terça-feira, 1 de novembro de 2011

A falta de "elegância"

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Segunda-Feira, 31 de Novembro de 2011

Guia de boas maneiras na política. E no jornalismo


Maria Inês Nassif

A cultura de tentar ganhar no grito tem prevalecido sobre a boa educação e o senso de humanidade na política brasileira. E o alvo preferencial do “vale-tudo” é, em disparada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por algo mais do que uma mera coincidência, nunca antes na história desse país um senador havia ameaçado bater no presidente da República, na tribuna do Legislativo. Nunca se tratou tão desrespeitosamente um chefe de governo. Nunca questionou-se tanto o merecimento de um presidente e Lula, além de eleito duas vezes pelo voto direto e secreto, foi o único a terminar o mandato com popularidade maior do que quando o iniciou.

A obsessão da elite brasileira em tentar desqualificar Lula é quase patológica. E a compulsão por tentar aproveitar todos os momentos, inclusive dos mais dramáticos do ponto de vista pessoal, para fragilizá-lo, constrange quem tem um mínimo de bom senso. A campanha que se espalhou nas redes sociais pelos adversários políticos de Lula, para que ele se trate no Sistema Único de Saúde (SUS), é de um mau gosto atroz. A jornalista que o culpou, no ar, pelo câncer que o vitimou, atribuindo a doença a uma “vida desregrada”, perdeu uma grande chance de ficar calada.

Até na política as regras de boas maneiras devem prevalecer. Numa democracia, o opositor é chamado de adversário, não de inimigo (para quem não tem idade para se lembrar, na nossa ditadura militar os opositores eram “inimigos da pátria”). Essa forma de qualificar quem não pensa como você traz, implicitamente, a ideia de que a divergência e o embate político devem se limitar ao campo das ideias. Esta é a regra número um de etiqueta na política.

A segunda regra é o respeito. Uma autoridade, principalmente se se tornou autoridade pelo voto, não é simplesmente uma pessoa física. Ela é representante da maioria dos eleitores de um país, e se deve respeito à maioria. Simples assim. Lula, mesmo sem mandato, também o merece. Desrespeitar um líder tão popular é zombar do discernimento dos cidadãos que o apoiam e o seguem. Discordar pode, sempre.

A terceira regra de boas maneiras é tratar um homem público como homem público. Ele não é seu amigo nem o cara com quem se bate boca na mesa de um bar. Essa regra vale em dobro para os jornalistas: as fontes não são amigas, nem inimigas. São pessoas que estão cumprindo a sua parte num processo histórico e devem ser julgadas como tal. Não se pode fazer a cobertura política, ou uma análise política, como se fosse por uma questão pessoal. Jornalismo não deve ser uma questão pessoal. Jornalistas têm inclusive o compromisso com o relato da história para as gerações futuras. Quando se faz jornalismo com o fígado, o relato da história fica prejudicado.

A quarta regra é a civilidade. As pessoas educadas não costumam atacar sequer um inimigo numa situação tão delicada de saúde. Isso depõe contra quem ataca. E é uma péssima lição para a sociedade. Sentimentos de humanidade e solidariedade devem ser a argamassa da construção de uma sólida democracia. Os formadores de opinião tem a obrigação de disseminar esses valores.
A quinta regra é não se deixar contaminar por sentimentos menores que estão entranhados na sociedade, como o preconceito. O julgamento sobre Lula, tanto de seus opositores políticos como da imprensa tradicional, sempre foi eivado de preconceito. É inconcebível para esses setores que um operário, sem curso universitário e criado na miséria, tenha ascendido a uma posição até então apenas ocupada pelas elites. A reação de alguns jornalistas brasileiros que cobriram, no dia 27 de setembro, a solenidade em que Lula recebeu o título “honoris causa” pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, é uma prova tão evidente disso que se torna desnecessário outro exemplo.

No caso do jornalismo, existe uma sexta regra, que é a elegância. Faltou elegância para alguns dos meus colegas.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.



As tensões da política


Por Mauro Santayana


Os médicos ouvidos nestes últimos três dias debitam ao fumo e ao álcool a enfermidade que castiga Lula. As terríveis verdades são muitas, como as cabeças da hidra. A enfermidade, desde Hipócrates, tem sido vista como o resultado de um conflito. Em primeiro lugar, há o conflito entre o desenho evolutivo do homem e sua construção individual. As descobertas recentes mostram que esse conflito se inicia na combinação genética. Mas é preciso também ver a doença, como indicam outros estudiosos, no confronto entre o organismo e o ambiente, como atestam as doenças profissionais. O ambiente não é só o físico, com as alterações do clima e a poluição. Mais duro talvez seja o ambiente da vida em comum – a circunstância moral em que os homens se movem.

