quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Carlos errado: o dia que o Texas matou um inocente

O Globo.com, 16/05/2012


O Carlos errado: o dia que o Texas matou um inocente

Tese de universidade nos EUA mostra que um homem pode ter sido executado por engano


O GLOBO


Carlos DeLuna, à esquerda, e o provável assassino, seu homônimo Carlos Hernández
Foto: Reprodução
Carlos DeLuna, à esquerda, e o provável assassino, seu homônimo Carlos Hernández Reprodução


WASHINGTON — Há seis anos, Antonin Scalia, um dos nove magistrados da Corte Suprema dos Estados Unidos e defensor ferrenho da pena da morte, afirmou que não havia um caso sequer nos EUA em que uma pessoa tivesse sido executada por um crime que não cometeu. Ele não conhecia a história de Carlos DeLuna, preso em fevereiro de 1983 pelo assassinato de Wanda López. Julgado, condenado a morte e executado seis anos depois do juízo, Carlos pode ter sido assassinado por engano. Nesta segunda-feira, a Escola de Direito da Universidade de Columbia, publicou um documento detalhado em que mostra que o estado do Texas provavelmente matou um inocente.
Com o título “Los Tocayos Carlos” (os homônimos Carlos, em tradução livre), a monografia do professor James Liebman e mais uma equipe de 12 alunos da universidade, descobre evidências de que Carlos DeLuna, um pobre homem hispânico e com inteligência infantil, era totalmente inocente. O levantamento, com 3.434 notas de rodapé, virou um site que mostra desde a cena do crime, com fotos e registros judiciais, até a cobertura completa feita pela imprensa na época do assassinato. O material inclui ainda uma fita cassete da polícia com o fim da caçada e prisão de De Luna, além de entrevistas gravadas em vídeo.
Desde o dia em que foi preso até os últimos momentos antes da injeção letal, DeLuna se declarou inocente. E até deu o nome do verdadeiro assassino de Wanda: o também mexicano Carlos Hernández. Quase 20 anos depois, uma testemunha que havia reconhecido DeLuna uma hora após o crime, assumiu que não estava certo da identificação feita à polícia na época “já que lhe custa muito diferenciar os hispânicos”.
De fato, a semelhança física dos dois Carlos, que se conheciam e haviam estado juntos em um bar na noite do crime custou a vida DeLuna. Em um dos depoimentos do site, o próprio advogado de Hernández chegou a confundir os dois. Liebman começou a investigar o caso quatro anos depois da execução, e, em pouco tempo, descobriu que Carlos Hernández realmente existia. Com a ajuda dos alunos, traçou o perfil do homônimo: um alcoólatra, com histórico de violência — foi preso 39 vezes, 13 por portar um faca — e que passou quase toda sua vida adulta em liberdade condicional. Como quase nunca foi condenado a prisão pelos seus crimes, Liebman acredita que Hernández agia como informante da polícia.
Amigos desde a infância
A história começa no dia 4 de fevereiro de 1983, quando Wanda López, uma mãe solteira e hispânica, foi apunhalada com uma faca enquanto trabalhava em um posto de gasolina no bairro texano de Corpus Christi. As facadas atravessaram o pulmão esquerdo e a jovem morreu em poucos minutos. Antes de ser assassinada, Wanda havia ligado para a polícia: “Podem enviar um agente a 2.602 Drive South Padre Island? Há um suspeito com uma faca dentro da loja, é um mexicano. Ele está em pé, aqui mesmo, do lado da caixa registradora”.
Os dois Carlos vivam na mesma cidade e se conheciam desde os 5 anos. Depois de se encontrarem em um bar, Hernández passou pela loja de conveniência do posto de gasolina para comprar alguma coisa. Quando DeLuna percebeu que o amigo demorava a voltar, resolveu ver o que havia acontecido. Ao chegar no bar, viu Hernández brigando com uma mulher, atrás do caixa. Como tinha alguns delitos sexuais no currículo, teve medo de se meter em problemas e ao ouvir a sirene da polícia, escondeu-se debaixo de uma caminhonete. Quarenta minutos depois, foi preso.
Os advogados de DeLuna basearam sua tese em apontar Carlos Hernández como o verdadeiro assassino, mas os fiscais ridicularizam a possibilidade. Chegou-se a conclusão de que Hernández era um invento, um fantasma que simplesmente não existia. Em outubro de 1989, apenas dois meses antes da morte de DeLuna, Carlos Hernández foi sentenciado a dez anos de prisão por tentar matar com uma faca a outra mulher, Dina Ybáñez. Mesmo assim, o caso não foi reaberto.
Em muitas ocasiões, Carlos Hernández chegou a confessar ter matado Wanda López, brincando com amigos e familiares que seu “homônimo” havia pagado o pato. As provas que não foram feitas pela perícia, como os restos de DNA ou de sangue, ajudaram na condenação injusta. DeLuna apresentou várias apelações, mas nenhuma o livrou da execução. “Passe o que passe, saiba que não cometi o assassinato”, repetia a sua irmã Rose no Corredor da Morte. Ela contou que em seu coração, Carlos DeLuna aceitou ser executado e que sabia que estaria bem.
“Quem sabe, algum dia a verdade venha à luz”, disse em uma entrevista a uma rede de televisão, atrás de um vidro grosso, dias antes de sua morte.

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