sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sem um pio de espanto. Ou de decência



COMEÇA O CICLO DOS GOVERNOS DE UNIÃO NACIONAL
 

Quando o poder coercitivo da lógica de mercado se torna incomodamente visível, e já não é mais possível evitar que a crise escape aos controles sem assumir claramente a dominação sobre a sociedade, ressurge automaticamente a bandeira da 'união nacional'. É ela que ocupa o vácuo político escavado pelos mercados na Grécia e na Itália nesse momento. Epicentros da crise global do neoliberalismo, o esfarelamento dos dois Estados, um pobre e um rico, evidencia que não se vive um problema de 'periferias' disfuncionais.

O que se desmancha é o sistema
instituído a partir da desregulação absoluta concedida pelos liberais ao capital financeiro nos últimos 30 anos
. Quando o assoalho range no palácio e o caos ruge na rua é a hora da renovação. O terno e a faixa estão prontos, cortados e alinhavados pelos alfaiate das finanças. Busca-se o manequim para o arremate final. De preferência, um burocrata elástico,'a-político', afeito à arte de rechear o abismo com vento,  mas duro o suficiente para barrar novas eleições, legitimar a repressão às ruas e assegurar a aplicação do programa necessário à solvência das dívidas contraídas junto à banca e aos rentistas. Enfim, um genuíno rosto da crise para renovar a cena num momento em que os protagonistas verdadeiros começam a se expor demasiado entre a sombra e a luz. Começou o ciclo dos governos de união nacional. Sob o comando das finanças e o açoite dos mercados.



 
 


Juros: A Itália e o Brasil. A mídia e os tucanos


Por Saul Leblon


Jogada nas cordas pelos mercados, ameaçada de insolvência, obrigada a destituir il Cavalieri porque nem alguém com a desenvoltura moral de um Berlusconi dá conta de cumprir o arrocho requerido pelo diretório financeiro europeu, a Itália gastará este ano cerca de 4,8% de seu PIB, 76 bilhões de euros com o pagamento de juros aos rentistas da dívida. Em reais, isso significa R$ 182,5 bilhões.

O Brasil, nesse mesmo quesito, gastará 5,5% do PIB este ano; ou cerca de R$ 226 bilhões para honrar o serviço da dívida pública. Portanto, R$ 43,5 bilhões mais do que o alquebrado Tesouro italiano. Não é pouca a diferença. Trata-se de soma suficiente para financiar quase dois anos e meio de Bolsa Família, o programa de transferência de renda que beneficia 50 milhões de brasileiros mais pobres.

Em 31 de agosto, o governo Dilma, ancorado numa percepção correta de agravamento do quadro mundial, cortou a taxa de juro pela primeira vez em seu mandato. O dispositivo midiático-tucano reagiu então, como disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em debate promovido por Carta Maior, entre 'indignado e estupefato'.

Em 28 de setembro, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, declarou ao jornal Valor Econômico que considerava a decisão do BC 'precipitada'. Expoentes menores mas igualmente aplicados na defesa dos mercados autorreguláveis, como o economista de banco Alexandre Schwartzman, já haviam se manifestado na mesma linha da percepção tucana das coisas. Em sua douta análise dos fatos, veiculada em 4-09, Alexandre Schwartzman, também conhecido como 'o professor de Deus' pontificou em pedra e cal:" não há indícios de que a crise econômica global de 2011 seja tão grave quanto a de 2008". Que não o ouçam os 16 milhões de desempregados europeus.

Outros sábios de bico longo e o mesmo olhar de lince, como Luis Carlos Mendonça de Barros, o Mendonção, ex-presidente do BNDES e expoente das privatizações no sistema de comunicações na gestão FHC, consideravam, até a semana passada, que o BC brasileiro ficou refém de um agravamento da crise mundial que justificasse a sua decisão." "O BC passou a torcer pela crise", diziam, argüindo a estratégia brasileira de priorizar o enfrentamento da crise e não o combate a inflação, que tenderia a recuar por conta do desaquecimento econômico global.

Bem, a economia mundial hoje está no seguinte pé, segundo um leque de avaliações mais ecumênicas: "A crise é gravíssima. A economia mundial está à deriva" (Paulo Nogueira Batista Junior; Estadão -7-11); "A situação da economia mundial tem todos os ingredientes para continuar se agravando" (Delfim Netto -Valor 08-11);"A economia mundial corre o risco de cair numa espiral descendente de incerteza e instabilidade financeira e ter pela frente uma década perdida" (Christine Lagarde, diretora- gerente do FMI; agencias 10-11).

