domingo, 8 de abril de 2012

Hollande e a batalha contra Berlim


O Globo.com, 06/05/2012

Dilma parabeniza vitória e elogia posição de socialista sobre crise




BRASÍLIA — A presidente Dilma Rousseff enviou mensagem neste domingo parabenizando o presidente eleito da França, François Hollande. Dilma destacou a proposta de Hollande de superar a crise econômica europeia sobretudo com políticas que "favoreçam o crescimento, o emprego, a inclusão e a justiça social".
Com cerca de 95% dos votos apurados, o candidato do Partido Socialista tem 52% dos votos contra 48% do atual presidente, Nicolas Sarkozy, que já reconheceu a derrota e parabenizou o adversário.
Hollande, primeiro socialista a ocupar o Palácio do Eliseu após 17 anos, leva a esquerda para o comando da segunda economia da Europa dizendo que a austeridade— principal estratégia hoje em vigor para tirar o continente da crise econômica — não é inevitável. Ele enfrentou a oposição de outras lideranças europeias, dentre elas a chanceler alemã Angela Merkel, defensora do corte de gastos como única saída para salvar o euro.
Dilma disse estar segura de que Brasil e França compartilharão posições comuns nos foros internacionais, entre eles o G-20, de modo a "inverter as políticas recessivas, ainda hoje predominantes, e que, no passado, infelicitaram o Brasil e a maioria dos países da América Latina". Dilma aproveitou para convidar Hollande para vir ao Brasil participar da conferência Rio + 20, em junho, no Rio.

A seguir, a íntegra da mensagem divulgada às 19h59 deste domingo, no Blog do Planalto:

"Excelentíssimo Senhor
François Hollande
Presidente Eleito da República Francesa

Prezado Presidente,
Quero transmitir-lhe meus mais efusivos cumprimentos por sua eleição para a presidência da França.
Acompanhei com grande interesse suas propostas de vencer a crise que enfrenta a Europa com responsabilidade macroeconômica, mas, sobretudo, com políticas que favoreçam o crescimento, o emprego, a inclusão e a justiça social. Estou segura que poderemos compartilhar posições comuns nos foros internacionais – dentre eles o G20 – que permitam inverter as políticas recessivas, ainda hoje predominantes, e que, no passado, infelicitaram o Brasil e a maioria dos países da América Latina.
França e Brasil estão unidos por ambiciosos projetos bilaterais, como conseqüência da aliança estratégica que estabelecemos. Estou segura que daremos continuidade a essa cooperação nos próximos anos.
Reiterando minha saudação por sua vitória, espero poder tê-lo entre nós, aqui no Brasil, em junho próximo, na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Receba, prezado Presidente, meu apreço e simpatia,

Cordialmente,
Dilma Rousseff

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Segunda-Feira, 07 de Maio de 2012
 


Neoliberalismo e crise hegemônica na Europa

Por Emir Sader


Foto: Eduardo Febbro
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O pânico que havia gerado a possibilidade de convocação de uma consulta popular na Grécia sobre o pacote de ajuste imposto pelo Banco Central Europeu já revelava o que se confirma agora, de maneira ainda mais enfática. As “necessidades” da política de ajuste da UE, do Banco Central Europeu e do FMI se chocam frontalmente com os interesses da grande maioria dos europeus em cada país.
As eleições destes últimos dias – municipais na Inglaterra, parlamentares na Grécia, presidenciais na Franca, numa província na Alemanha – vão todas na mesma direção. Os governos da Inglaterra, da Grécia, da Alemanha, da França, não detém mais o apoio majoritario da sua população. As políticas que adotaram os levam ao isolamento social e à derrota política.
Na Inglaterra, rapidamente o governo de Cameron se desgastou e assumiu o ônus da recessão em que caiu o país. Perdeu as eleições municipais, como consolo o carismático prefeito de Londres conseguiu se reeleger, o que não esconde a maré nacional de rejeição do governo, prenunciando existência curta para o governo conservador britânico.

Na Grécia, como se poderia esperar, os dois partidos tradicionais, congregados no governo supostamente tecnocrático imposto pelo BCE, so’ conseguiram 1/3 dos votos, revelando a inviabilidade de seguir com o pacote suicida imposto ao país. Na Alemanha, segue a série de derrotas politicas regionais da Democracia Cristä, que apontam para uma possível derrota da Merkel no próximo ano. Na França, como todos os 11 governos que se submeteram a eleições gerais, o de Sarkozy foi derrotado, terminando o longo ciclo de governos de direita no país.

