi bem pensado mas mal construído. Daí para a frente as razões da má construção variam, mas se concentram em torno da idéia de que alguns países – como a Grécia – que foram admitidos não deveriam ter entrado para o clube.

Passa-se então à interminável discussão sobre se é melhor para todos que alguns países – sempre se evoca o exemplo da Grécia – ficassem ou saíssem do euro. Sair do euro, nos discursos, varia da salvação à danação.

Para muitos sair do euro significaria recuperar a soberania sobre a própria moeda, e portanto poder nadar por conta própria no oceano desvairado em que a Zona do Euro se transformou. Para outros, sair do euro signfica mergulhar no inferno, uma vez que a desvalorização inicial da moeda multiplicaria o valor da dívida soberana, mergulhando quem saísse no caos e no desespero.

De todo modo, reina a idéia de que governos descontrolados se endividaram de tal modo que comprometeram a saúde da moeda, e que a causa desse descontrole é, grosso modo, um desproporcionado estado do bem estar social: pensões muito altas, salários demasiados para trabalhadores, sobretudo no setor público, auxílios indevidos para desempregados que desestimulam a procura de emprego (como se eles abundassem).

Pouco se fala em sonegação, pouco se fala sobre a licensiosidade vergonhosa do sistema bancário (embora se fale sobre sua má administração), pouco se fala sobre os escandalosos salários e “sidebenefits” pagos para os que administraram e vão continuar administrando essa confusão.

O estado de arte sugere uma profunda, generalizada e superficial desinformação sobre esses temas, com resultados dramaticamente contraditórios. Um exemplo é o resultado de pesquisa recentemente publicada pelo Financial Times (28/06/2012, p. 2), feita por uma empresa de pesquisa chamada YouGov na Alemanha.

67 % dos entrevistados disseram que confiam no modo como a chanceler Angela Merkel vem enfrentando a crise, batalhando pela imposição dos “planos de austeridade” recessivos Europa a fora. 51 % votariam a favor de permancer na União Européia, e apenas 28% contra.

Mas somente 43% se declararam a favor da manutenção do euro, enquanto 41% foram favoráveis à volta do antigo marco. Por outro lado, 11% se disseram favoráveis a que a Alemanha bancasse o euro a qualquer custo, ajudando outros países incondicionalmente, enquanto 37% acharam que a Alemanha “já fez o suficiente”. E 44% disseram que a Alemanha deve continuar a ajudar os outros países, continuando a impor condições de austeridade para tanto.

Já quando o assunto é desemprego, 53% se declararam a favor de ações que reduzissem o desemprego, mesmo que isso significasse aumento da inflação, e apenas 22% disseram apoiar ações anti-inflacionárias mesmo que houvesse aumento do desemprego – que é o que está acontecendo com a aplicação dos “planos de austeridade”.

Essas pesquisas traduzem, portanto, uma situação de relativa perplexidade, provocada pela crença nas medidas de “austeridade”, mas sem conseguir discernir o resultado de sua aplicação rígida como vem sendo feita. Ou seja, o problema nào está propriamente na manutenção ou não do euro, ou da adesão a ele; nessa altura do campeonato é insensato pensar numa saída do euro como saída, até porque o imediato caos que se seguiria – apesar de alternativas melhoresno futuro – provavelmente jogaria os países saintes nos braços de uma extrema direita xenófoba e ressentida.

O problema está na manutenção ou não dos atuais gestores da zona do euro e do sistema financeiro em seus postos. E não se trata apenas de uma questão que afete os governos de plantão. Há os banqueiros, os gestores, os gerentes, os sabichões (“pundits”, como diz Paul Krugman) da mídia, as escolas e os professores das escolas de economia e administração, para quem qualquer outra alternativa à ortodoxia econômica é uma irrelevância passadista, e que odeiam mais Keynes do que o próprio Marx.

Muitas décadas atrás assisti um documentário racista e colonialista chamado Mondo Cane n* 2, de Franco Prosperi e Gualtiero Jacopetti. Mostrava cenas de violência particularmente na África, para no fim apresentar o regime do apartheid da África do Sul como a única coisa civilizada que havia no continente. As imagens finais mostravam pingüins no antigo Cabo das Tormentas, no extremo sul do continente, fazendo uma alusão metafórica àquele regime que resistia heroicamente à “barbárie” do resto da África.

Claro, não estou acusando os atuais administradores da “coisa financeira” de serem partidários do apartheid racista da África do Sul, mas sim partidários – em todos os níveis, da administração pública à bancária, da formação universitária à prática analítica na mídia – de um “apartheid intelectual”, em que eles mesmos se vêem como heróis resistentes contra a malta populista que quer irresponsavelemente destruir a “boa economia” que defendem: esse caos que hoje impera.

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