sábado, 21 de janeiro de 2012

Buracos para tratar usuários de drogas

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O Estadão.com, 21 de janeiro de 2012 

 

Pelo menos dois usuários de drogas são internados à força por dia em SP

 

Adriana Ferraz - O Estado de S. Paulo
 

SÃO PAULO - Enquanto se discute na esfera judicial se a internação compulsória de viciados em crack é válida ou não, pelo menos 5.103 dependentes desta e de outras drogas foram internados de forma involuntária em São Paulo nos últimos oito anos. Na média, são quase dois por dia. Levantamento inédito obtido pelo Estado revela que, contando outras doenças psiquiátricas, esse número pula para 32.719 casos.
 
Clínica Monte Rey, em Juquitiba. Pacientes fazem oração de mãos dadas antes da refeição - Nilton Fukuda/AE
Nilton Fukuda/AE
Clínica Monte Rey, em Juquitiba. Pacientes fazem oração de mãos dadas antes da refeição
 
A maior parte dos pacientes involuntários apresenta diagnóstico de psicose, esquizofrenia e dependência química provocada por álcool e drogas - doenças diretamente associadas, segundo especialistas, que somam mais de 20 mil casos. Na lista, há relatos de transtornos causados por crack, cocaína, heroína e maconha entre usuários de até 60 anos, incluindo adolescentes.
Os dados são do Ministério Público Estadual, que deve ser notificado quando a internação involuntária ocorre mediante aprovação da família em um prazo máximo de 72 horas. A regra vale para qualquer diagnóstico, relacionado ou não ao uso de álcool e drogas.
Apesar de polêmica, a medida é considerada legal em todo o País desde abril de 2001, a partir da publicação da Lei 10.216, que permite que parentes de sangue optem pelo tratamento mesmo sem consentimento do paciente. A legalidade da internação, no entanto, depende da apresentação de um laudo médico, assinado por um psiquiatra.
A exigência médica - aliada à regra que proíbe que o tratamento involuntário seja solicitado por maridos e mulheres - promove, segundo representantes do Ministério Público, uma subnotificação, especialmente entre pacientes com alto poder aquisitivo, que podem pagar clínicas particulares.
Responsável pelo controle dos dados, o promotor de Justiça Mário Coimbra afirma que um número muito maior de pessoas passa ou já passou por internações contra vontade na capital e em outras cidades do Estado. "Isso ocorre porque as clínicas clandestinas que afirmam tratar dependentes químicos se proliferam no Estado. Elas não fazem a notificação obrigatória quando recebem um paciente internado de forma involuntária porque são irregulares, não têm estrutura física ou médica e, muitas vezes, nem tratamento oferecem", diz Coimbra, que coordena o Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva da Saúde Pública.
O promotor defende a criação de uma legislação específica que regule o trabalho dessas instituições, a fim de evitar que familiares se iludam com propagandas enganosas e pacientes sejam maltratados durante a internação. "Temos de promover uma ampla discussão sobre o tema, que determine novas condições de fiscalização. O Ministério Público não tem como atuar sozinho", afirma Coimbra.




Sexta-Feira, 20 de Janeiro de 2012

Buracos para tratar usuários de drogas


Maria Inês Nassif



As comunidades terapêuticas destinadas ao tratamento (por internação) de usuários de drogas, em geral, não passam pelo crivo do artigo 5° da Constituição, que enumera exaustivamente os direitos fundamentais da pessoa humana. A começar pelo direito de credo. Das 68 instituições visitadas em inspeção realizada em setembro do ano passado pelo Conselho Nacional de Psicologia, 29 de declararam evangélicas, 9 católicas, 1 espírita e 13 se declararam religiosas, sem especificar, contudo, qual a religião abraçada. No total, 35 assumiram que a religião é a base do tratamento para usuários de álcool e outras drogas. "A maioria adota a opção pelo credo, pela fé religiosa como recurso de tratamento", conclui o Conselho.

Segundo o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos - locais para internação dos usuários de drogas -, a violação dos direitos humanos nessas instituições é uma regra. "Há claros indícios de violação dos direitos humanos em todos os relatos. De forma acintosa ou sutil, esta prática tem como pilar a banalização dos direitos dos internos", diz o relatório. A lista é extensa: "interceptação e violação de correspondências, violência física,
castigos, torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência de exames clínicos, como o anti-HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória dos familiares, violação da privacidade, entre outros, são ocorrências registradas em todos os lugares
".

No caso das instituições com vínculos religiosos, existe contrangimento para que os internos participem das atividades religiosas. Existem, em regra, poucos profissionais de Saúde; nas instituições declaradamente religiosas, os internos ficam aos cuidados de religiosos, "obreiros" ou ex-usuários convertidos.

Segundo relato colhido nas instituições visitadas, há um vasto histórico de maus-tratos físicos e humilhações. "Encontra-se registrada a adoção de métodos de tortura como, por exemplo: internos enterrados até o pescoço; o castigo de beber água de vaso sanitário por haver desobedecido uma regra ou, ainda, receber refeições preparadas com alimentos estragados, além do registro de internos que apresentavam, no momento da inspeção, ferimentos e sinais de violência física.

Um dos relatos mais impressionantes é sobre a instituição católica Comunidade Terapêutica Marta e Maria, no Rio Grande do Sul. Lá, no caso de uma interna, com filho, resolver interrromper a internação, é simplesmente suprimido o direito de guarda da mãe e a criança é dada em adoção. Outro relato contundente é sobre a técnica terapêutica da Clínica La Ravardiere: há o uso de eletrochoques em pacientes com crises de abstinência.

Aliás, o descaso com a abstinência do usuário de droga é outro problema generalizado. "A regra" é "esperar passar" ou "convocar a família para buscar socorro", diz o relatório. "Tal posição deixa os internos expostos ao risco de morte, pois a situação exige, nos casos mais graves, intervenção e cuidados rápidos".

A "laborterapia", parte do tratamento de usuários declarado por essas instituições, na interpretação do CFP, "assume caráter análogo ao trabalho escravo". "A suposta laborterapia resurge como conceito que justifica a utilização de mão de obra não remunerada, tornando mais lucrativa a atividade institucional". No entendimento do Conselho, "trabalho é direito e, como tal, deve ser respeitado. Caso contrário, é violação de direito, não tratamento".

A outra restrição do relatório ao tratamento dado pelas instituições aos usuários de drogas é a prática de afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias, em função da internação. "Ao afastá-los de seus vínculos, a sociedade contribui para a fragilização dos laços afetivos e, consequentemente, reforça a institucionalização como saída".

Por fim, o CFP chega à conclusão de que a única vantagem para os ricos submetidos a esse tipo de tratamento, em relação aos pobres, é a hotelaria. "Mas, para ambos, pobres e ricos, o pressuposto da exclusão e do banimento da vida coletiva como regra, além, é claro, da reificação da saúde, já que tais práticas se propõem a ser cuidado de saúde, em objeto mercantil".

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