No entanto, nem esta vitória na França, nem o panorama negativo para o BCE, o FMI e Angela Merkel, abrem claramente um novo período político na Europa, pelo menos por enquanto. Pode estar dando sinais claros de esgotamento do modelo atual e do ciclo de governantes direitistas que assolou o continente, mas está ainda longe o momento de que uma nova política europeia se imponha.

As armadilhas montadas pela forma que assumiu a unificação europeia – uma unificação antes de tudo monetária – amarram os pés dos governos da região. Ficar no euro ou sair se assemelha ao dilema do "se correr o bicho come, se ficar o bicho pega".

As boas novidades são a consolidação de uma nova força de esquerda na Grécia, assim como o enfraquecimento da DC na Alemanha e dos conservadores na Inglaterra. Na França, no entanto, a soma dos votos do Sarkozy e da Le Penn seria maioria (só 50% dos votos dela foram para ele no segundo turno), demonstrando como o consenso conservador ainda é majoritário naquele país.

Essas eleições – especialmente a francesa – demonstram como a Europa também entra em uma situação de crise hegemônica, em que o bloco atualmente dominante, liderado pelo capital financeiro, não consegue mais apoio social e politico para sobreviver. (Tiveram que praticamente realizar um golpe para impor seus governos “tecnocratas” na Itália e na Grécia.) Todos os governos perdem as eleições gerais e as locais. Os candidatos de direita – como Sarkozy – não tem nada a dizer sobre os temas centrais dos países europeus, como a recessão e o desemprego, buscando desviar a atenção para os temas da imigração e a violência. Não há proposta, no marco das atuais políticas econômicas, que consiga ter apoio popular.
Mas se está longe ainda de ter alternativas, ainda mais que elas têm que dar conta da UE, do euro, isto é, construir uma solução alternativa para todo o continente. O peso do pensamento conservador é ainda muito forte – como se vê na França. Mas o governo de Hollande pode contribuir para a construção de um novo consenso, rompendo com os termos da questão como estão colocados pela Alemanha e assumidos por, até aqui, todos os governos europeus. Na França pode começar a se esboçar medidas de apoio popular que comecem a construir um consenso alternativo.

O que se abre na Europa é um longo processo, cheio de turbulências e instabilidades, de construção de um consenso posneoliberal, em que a América Latina está há mais de uma década.
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François Hollande e a batalha contra o "capitalismo alemão"

 


Eduardo Febbro - De Paris


Paris - François Hollande não teve tempo de provar o traje presidencial. Logo após ser eleito, a Alemanha ativou sua ofensiva contra o novo presidente francês para freá-lo em suas tentativas de renegociar o pacto fiscal europeu com o qual Berlim impôs aos países da União Europeia uma camisa de força de ajustes e austeridade. A vitória de François Hollande contra o liberalismo de arrochos de Nicolas Sarkozy e da chanceler alemã vai redesenhar o mapa da Europa. Berlim, porém, resiste a que Paris modifique a orientação econômica de seus aliados da União Europeia. O respaldo que os franceses deram à candidatura de Hollande é também um « não » à forma pela qual estava se construindo a Europa.

A França, quinta potência mundial e segunda economia da Eurozona, tem agora como presidente um homem que desde muito cedo questionou a filosofia alemã do ajuste sem crescimento. Hollande conquistou a maioria com um programa de corte progressista baseado nas ideias de justiça social, Europa, educação, trabalho e juventude. A reforma bancária, a fiscal e a renegociação do tratado orçamentário idealizado pela Alemanha são os eixos do seu programa. O questionamento do pacto fiscal europeu e os ajustes e a austeridade que o acompanham foi a medida que lhe deu mais credibilidade.

Hoje, essa opção configura o primeiro confronto com o capitalismo alemão. Angela Merkel enviou uma primeira mensagem : a responsável alemã disse que receberia Hollande « com os braços abertos ». A frase, amável, tem seu contraponto acrescentado pelo portavoz do governo alemão, Steffen Seibert, que explicou que o pacto fiscal era « inegociável ». Enrique Barón Crespo, eurodeputado socialista, disse à Carta Maior, que a palavra « inegociável não figura no dicionário da União Europeia ». A imprensa alemã alega que a linha de austeridade de Angela Merkel ficou enfraquecida pelas derrotas dos candidatos governistas na França e na Grécia.

