domingo, 30 de outubro de 2011

Brasil volta a ser um país de imigrantes


O Globo.com, 29/10/2011 às 19h09m


Onda estrangeira

Crise global e crescimento do país fazem número de imigrantes crescer 52% no ano, superando 2 milhões


Gilberto Scofield Jr. (gils@oglobo.com.br) e Marcelle Ribeiro (marcelle@sp.oglobo.com.br)

SÃO PAULO - Depois de duas décadas exportando mão de-obra brasileira para o mundo - uma linguagem técnica para descrever o movimento migratório de brasileiros que deixaram o país em busca de emprego e melhores condições de vida lá fora -, o Brasil volta a ser um país de imigrantes, resgatando uma característica de sua História que parecia perdida após anos de crises econômicas. Levantamento do Ministério da Justiça mostra que a quantidade de estrangeiros vivendo no Brasil - trabalhando, estudando ou simplesmente acompanhando seus cônjuges - superou, pela primeira vez em 20 anos, o número de brasileiros que deixam o país para viver no exterior pelos mesmos motivos.
Segundo o Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, o número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou em 52,4% nos últimos seis meses, e continua crescendo este semestre. Até junho de 2011, o Brasil tinha 1,466 milhão de estrangeiros, contra 961.877 em dezembro de 2010. A concessão de vistos de permanência cresceu 67% de 2009 para 2010, enquanto os processos de naturalização dobraram: de 1.056 para 2.116.
Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de imigrantes em situação irregular no país, mas os principais institutos e ONGs que trabalham com imigrantes no Brasil calculam esse número em 600 mil, o que levaria o total de estrangeiros morando hoje no Brasil para mais de dois milhões. O crescimento desse grupo também é grande. Segundo a maior instituição de apoio aos imigrantes irregulares no país - o Centro Pastoral dos Migrantes, em São Paulo -, a Casa do Migrante hospedou 477 pessoas em 2010 (267 da América do Sul), alta de 76% em relação a 2009. Este ano, no primeiro semestre, o avanço já chega a 84%.
Total de brasileiros lá fora cai à metade
A explosão de entrada de estrangeiros no país (imigração) contrasta com o encolhimento na ida de brasileiros para o exterior (emigração). O ministério estima que hoje dois milhões de brasileiros vivam no exterior, uma queda radical em comparação a 2005, quando eram quatro milhões. A razão para a balança migratória ter mudado de lado é econômica, explica o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão. O crescimento da economia brasileira, aliado às crises que afetam os três maiores polos de desenvolvimento mundial - EUA, Europa e Japão - transformaram o país num ímã de mão de obra legal e ilegal.
- Com esse movimento migratório econômico, o Brasil voltou a ser um país de imigração e não mais de emigração. E à medida que o país vai enriquecendo, a questão da imigração vai se tornando cada vez mais importante - diz Abrão.
Apesar disso, dizem representantes das organizações e universidades que estudam o assunto, o governo não tem uma política para lidar com o tema.
- A anistia concedida aos imigrantes em 2009 foi importante, mas não resolve um problema que é basicamente de mercado de trabalho - diz o professor Helion Póvoa Neto, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios da UFRJ. - Com o assunto disperso entre vários ministérios, acaba que os imigrantes só são visíveis quando a Polícia Federal, um órgão de governo preocupado com segurança, investiga algum caso criminoso de trabalho escravo ou tráfico de pessoas.
Entre os imigrantes legais, os maiores grupos são os de origem portuguesa, boliviana, chinesa e paraguaia, nesta ordem. Entre os irregulares, tomando como base os registros de estrangeiros que aproveitaram a anistia concedida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009 - quem estivesse em situação irregular poderia pleitear um visto provisório e, em dois anos, regularizar sua situação -, os maiores grupos são os bolivianos (40% do total de cerca de 47 mil vistos provisórios emitidos), chineses (13%), peruanos (11%), paraguaios (10%) e coreanos (3%).
O empresário Miguel Assis, de 32 anos, ajuda a engrossar os números dos que deixaram Portugal para redescobrir o Brasil. Há sete meses morando em São Paulo com a mulher, ele veio abrir empresa de eventos, ampliando seus negócios de Portugal.
- A economia do Brasil está crescendo. Há empresas internacionais que olham para o Brasil com outros olhos, e muitas já eram nossas clientes em Portugal. Elas pediam para a gente vir para o Brasil, abrir uma unidade aqui - diz Assis.
Assis criou até uma comunidade no Facebook que reúne 780 portugueses que moram no Brasil e, em sua maioria, vieram recentemente. Para ele, o perfil dos portugueses que vem para o Brasil mudou: - É uma geração diferente da que veio em 1970 e 1980, porque tem formação acadêmica. São arquitetos, advogados, que vêm devido à crise que está afetando Portugal. Em 1980, os patrícios vinham para fazer negócios, começavam com uma padaria, com negócios pequenos. Hoje já há oportunidades maiores.
Acreditando no aprofundamento das relações entre Brasil e China, Noé Chiang, de 28 anos, deixou Taiwan no fim de 2009 para ensinar mandarim em São Paulo. Ele pensa até em se naturalizar brasileiro, como já fez sua mulher, pois acredita que com um passaporte brasileiro terá mais facilidade de circular pelo mundo.
- Os brasileiros são muito amigáveis e o ambiente é melhor que na Ásia. Lá tem muita indústria, contaminação no ar. Aqui no Brasil tudo é muito mais limpo - diz.

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