quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A imagem do desespero do povo grego

 UOL, 15/02/2012 - Funcionária da agência governamental Organização de Trabalhadores de Habitação ameaça se atirar de prédio da entidade, no centro de Atenas, na Grécia, após governo decidir fechar a agência devido às medidas de austeridade contra a crise econômica.


A Sentença de Morte da Grécia

Por Mike Whitney, no CounterPunch, em 13.02.2012
Tradução de Heloisa Villela


“Nós estamos diante da destruição. Nosso país, nossas casas, estão a ponto de pegar fogo. O centro de Atenas está em chamas”. (Costis Hatzidakis, parlamentar conservador)
No domingo, o Parlamento grego aprovou uma nova rodada de medidas de austeridade que vão aprofundar ainda mais os cinco anos de depressão e dilacerar as últimas fibras da coesão social. Para assegurar um empréstimo de 130 bilhões de euros, os líderes políticos gregos concordaram em se dobrar ao “Memorando de Entendimento” (MOU) que não somente vai intensificar os sacrifícios dos trabalhadores comuns mas também vai, efetivamente, entregar o controle da economia da nação aos bancos e corporações estrangeiros.
O Memorando é um documento calculado e mercenário como jamais algo foi escrito. E enquanto o foco está  nos cortes profundos nas pensões, no salário mínimo e nos salários do setor privado; existe muito mais nesse mandado oneroso do que se enxerga à primeira vista. O documento de 43 páginas deve ser lido do começo ao fim para que se possa compreender todo o vácuo moral das pessoas que ditam a política na zona do Euro.
A Grécia terá de provar que atingiu todas as metas antes de receber um centavo do dinheiro alocado no programa de socorro financeiro. O Memorando destaca, com muitos detalhes, todas as metas – de redução de gastos com remédios que salvam vidas a “remoção de barreiras à venda de produtos restritos, como comida de bebê”.
Isso mesmo; de acordo com os autores do memorando obscuro, a única maneira através da qual a Grécia poderá sair do buraco é envenenando as crianças com alimentos banidos.
O MOU exige um corte de 10% nos salários do funcionalismo público, cortes nos “fundos de seguro social e nos hospitais”, e mais privatização dos bens públicos. Tudo isso vai reduzir ainda mais o PIB.
Sobre a privatização: “O governo está pronto para oferecer à venda o que ainda possui de controle em empreendimentos estatais, se necessário para atingir os objetivos da privatização. O controle público será limitado a casos de redes críticas de infraestrutura.”
No lugar de fornecer auxílio fiscal para que a Grécia possa cumprir suas metas orçamentárias e se reerguer, a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) está usando a crise para tomar bens vitais do estado e entrega-los às corporações amigas. O MOU está abrindo novas avenidas de exploração e pilhagem. E tem mais:
O governo não vai propor nem implementar medidas que possam infringir as regras de livre movimentação de capitais. Nem o estado ou entidades públicas fecharão acordos com acionistas com a intenção ou efeito de barrar a livre movimentação de capitais ou influenciar a administração ou o controle das empresas. O governo não vai dar início nem apresentar qualquer proposta de teto de votação ou aquisição, e não vai estabelecer qualquer direito de veto desproporcional e não justificável ou qualquer forma de direito especial nas empresas privatizadas.”
Bem, fica muito claro: o capital manda. Os interesses das corporações e dos bancos terão precedência sobre os das pessoas. A proclamação dos limites do papel do governo a um aprovador das ações predatórias dos especuladores, cujo interesse exclusivo é engordar a carteira de seus acionistas.
Também existe um longo capítulo sobre “Reformas Estruturais para Incentivar o Crescimento” que nunca explica como a economia deve se expandir quando as medidas de austeridade estão reduzindo o consumo e os investimentos. Ao contrário, o Memo foca com precisão na remoção de barreiras alfandegárias e no corte de salários. Aqui vai um exemplo:
“Dado que o resultado do diálogo social para promover o emprego e a competitividade deixou a desejar, o governo vai tomar medidas para rapidamente ajustar o custo da mão-de-obra para combater o desemprego e restabelecer o custo de competitividade, assegurar a eficácia das recentes reformas do mercado de trabalho, alinhar as condições trabalhistas das empresas que pertenciam ao estado às condições do restante do setor privado e tornar os acordos sobre a jornada de trabalho mais flexíveis. Esta estratégia deve ter como meta a redução nominal do custo da unidade de mão de obra na economia em 15% entre 2012-2014. Ao mesmo tempo, o governo deve promover suaves negociações trabalhistas em vários níveis e combater a economia informal.”