O socialista francês armou uma bomba relógio quando propôs que o Banco Central Europeu tenha um novo papel, que, ao invés de emprestar dinheiro aos bancos a 1% para que estes emprestem aos Estados com um juro maior, trate diretamente com os Estados
. Além disso, propôs uma taxa sobre as transações financeiras, que o banco Europeu de Investimentos (BEI) dê crédito para as empresas e que se criem eurobônus para financiar as infraestruturas.

A palavra eurobônus faz a chanceler alemã congelar de raiva. Esta medida supõe que a dívida se torne comunitária. Hollande quer que o crescimento e o emprego sejam uma questão institucional europeia e não só a férrea disciplina no gasto público que impõe o pacto orçamentário. « Eu vou renegociar o pacto. Merkel sabe disso », disse Holande. O presidente eleito quer uma Europa mais fiel às origens da construção europeia, ou seja,
mais humanista, menos tecnocrática, menos obediente aos humores e interesses dos mercados, orientada para as necessidades humanas e não unicamente as do sistema financeiro. Até algumas semanas, nenhuma dessas medidas agradava a Alemanha.

A maioria obtida por Hollande e o apoio a suas ideias que começou a vir de outros governos, inclusive adversários, desenha uma mudança, talvez menos brusca do que aponta o discurso do François Hollande candidato.

O seminário britânico The Economist qualificou as ideias de Hollande de « perigo para a Europa ». Não obstante, com o passar dos dias, muitos analistas apoiaram o novo presidente em sua ideia de colocar sobre a mesa a variável do crescimento. « Há muitos dirigentes europeus que estão aguardando o resultado das eleições francesas para iniciar uma nova discussão », disse Hollande há alguns dias. Angela Merkel deu total apoio a Nicolas Sarkozy durante a campanha eleitoral e até
se negou a receber François Hollande quando ele era candidato. Agora lhe abrirá as portas como presidente e terá que negociar uma agenda distinta daquela que vem impondo há anos : renegociar o pacto fiscal, estabelecer um pacto de responsabilidade e crescimento com o objetivo de escapar da recessão e diminuir o desemprego.

Na visão de Hollande, a Europa tem que ser o motor do crescimento e não seu coveiro. Para isso, é preciso implementar um plano de investimentos massivo que tire os cidadãos do poço. A visão sobre o crescimento de Merkel e Hollande são diametralmente opostas : na visão dos alemães, o crescimento passa por mais reformas estruturais – a do mercado de trabalho, por exemplo –e não por investimentos massivos, que é a opção de Hollande. Berlim assegura que embora o pacto fiscal seja inegociável, em troca, pode discutir o crescimento. Mas a forma pela qual coloca esse debate se dá segundo os critérios da Alemanha. O hegemonismo de Berlim em defesa de seus próprios interesses não leva em conta a vontade popular.
No ano passado, quando o ex-primeiro ministro grego Girogos Papandreu propôs um referendo antes de se submeter aos ditames do Fundo Monetário Internacional e à troika europeia, a Alemanha disse que as eleições « eram perigosas ». Alguns dias depois, Papandreu apresentou sua renúncia. A variável, agora, mudou : seu aliado obediente, Nicolas Sarkozy, com quem formava a dupla « Merkozy », não está mais no poder. Ele foi substituído por um novo chefe de Estado que chegou ao poder com um discurso anti-austeridade. Os analistas destacam que, se persistir em suas prerrogativas, a Alemanha corre o risco de ficar, muito em breve, isolada entre a pressão da opinião pública e o protesto de outros países europeus que se somarão a França. A batalha contra o capitalismo alemão não começou em Berlim, mas sim na França.
Tradução: Katarina Peixoto
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Jornal do Brasil, 08/05/2012

 

O ESPERADO NÃO DE HOLLANDE A BERLIM

 

Por Mauro Santayana

 

A senhora Ângela Merkel, tenha disso consciência ou não, age de acordo com a velha arrogância prussiana, ao convidar François Hollande a visitar Berlim, no próximo dia 16 – logo depois de empossado. Foi quase uma convocação. Ela deixou claro, ao cumprimentar o novo presidente, que podem falar de tudo, menos do essencial: da “austeridade” orçamentária. Austeridade, na visão germânica da política européia, significa seguir o caminho percorrido até agora, com os bancos recebendo bilhões e bilhões de euros, emitidos sem lastro, e os usando para as especulações de seu interesse e para encalacrar ainda mais os países meridionais. Os bancos receberam o dinheiro do Banco Central Europeu a 1% ao ano e os repassam, ao estados em crise a juros de 6 a 9% ao ano. Um “spread” escorchante.