No caso dos homens públicos, as pressões do dia-a-dia e as noites indormidas,  nas duras exigências da política, costumam ser fatais. Essas pressões, quando as saídas se estreitam, podem levar muitos ao suicídio, como ocorreu a Getúlio Vargas, em 1954, a José Manuel Balmaceda, do Chile em 1891, e provavelmente a Allende, em 1973. No caso, essa fatalidade costuma ser indiferente às questões éticas. Tanto podem levar ao suicídio as grandes causas quanto a demência, como ocorreu a Nero, entre outros.

Normalmente, essas tensões  são indutoras de enfermidades graves. Em nossa contemporaneidade – à parte casos suspeitos, como os da morte de Jango, Lacerda e Juscelino – assistimos ao sofrimento e ao fim de Teotônio Vilela, Mário Covas, Quércia, José Alencar,  e Itamar Franco, todos eles atingidos pelo traiçoeiro, como ao câncer se referiu outra de suas vítimas, José Aparecido de Oliveira. Com Itamar, que estava em seu momento mais alto da vida, a leucemia foi mais cruel, não lhe dando muita chance para a luta. José Aparecido estava fora do poder, mas as vicissitudes dos últimos anos, quando viu a grande criação de sua vida política – a CPLP – estiolada pela sabotagem do governo Fernando Henrique – devem ter contribuído para a vitória do traiçoeiro.

O caso de Tancredo – que poderia ter exercido a Presidência,  não fossem os erros médicos, tão toscos que levam à suspeição – foi de outra etiologia e diferente patologia, mas é  evidente que as duras tensões acumuladas, ao longo da vida, contribuíram para que o seu organismo fosse menos resistente, naqueles 38 dias fatais.

Naqueles sete meses, que vão de 14 de agosto de 1984 – quando deixou o governo de Minas – à véspera da frustrada posse na Presidência, Tancredo foi exposto a pressões que nenhum outro político brasileiro sofrera. Elas foram quase intoleráveis, nas articulações para a consolidação  da Aliança Democrática e, em seguida à eleição, na formação do Ministério. Testemunha daqueles dias finais, em que as tensões se fizeram mais duras, sei que os constrangimentos – por mais resistente ele fosse – ajudaram a arranhar-lhe os nervos, debilitar suas células e provocar o intenso conflito entre a força de seu caráter e as injunções da inesperada enfermidade.

A História está repleta desses dramas. O caso de Evita Perón é um deles, o de Kirchner, outro. Antes deles, também na Argentina, houve Yrigoyen, o pioneiro da política antiimperialista continental e hoje esquecido. O grande presidente, o primeiro a nacionalizar o petróleo, com a criação do YPF, foi destituído em sua segunda presidência – tal como Vargas, pelas pressões da Standard Oil, e tal como Vargas, com a traição de generais a serviço de Washington. É bom anotar que o YPF, a Petrobrás argentina, assumiu o monopólio do mercado do petróleo em 1º de agosto de 1930, e em 6 de setembro o general Uriburu deu o golpe de Estado. Yrigoyen não se matou, mas foi confinado na Ilha de Martin Garcia, onde  a depressão lhe corroeu a saúde, para matá-lo em 1933. Eva pode ter sido, e foi, a adolescente sonhadora, que se aproximou de um homem poderoso e o tornou mais poderoso ainda, instigando-o com sua própria determinação e coragem. Uma vez no poder, ela recuperou a ligação com o povo a que pertencia, como filha bastarda de um capataz de fazenda e de uma dona de pensão, e neta de  carroceiro basco e de uma vivandeira, durante a guerra de extermínio contra os índios do norte, movida pelo general Julio Roca. No poder, ela se confrontou não só com os inimigos de Perón, mas também com correligionários do general, que não suportavam a sua influência ideológica. Foram pressões fortes, algumas talvez do próprio Perón, que alimentaram o câncer que a matou.

Estamos agora assistindo à resistência de Hugo Chávez à doença. Seus inimigos exultam e esperam. Seus partidários temem o pior, mas é certo que ele vem lutando com coragem, como lutaram, e lutam os nossos.

Felizmente, uma providencial dor de garganta levou Lula aos médicos, e as suas chances de cura são iguais às que ajudaram Dilma, que venceu a enfermidade e está em plena e bem conduzida atividade como presidente da República – uma república que, de acordo com a síntese dura de Jânio Quadros, “está, desde Deodoro, sob o signo do infortúnio”. Mas não há dúvida que, também em seu caso, as tensões atuaram a fim de abrir-lhe o corpo à doença.

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