terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O desamparo como método de dominação

O desamparo como método de dominação


Por Saul Leblon


As manifestações de pesar dos norte-coreanos pela morte do dirigente Kin Jong-il chocam pelo déficit de democracia implícito em cenas que lembram rituais de seitas obscurantistas, verdadeiras máquinas de expropriação do discernimento humano lubrificadas para subjugar e iludir.

O intercurso entre métodos religiosos e autocráticos não é novo. O que talvez exacerbe a nossa sensibilidade é o contraste entre essas imagens e a natureza predominantemente asséptica e gerencial do poder e da política sob a supremacia das finanças desreguladas. Há barbárie nas duas pontas.

Quem sentiria sincero pesar pelo falecimento de um desses gerentes de aluguel, que se relacionam com o povo e a história com a mesma humanidade que um software cuida do fluxo de peças de um almoxarifado? Política é economia concentrada. Mas com uma pequena diferença: os impulsos autossuficientes e destrutivos que caracterizam o regime de produção de mercadorias tem nela um filtro de carne, osso e discernimento histórico.

Por isso, a política de um modo geral, mas sobretudo aquela encarnada em valores humanistas, incomoda cada vez mais ao dinheiro e aos endinheirados, cumprindo o dispositivo midiático a tarefa de desqualificá-la com estigmas de motivação autoexplicativa, ao mesmo tempo em que louva tecnocratas a serviço dos mercados.

Às vezes, a truculência do jogo desconcerta os próprios protagonistas incumbidos de administrá-lo com a frieza de um azulejo branco de banheiro. O curto-circuito não muda o placar, mas é ilustrativo da massa de sofrimento e arbítrio mobilizada para a preservação de um sistema que, sob a dominância financeira, consolidou-se como uma engrenagem completamente hostil aos valores da vida e da civilização.

Encarregada em recente pacote do tecnocrata Mario Monti, de explicar o arrocho sobre idosos e aposentados na Itália, a ministra do Trabalho, Elsa Fornero, não conseguiu adicionar argumentos à palavra 'sacrifício', que as lágrimas a impediram de pronunciar. Seu choro e as lágrimas vertidas por Kin Jong refletem a mesma orfandade diante de sistemas que massacram a existência humana, oprimindo-a até consumar o desamparo absoluto como método de dominação.
 
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O Estadão.com, 16 de dezembro de 2011

Cartas ameaçadoras são enviadas a premiê e políticos italianos
REUTERS

O primeiro-ministro italiano, Mario Monti, outras autoridades políticas e editores de jornais receberam cartas ameaçadoras e balas inseridas dentro dos envelopes em resposta às medidas de austeridade adotadas pelo governo, disse a polícia nesta sexta-feira.
No mais recente episódio de cartas de intimidação enviadas pelo correio na Itália, a polícia disse ter interceptado dez envelopes no centro de triagem em Catanzaro, na região sul da Calábria.
Cada envelope continha uma bala e uma carta assinada por um grupo, autodenominado Movimento Proletário Armado, com insultos e ameaças por causa das medidas de austeridade aprovadas, disse um porta-voz do governo. Investigadores disseram que o grupo era antes desconhecido.
O governo italiano obteve um voto de confiança na câmara baixa do Parlamento nesta sexta-feira para um pacote de austeridade de 33 bilhões de euros (43 bilhões de dólares), incluindo cortes nos gastos, aumento de impostos e reformas na previdência com o objetivo de preservar as finanças públicas e acalmar a crise de dívida na Europa.
A ministra do Bem-Estar Social, Elsa Fornero, que detalhou os cortes previdenciários nas últimas semanas, o ex-premiê Silvio Berlusconi e o líder do Partido Democrata, Pier Luigi Bersani, eram alguns dos destinatários das cartas, segundo a polícia.
Outras correspondências foram enviadas aos editores dos principais jornais italianos, incluindo o Corriere della Sera e o La Repubblica.
Promotores locais abriram uma investigação sobre as cartas, que não tinham selos quando foram interceptadas.
A polícia aumentou seus esforços de monitoramento depois que um grupo anarquista italiano assumiu responsabilidade por duas cartas-bombas na semana passada. Uma delas causou ferimentos nas mãos e nos olhos de um funcionário da Receita italiana. Ele perdeu parte de um dedo.
(Reportagem de Roberto Landucci)

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