Você não acha, querido leitor, que se você tivesse recomendado políticas que resultassem em dois anos de recessão severa e desemprego recorde (o desemprego na Grécia, agora, está no pico, em 20,6%), que você ficaria caladinho e admitiria que você decididamente não sabe do que está falando? Não se você fosse ministro das finanças da União Europeia. Você prescreveria as mesmas políticas que falharam em toda parte; as políticas que reduziram o consumo, encolheram a arrecadação do governo, incrementaram o desemprego e aprofundaram a crise. Esse é o tipo de idiotice que se passa como política na zona do euro.
O Memorando também contém uma seção esclarecedora sobre “ambiente de negócios”, que vai de todas as benesses para a indústria ao livre comércio. Aqui, um exemplo típico:
“…[que o governo grego] pare de destinar as cobranças não recíprocas calculadas sobre o preço do combustível em favor do Fundo Mútuo de Distribuição dos Operadores de Prospecção de Combustíveis Líquidos”.
Tilim! Mais boquinhas para os empresários. O documento todo é, assim, um favor às corporações atrás do outro.
“Implementação da lei 3982/2011 sobre a aprovação rápida de licenças para profissões técnicas, atividades manufatureiras e parques de negócios e outras provisões”.
O que isso tem a ver, você perguntaria?
Não tem. Simplesmente mostra o que o MOU realmente é. Uma “lista de desejos” das corporações; uma mistura de políticas punitivas de aperto de cinto para a classe trabalhadora e benesses para as grandes empresas de petróleo, gás, eletricidade, aviação, estradas, comunicações, etc. “Autorização rápida de licenças” e “comida de bebê” não tem nada a ver com ajudar a Grécia a atingir suas metas orçamentárias. É uma piada. Olhe isso:
Memo: “De acordo com os objetivos da política expressa na lei 3919/2011 sobre a regulamentação das profissões, o governo remove todas as barreiras do mercado de táxis… de acordo com as práticas internacionais.”
Então, até mesmo os motoristas de táxi ganham um lugar no balaio? Isso não parece um pouco irrelevante?
Nada disso tem algo a ver com ajudar a Grécia. É apenas pilhagem corporativa desvairada. A Grécia é uma grande piñata que rachou e abriu e todo mundo está se acotovelando para encher a mão de balas.
Memo: “O governo cria uma força tarefa (para) rever a …a administração judicial, incluindo a possibilidade de remover casos inativos dos registros dos tribunais…Seguindo a entrega do plano de trabalho para a redução do acúmulo de casos relativos à cobrança de impostos em todos os tribunais administrativos e tribunais de apelação em janeiro de 2012, o que providencia alvos intermediários para a redução do acúmulo de até 50% até o fim de junho de 2012, ao menos 80% até o fim de dezembro de 2012; para acabar com todo o acúmulo de casos até o fim de julho de 2013, o governo apresenta seu plano até o fim de maio de 2012.”
Se a Grécia quer incrementar a arrecadação, por que restringir a caça à sonegação de impostos? Isso não é contraproducente? Esse é apenas mais um sinal de que o Memo foi desenhado por homens poderosos que operam por trás da capa de seus lacaios políticos.
Memo: “O governo lança o Decreto Presidencial da reforma dos magistrados da justiça criando uma nova estrutura, ocupando postos vagos com formandos da Escola Nacional de Juízes e realocando juízes e pessoal administrativo com base em recursos existentes disponíveis no judiciário grego e na administração pública. [Q4-2012] O governo lança, em conjunto com o corpo de especialistas externos, um estudo dos custos de litígios civis, seu aumento recente e seu efeito no volume de trabalho dos tribunais civis, com recomendações devidas até o fim de Dezembro de 2013.”
Claro; simplesmente deixe grandes financeiras e a elite corporativa “enxugar” o acúmulo de trabalho dos tribunais com seus machados e os processos serão cortados pela metade. O que isso diz a respeito dos homens autores deste texto?
Você pode perceber a farsa que esse chamado Memorando de entendimento realmente é. Ele não vai ajudar a Grécia a sair da depressão em que se encontra, e não vai levar a uma maior integração da zona do Euro. É apenas mais uma refeição para as hienas corporativas.
O que a Grécia precisa é de uma reestruturação radical de suas dívidas. Precisa dar calote nos credores privados, recapitalizar seus bancos e incrementar o auxílio fiscal até que a economia se recupere. Outro pacote de empréstimo não vai ajudar a atingir essas metas. Simplesmente vai adiar o dia do acerto de contas. Seria melhor para todo mundo se o país declarasse uma moratória rapidamente e começasse o processo de sair do buraco agora — e não mais tarde.

Mike Whitney mora no estado de Washington. Ele contribuiu para o livro “Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion”, que sairá pela AK  Press.

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