terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Miami é apontada como a cidade mais miserável dos EUA

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​Opera Mundi, 07/02/2012



Miami é apontada como a cidade mais miserável dos EUA


Rui Ferreira | Miami​



No final da semana passada, a revista Forbes surpreendeu muita gente no sul da Flórida ao afirmar que a qualidade de vida em três cidades do estado é a pior em todos os Estados Unidos. Em primeiro lugar aparece Miami, a cidade emblema, chamada de “Porta das Américas” pela publicidade turística, ou o “Eldorado”, segundo a propaganda política. Seguem-se Fort Lauderdale e West Palm Beach, onde a nata dos milionários norte-americanos possui suas casas de verão.
Segundo a revista predileta da classe empresarial, a crise imobiliária, o alto custo de vida, a taxa de criminalidade, a corrupção política, a falta de serviços sociais e a pouca atenção de qualidade dos hospitais públicos, são as principais razões para considerar o sul da Flórida como um inferno para viver.
É uma situação tão dramática que a Forbes não consegue deixar de chamar a atenção para o fato de que, em termos globais, o caso de Miami é ainda mais dramático que o de Detroit, considerada a cidade dos Estados Unidos com o maior número de homicídios e assaltos.
Neste momento, o governo federal realiza uma investigação a uma série de atos de violência policial em Miami, nos quais morreram 11 pessoas, todas elas habitantes de bairros pobres.

Na semana passada, o FBI anunciou a prisão de dois policiais de Miami acusados de tráfico de drogas, comercializando a cocaína apreendida junto aos traficantes. Um deles é o chefe do departamento de operações secretas.
“Miami tem sol e um clima fabuloso, mas há outras coisas que fazem as pessoas sentirem-se miseráveis. É uma sociedade com dois níveis, temos South (Miami) Beach com todo o seu glamour que atrai os famosos e socialites, mas a desigualdade nos salários das pessoas disparou nos últimos anos”, explicou o editor da Forbes, Kurt Badenhausen.

O que Badenhausen não explicou é que a crise tem origens diferentes. Os ricos sofrem unicamente porque as suas casas foram desvalorizadasem razão das crises imobiliárias nos últimos anos, e não porque enfrentem o desemprego.

Mas os pobres, incluindo a classe média, vivem seus piores momentos. Além da desvalorização de suas casas, o desemprego atingiu níveis galopantes (13%, maior que a média nacional de 10%), os serviços sociais foram recortados, as ajudas aos idosos praticamente desapareceram e, acima de tudo, os programas de auxilio à recolocação dos imigrantes já não existem. Até as bibliotecas, um lugar onde mais de 50% dos leitores habituais de Miami acodem para poder consultar a internet e ler, dado os altos preços dos livros, estão sendo fechadas ante a falta de fundos públicos para mantê-las abertas.
Segundo a Forbes, 45% dos habitantes da cidade que ganham menos de 75.000 dólares anuais têm problemas com o pagamento das hipotecas de suas casas, que valem muito menos que o dinheiro que devem ao banco. E o plano federal de ajuda, lançado pelo governo de Barack Obama fracassou totalmente pela corrupção e rivalidades políticas.
“Nos últimos anos, os republicanos têm-se dedicado a bloquear o envio de fundos federais para ajudar as pessoas com problemas hipotecários”, afirmou o advogado Marco Fernández. Ele calcula que apenas uma em cada três famílias pobres conseguiu refinanciar o preço de suas casas com ajuda federal. “Os bancos absorvem tudo com taxas estúpidas. Querem compensar assim os prejuízos da crise bancaria de 2008”, afirma.

Mas não é só isto, explica Maria Luisa Hernández ao Opera Mundi: “a crise trouxe como conseqüência o aumento dos impostos a nível local. Cada vez é mais caro ter um telefone, seja celular ou fixo, porque tanto os condados como o estado aumentaram os impostos; o preço da eletricidade subiu duas vezes, e aumentaram os impostos associados, e amesma coisa com o preço do gás de cozinha. A água ainda se mantém nos mesmos níveis, mas já prometeram que ela vai aumentar em dois meses”.