Se François Hollande, fatigado pela campanha e pelos festejos da vitória, não estivesse desatento, poderia ter sugerido que o encontro se fizesse em Bruxelas, sede da União Européia, e não em Berlim. Se ela pretende discutir o desenvolvimento econômico continental, o lugar do encontro não poderia ser  outro que não Bruxelas, a menos que ela, em gesto  de boa diplomacia, houvesse proposto visitar Paris.

A senhora Merkel faz lembrar um de seus antecessores na Chancelaria do Reich, que convocou a Munique os primeiros ministros da França (Daladier), da Itália (Mussolini) e da Inglaterra (Chamberlain) a fim de lhes impor sua vontade, a de apoderar-se de grande parte do território tchecoslovaco. O fantasma de Hitler está sob o portal de Brandenburgo.

Hollande só conseguirá reaver-se do descuidado “oui”, que deve ter soado aos ouvidos de Ângela Merkel como um obediente “jawohl!”, se – diante da imposição alemã – se mantiver firme, em seu propósito de aliviar os sacrifícios impostos aos trabalhadores europeus, com a chamada “austeridade”.  A Europa será devolvida aos seus cidadãos, ou continuará dirigida e saqueada pelos banqueiros do Goldman Sachs e associados menores, que hoje exercem o poder de fato no continente, e disso retiram seu proveito.

Para os observadores desinformados  e irônicos, o encontro – antes mesmo que Hollande se sinta em seu gabinete presidencial – poderá ser entendido como uma audiência para o recebimento de normas e instruções.

Atenas pode não ter a importância – e não tem – de Paris, mas é um símbolo do poder e da razão política bem mais antigo.

A derrota da coligação que se encontrava no governo (só se obtiveram as cadeiras no parlamento, pela legislação que lhe assegurou 50 vagas a mais do que os escrutínios), e a vitória da esquerda, eram esperadas. Não se contava com a atrevida emersão do partido neonazista, sob o nome  inocente de “Aurora Dourada” e a suástica, redesenhada, como seu símbolo. Começou bem, já com  tropa de assalto formada, exigindo dos jornalistas que  se levantassem para receber o líder, e expulsando da sala os que se recusaram ao “gesto de respeito” para com o novo palhaço, louco e racista. Seu primeiro projeto é o de minar as fronteiras gregas, a fim de impedir a entrada de estrangeiros.

Uma vez que a coligação que se encontrava no poder não conseguiu formar o novo governo, caberá à esquerda  fazê-lo, e nas próximas 48 horas. Espera-se que as lições européias dos anos 30 inspirem os democratas gregos, e que eles estabeleçam uma aliança de centro, capaz de vencer as pressões externas com habilidade, e reendereçar a economia do país mediante o fortalecimento do Estado e uma política de desenvolvimento social em busca do pleno emprego.

Hollande lembrou o new deal de Roosevelt em sua campanha. Foi bom que o fizesse. Há oito décadas, em 1932, diante de uma recessão que alguns consideram menor do que a de hoje, o Estado foi compelido, à esquerda e à direita,  a intervir diretamente na economia. Na Alemanha, a resposta foi a do nazismo, com a eleição de Hitler; na Itália, a do Instituto de Reconstrução Industrial – criado por Alberto Beneduce – que interveio fortemente nas atividades produtivas, política mantida depois da vitória aliada, até o neoliberalismo dos anos 80 e 90, que jogou a Europa na crise atual.

Roosevelt conseguiu impor o seu programa de recuperação industrial, ao encoleirar os banqueiros e  intervir, sem vacilação, em todos os aspectos da economia  e da cultura de seu país, levando-o à vitória na Segunda Guerra Mundial, que se celebra exatamente hoje. Hollande tem razão: projeto semelhante ao de Roosevelt pode salvar a Europa.

É preciso impedir que o atrevimento do novo nazismo atinja, de igual forma,  a Itália, a Espanha e a Alemanha – como o de Hitler nos anos 30. A França de Hollande deve resistir ao Diktat alemão, o que a França de Pétain não foi capaz de fazer diante de Hitler.

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