domingo, 10 de abril de 2011

100 dias de Governo e PT vê em Dilma ponte para conquistar classe média

 
 
São Paulo, domingo, 10 de abril de 2011

100 DIAS
PT vê em Dilma ponte para conquistar classe média


NATUZA NERYDE BRASÍLIA

O governo dá seus primeiros passos e setores do PT já veem em Dilma Rousseff a chance de conquistar um eleitorado historicamente refratário à sedução petista: a tradicional classe média.
A expectativa vem das primeiras pesquisas de popularidade. De acordo com o Datafolha, Dilma foi bem avaliada tanto pela classe C, reduto lulista, quanto pelos estratos com renda familiar superior a R$ 5.540.
Esse desempenho alimenta no PT a esperança de furar a hegemonia tucana no Estado de São Paulo.
Nesses cem primeiros dias de governo, Dilma ensaiou pinceladas de uma agenda pop para a classe média.
Exibiu perfil gerencial e toque menos ideológico na política externa. Prometeu, com ministério específico, melhorar as condições da aviação comercial; anunciou corte de gastos; jantou com artistas e foi ao teatro.
Mais: com uma campanha de valorização feminina, a presidente conquistou o apoio expressivo das mulheres, feito "nunca antes" experimentado por Lula.O programa de erradicação da miséria -pé de Dilma na agenda da pobreza- só deve sair em algumas semanas. Apesar do reajuste dado ao Bolsa Família em março, os maiores flertes foram com a clássica classe média.
VOO PRÓPRIOEm 2003, Lula teve condições semelhantes às da sua sucessora, mas perdeu apoio no meio do caminho após o escândalo do mensalão. Conseguiu, ao fim do governo, se recuperar, com recordes de aprovação.
Dilma herdou alguns desses ganhos, e teve voos próprios desde a eleição: com Lula, a diferença de popularidade entre os mais ricos e os mais pobres era de 17 pontos no final de 2010. Com Dilma, caiu para 10 pontos.
"É cedo para dizer se é permanente. Mas a agenda dela está quebrando resistência entre mulheres e setores médios, como a mídia. Futuras pesquisas darão avaliação mais pura", afirmou Mauro Paulino, diretor do Datafolha. "Tudo tem que se confirmar à luz da economia", acrescentou.
Sucessivas derrotas em São Paulo levaram o partido à autocrítica. "O PT deve construir agenda que dialogue com os setores médios", define um balanço elaborado pela sigla em 2010. Outro erro "capital", segundo petistas, foi não investir na renovação de quadros.
A senadora Marta Suplicy (SP) e o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), derrotados em eleições recentes, são os favoritos para a campanha de 2012.
Problema: em 2008, Marta chegou a 53% de rejeição entre os mais ricos. Em 2010, Mercadante bateu 39%. Petistas dizem que é hora de abrir espaço para novos nomes: os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Alexandre Padilha (Saúde) e Fernando Haddad (Educação).
Na reta final da campanha, a rejeição a Dilma na cidade de São Paulo rondava os 49%. Hoje, sua avaliação negativa na capital atinge 8%, num sinal de recuo da resistência à presidente.


ANÁLISE 100 DIAS
Novo perfil de Dilma já começa a se revelar

CARLOS FICOESPECIAL PARA A FOLHA

Dilma Rousseff tem manejado com profissionalismo a construção de sua nova imagem. Associada, até recentemente, à figura da administradora implacável, a presidente vem conseguindo rapidamente alterar esse perfil -que também era agravado por ela ser vista como uma criação artificial de Lula.
A ênfase em sua condição de mulher certamente colaborou para amenizar a fama de "durona".
Isso se deu não apenas por meio de gestos de marketing (foto com o netinho), mas também por iniciativas concretas (ações governamentais voltadas para as mulheres) e atitudes carregadas de "autenticidade" (presença de companheiras de prisão na posse).
A presidente é formada na militância de esquerda, um "treinamento" político nada desprezível. Trata-se de marca indelével em sua trajetória
, que ora vem à tona (quando defende os direitos humanos), ora submerge (a questão da luta armada causa desconforto).
O aspecto da resistência democrática, porém, tem sobressaído, inclusive com a ajuda do presidente dos EUA, Barack Obama.
Também o temor de que seria caudatária de Lula vem sendo dissipado.
Algumas iniciativas destacam a nova presidente do antecessor e de outros presidentes. Esse é o caso da dupla de generais, Elito e Heleno, desautorizados por causa de pronunciamentos disparatados: poucos presidentes enfrentaram os militares.
Dilma também se diferencia pela rapidez com que demite (ou não nomeia) assessores afoitos e pela capacidade de impedir que divergências dentro do governo sejam muito divulgadas. Destaque-se, ainda, a agilidade com que aparece nas grandes crises e tragédias.
Tendo em vista a tipologia de imagens que podem marcar autoridades (por exemplo, é fácil lembrar presidentes com "postura de estadista", descritos como "pessoas simples", marcados por "gestos espetaculares", evocados como "carismáticos", etc.), é muito cedo para sabermos qual será a marca distintiva de Dilma Rousseff.
Alguns traços parecem permanentes (como a volúpia do trabalho, do controle técnico das minúcias), outros ainda podem se assentar ou dissipar-se, mas o importante é que a imagem que um mandatário constrói para si quer passar uma mensagem.
Ela não se cria apenas com marketing político, mas se baseia em sua personalidade, e alguns gestos são reveladores: quando discursa e é aplaudida, a presidente repete a frase não ouvida como quem adverte: "Entendam bem o que estou dizendo!"

CARLOS FICO é professor de história da UFRJ e editor do blog Brasil Recente.

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