Segundo esta ativista comunitária, já começam a aparecer problemas sociais parecidos, “se não iguais”, aos dos países dos Terceiro Mundo. A menos de 500 metros de Brickell, o bairro financeiro da cidade, onde se erguem imponente torres de cimento e vidro, encontra-se a “Pequena Honduras”, uma área de 50 quarteirões onde se concentram os imigrantes da América Central. Ali, as Igrejas, o Exército de Salvação e, em menor medida, os serviços sociais, começam a abandonar o seu trabalho tradicional e transformaram-se, literalmente, na única fonte de alimento de milhares de pessoas.
Uma organização como a “Camillus House”, que depende de fundos privados e é administrada por organizações religiosas, serve todos diariamente cerca de cinco mil refeições em um pequeno edifício no centro da cidade, rodeado por amplos terrenos vazios onde muitos dos pobres da cidade passam a noite ao relento - isso se não chover. Se o clima for inclemente, os sem-abrigo apertam-se debaixo dos alpendres dos edifícios comerciais perto das novas torres habitacionais, próximas e recém-construídas.

A policia já desistiu de mandá-los embora. “Nós temos ordens de afugentá-los. Mas eu não tenho coração para isso. Muitos colegas meus também”, admitiu ao Opera Mundi um polícia da cidade.

Ante a crise, o governo local decidiu cortar muitos dos serviços básicos. Mas o mais impressionante é a falta de coleta de lixo que, em Miami, é um serviço privatizado. Em zonas como a “Pequena Honduras”, já é costume ver o amontoado nas esquinas, pois a coleta foi reduzida por cortes orçamentais.
Contudo, os salários dos funcionários públicos não sofreram reduções. O prefeito do condado de Miami-Dade, Carlos Gimenez, por exemplo, foi eleito com a promessa de não aumentar salários. E cumpriu. Mas de uma forma muito particular. Contratou cinco colaboradores diretos por 255.000 dólares anuais e, como eram novos empregados, não sofreram o corte de 10% que os vereadores impuseram ao resto.
“Eu sempre me faço a mesma pergunta. Por que é que bairro de pobre tem sempre lixo sem recolher e bairro de rico, não”, comentou Hernández.

Mas em Miami a vida é ainda mais miserável por uma razão que Forbes não abordou: a liberdade de expressão.

Em Miami, como em todos os Estados Unidos, cada um pode dizer o que pensa. Mas nem todos estão a ser escutados, nem conseguem fazer valer a sua voz.

Os jornais locais raramente falam dos problemas sociais
. A crise local é sempre abordada de um ponto de vista financeiro e não social. Durante os anos 1990, a organização de direitos humanos America’s Watch, considerou Miami como a pior cidade dos Estados Unidos em matéria de liberdade de expressão. Mas o relatório baseou-se unicamente na dificuldade que os cubanos moderados tem em aceder aos meios de comunicação locais e como eram, e ainda são, hostilizados pela direita radical.
A evolução foi mínima nestes últimos anos, segundo ativistas cubanos atuais que mantêm relações com o governo da ilha. Eles citam a continuação do controle dos meios de comunicação por parte de direita de origem cubana e venezuelana e o medo que a imprensa tem deles.
Mas agora, a censura jornalística vai além da questão cubana. Os problemas sociais desde comunidade de 2,5 milhões de pessoas simplesmente não são abordados pela imprensa local. A pobreza não é manchete de jornais.
A censura é tão forte que a Forbes não menciona o fato e nem a imprensa local deu muito voo às conclusões da revista. Depois de sua publicação, não houve um desenvolvimento do relatório da Forbes. Líderes locais não foram consultados nem o tema foi aprofundado.
“Isso é o resultado da existência no sul da Flórida de um enclave do extremismo radical, com o qual nem os norte-americanos se metem. Têm medo”, afirma Max Lesnik, diretor de um programa de rádio diário da esquerda cubana moderada.

Em sua opinião, a pressão da extrema-direita cubana é tão forte que “conseguiram arrancar do Miami Herald sua liberdade de informar”.

Nos anos 1980 e 1990, o Herald ganhou pelo menos três prêmios Pulitzer por reportagens e investigações de problemas sociais no sul da Flórida.

Aqui em Miami, vivemos num mundo dual, o da Cuba irracional, que responde ao poder político e econômico, e o da  Cuba da imigração e da sensatez. Porque é que a Forbes ia ser diferente da imprensa local? Todo o mundo que passa por aqui ou se rende ou é esmagado”, diz Lesnik.

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