sábado, 24 de dezembro de 2011

O FMI chegou a Europa

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   2011/2012: ELES  VÃO DOBRAR  A APOSTA

Os sinais são de uma coerência inquietante. Se a crise ficar sob a administração de quem maneja as decisões atualmente - em geral, e não por acaso,  os mesmos que produziram a deriva mundial -  colheremos em 2012 os efeitos de uma  tentativa de dobrar a aposta no arsenal ortodoxo para ressuscitar o defunto por ele  produzido. O modelo em obras tem sua oficina mais aplicada na Europa; frau Merkel é  a supervisora tenaz. A fórmula se ancora num tripé  de patas pesadas que esgoelam o pouco que restou de pescoço keynesiano no esqueleto do  bem-estar social europeu. A saber:  I) engessa os Estados com restrições constitucionais ao manejo do déficit público como instrumento de política econômica.O objetivo passa a ser um déficit de 0,5% do PIB, ladeado de privatizações maciças para ajudar no ajuste fiscal, o que estreita ainda mais o repertório de ferramentas de crescimento; II) salva-se a banca, mas sem condicionalidades que assegurem a destinação anti-cíclica das gigantescas transferências de recursos do contribuinte às tesourarias, feitas pelo BCE ; III) alguém tem que pagar a conta em última instância: aciona-se um arrocho social e trabalhista furioso.
Nesse quesito, Portugal avulta uma determinação de raízes salazaristas. Impedido de manejar o câmbio por  conta da camisa de força do euro, o premiê Pedro Passos Coelho não hesitou em tomar em espécie a produtividade requerida pela concorrência global. Ademais de eliminar descansos tradicionais, acrescentou meia-hora semanal de labor gratuito dos assalariados ao patronato. Tudo somado, ofertou quase um mês de mais-valia-absoluta à contabilidade capitalista portuguesa: 23 dias de batente duro sem um centavo de contrapartida no holerite.
Se esse frankenstein de século XIX com XXI ficar de pé, ordenará a baldeação para o abismo: Estados fiscalmente catatônicos; mão-de-obra espoliada e banca sustentada por contribuintes esfolados no bolso e no acesso aos serviços públicos. Uma boa receita para a estagnação,exceto se as ruas e as urnas - França e Alemanha tem eleições em 2012 -  virarem o jogo.


O FMI chegou a Europa

 

João Sicsu

Em 2011, a crise explodiu na Europa. A dívida dos países europeus já havia aumentado em 2009 porque o setor público teve que “estatizar” a dívida privada do seu sistema financeiro: bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta. Ao mesmo tempo, na Europa, famílias vinham se endividando para alcançar um modelo de consumo assemelhado ao “American way of life” (o modo de vida americano pré-crise, onde felicidade era sinônimo de consumo de bens de última geração).

Então, os bancos europeus passaram a financiar casas de luxo e automóveis de tecnologia sofisticada. A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”. Portugueses pobres e negros passaram a valorizar e a usar Nike. Carros Porsche, Audi, Mercedes, BMW e Volvo de alto luxo se tornaram comuns nas ruas da Europa. Ademais, governos da periferia européia importaram produtos bélicos sofisticados.

Para financiar o gasto da periferia, bancos se endividavam junto a outros bancos. E muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam. A Alemanha incentivou esse processo onde bancos assumiam uma postura arriscada e pessoas e governos se endividavam. Lógico: 2/3 das suas exportações vão para a região da União Européia.

Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa. A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa.

Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos. Assim, euros, na forma de lucro e juros, eram transferidos da periferia para o centro da Europa. O enfraquecimento econômico da periferia representou também o seu enfraquecimento político: foi aberto o caminho para a substituição de governantes e para a rejeição de consultas populares.

As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. Afinal, tiveram que socorrer bancos e tomar emprestado euros para garantir o equilíbrio das suas contas externas. Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada.

Tudo começou na periferia; mas, hoje, o mundo já reconhece que a contaminação é geral: Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, França... De julho de 2008 a dezembro de 2009, a relação dívida/PIB da zona do euro saltou de 70 para 80%. Este foi um período de recessão na Europa e de queda na receita pública. Em 2010, a razão dívida/PIB alcançou 85%.

A situação de países como a Grécia é conhecida na história econômica mundial: um país com elevada dívida pública e déficit comercial com o exterior. Para esses casos, o FMI - desde o início das suas atividades, já com postura conservadora – impunha uma fórmula bastante peculiar. Um país deficitário na sua balança comercial e endividado, para receber os empréstimos de socorro do Fundo deveria cortar gastos públicos de forma drástica, o que resolveria os dois problemas econômicos.

O corte de gastos reduziria os déficits das contas do governo e, em consequência, contribuiria para a estabilização da dívida pública. Além disso, o corte de gastos públicos reduziria a capacidade de compra da população e, portanto, reduziria também a demanda por produtos importados contribuindo para o equilíbrio comercial com o exterior.

Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais. Para o FMI, o receituário de políticas econômicas não era suficiente.

O FMI foi a principal organização de defesa e implementação das reformas estruturais propostas pelo Consenso de Washington (de 1989). A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil.

Os países europeus que vão se curvar ao FMI e os que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.
(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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