Ademais, todos os índices de preços mostram recuo e perda de fôlego. Sugestivamente, a mesma cepa de opinião que classificava como 'precipitado' o corte na Selic até a semana passada, agora cobra do governo cortes maiores; o dispositivo midiático-conservador anota e repercute; sem um pio de espanto. Ou de decência.


Sexta-Feira, 11 de Novembro de 2011

Os banqueiros não desistem


Mauro Santayana

A Europa entrou em um vácuo político, e os banqueiros estão assumindo o poder em lugar dos líderes fracos e acovardados, que, desprovidos de inteligência e legitimidade, não souberam conduzir o processo. Tanto na Itália, quanto na Grécia - em nome da racionalidade técnica, que bem conhecemos aqui - são notórios serviçais do sistema financeiro internacional os escolhidos, para intervir nos governos nacionais, pelo Goldman Sachs, mediante o Banco Central Europeu.

Sua missão é simples: pagar aos bancos credores a dívida dos dois países. Para reunir os recursos necessários, a receita é velha, e nós também a conhecemos, quando economistas medíocres do FMI nos visitavam e cortavam, nos orçamentos nacionais, os investimentos sociais, a fim de que sobrassem recursos para a rolagem da dívida externa.

Os novos chefes de governo, tanto na Itália, quanto na Grécia, são interventores dos grandes credores internacionais que, à revelia dos governos europeus, criaram um comitê paralelo para cuidar do assunto. Os políticos foram simplesmente descartados, e, em seu lugar, participam do comitê os dirigentes dos bancos centrais, sob a chefia formal do Banco Central Europeu, mas sob o comando real do Goldman Sachs.

O Goldman Sachs, fundado em 1869, no momento em que começavam a surgir as grandes empresas petrolíferas norte-americanas, pelo banqueiro Marcus Goldman, é hoje o maior banco de investimentos no mundo. Cuida dos ativos financeiros dos grandes estados, das mais poderosas empresas e das famílias mais ricas do planeta.

Mário Monti – a menos que Berlusconi ainda surpreenda mais uma vez – assumirá o governo italiano. É velho empregado do Goldman Sachs, e seu principal conselheiro para assuntos europeus. Um eurocrata, que, entre outras missões, cuidou dos assuntos de concorrência na União Européia e propôs o esquartejamento de todas as grandes empresas estatais e a privatização dos retalhos. Lukas Papademos, o novo premiê grego, foi presidente do Banco Central grego, de 1994 a 2002, e vice-presidente do Banco Central Europeu, de 2002 a 2010.

Mais importante do que essas ligações, ambos são membros históricos da famosa Comissão Trilateral, fundada em 1973, por iniciativa do banqueiro David Rockefeller, constituída de personalidades do mundo financeiro e acadêmico dos países da Europa Ocidental, da América do Norte (isto é, dos Estados Unidos e do Canadá) e do Japão, a fim de submeter o mundo aos seus interesses. Foram a Comissão Trilateral e o Clube de Bilderbeg que, antes que Margareth Thatcher e Reagan assumissem o poder, delinearam o projeto do cerco ao sistema socialista; o fim do estado de bem-estar social no mundo; a ditadura do mercado, mediante o neoliberalismo e a globalização, sob o comando dos grandes bancos.
Além disso, ambos são igualmente membros do Grupo de Bilderberg, que, desde 1954, se reúne anualmente, a fim de combinar sua ação estratégica a fim de “governar” o mundo, conforme coincidem todas as informações. O grupo, do qual são membros ativos, desde então, os sucessivos presidentes do Goldman Sachs, conta com a participação de norte-americanos como Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld, Bill Gates, Bill Clinton e Condoleeza Rice, entre outros. Todos os encontros e decisões são rigorosamente secretos.

Enquanto os estados nacionais não exercerem diretamente o controle de suas finanças, e de suas relações econômicas internacionais, as crises, a desigualdade, as guerras, o desemprego, a miséria e a rapina dos países débeis continuarão assolando a humanidade. Para que se incluam na sociedade humana os marginalizados de hoje, é preciso dela excluir os verdadeiros marginais: os grandes banqueiros privados e seus poderosos clientes.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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