quinta-feira, 24 de março de 2011

Ficha Limpa só valerá a partir da eleição de 2012

Fux escolheu para apoiar sua decisão o artigo errado da Constituição. Poderia, caso quisesse, escolher outro e decidir pela validade da Lei a partir das eleições de 2010.
Começou muito mal. Começou decepcionando a sociedade.

São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2011

Ficha Limpa só valerá a partir da eleição de 2012

Decisão anula resultado das urnas em 2010 e políticos barrados assumirão cargos

Entre os ministros do STF, prevaleceu a tese de que mudança na lei só vale se aprovada um ano antes do pleito

MÁRCIO FALCÃO DE BRASÍLIA

Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal anulou ontem os efeitos da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010.
Com a decisão, os políticos barrados pela Justiça Eleitoral em 2010 que tiveram votos suficientes para se eleger poderão assumir suas vagas.
Entre os beneficiados com a decisão estão Jader Barbalho (PMDB-PA), Cássio Cunha Lima (PSDB-PBO), João Capiberibe (PSB-AP), Marcelo Miranda (PMDB-TO), eleitos para o Senado, e Janete Capiberibe (PSB-AP), eleita para a Câmara.
Apenas no Supremo são 30 recursos de políticos barrados que serão analisados.
Prevaleceu a tese de que qualquer mudança no processo eleitoral deve respeitar o princípio da anualidade, ou seja, ela precisa ser aprovada um ano antes do pleito.
Com a decisão de ontem, a Lei da Ficha Limpa será aplicada a partir das eleições de 2012, mas ministros ouvidos pela Folha não descartam que questionamentos sobre outros pontos da lei possam surgir e limitar seus efeitos.
Estão em aberto pontos como, por exemplo, se é legal a determinação que torna inelegível candidato cassado pela Justiça Eleitoral ou em condenações por improbidade administrativa.
Surgida por meio de uma iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Lula em junho do ano passado.
A anulação da validade da lei nas eleições de 2010 foi decidida pelo ministro Luiz Fux, que tomou posse no início deste mês. Seu voto foi decisivo porque duas análises anteriores de recursos contra a Ficha Limpa haviam terminado empatadas.
Fux chamou a Ficha Limpa de "lei do futuro" e disse que se sentiu tentado a votar pela validade. Mas disse que confirmar sua validade abriria um precedente perigoso.
"O intuito da moralidade é de todo louvável, mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica de que se aplicar no ano da eleição fere a Constituição."
Ontem, os ministros julgaram recurso de Leonídio Bouças (PMDB-MG), candidato a deputado estadual barrado após ter sido condenado por improbidade.
Gilmar Mendes, que votou contra a validade da lei em 2010, disse que a Ficha Limpa teve influência direta nas eleições do ano passado, sustentando que um político não pode ficar inelegível por uma lei que não existia quando cometeu a irregularidade.
"A Lei da Ficha Limpa tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores", disse Mendes.
"O tribunal que atende aos anseios do povo, ao arrepio da Constituição, é um tribunal no qual o povo não pode confiar", afirmou Cezar Peluso, que também votou contra a validade da lei em 2010.

MORALIDADE
Joaquim Barbosa, que defendeu a validade da lei nas eleições passadas, afirmou que a moralidade é um princípio constitucional e que caberia ao STF fazer uma escolha ao interpretar a Carta.
Para Ayres Britto, "o candidato que desfila pelo Código Penal com sua biografia não pode ter a ousadia de se candidatar".


ANÁLISE FICHA LIMPA

Escolha de artigo da Constituição define voto dos ministros

JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tendo todos os ministros mantido a mesma posição no julgamento da candidatura de Joaquim Roriz, o novo e decisivo voto decisivo foi do ministro Luiz Fux. A partir daí, duas constatações.
Primeiro, o Supremo é a favor da Lei da Ficha Limpa, que é definitivamente constitucional. Será aplicada nas futuras eleições para prefeito e para todas as outras.
Segundo, a lei não valeu para estas eleições, e o julgamento sobre a candidatura do senhor Leonídio Bouças tem repercussão geral. Valerá para todos os 30 e poucos candidatos que foram condenados por improbidade, mas tiveram votos para se eleger.
O voto de Fux se estruturou da seguinte maneira. Antes, escolheu qual o artigo da Constituição em que se basearia. Escolheu o artigo 16 que diz: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
Poderia ter escolhido outro. Como os artigos que tratam da moralidade da administração pública e que valem para os congressistas também. Como propôs o ministro Ricardo Lewandoski.

A Constituição, na sua aplicação, é muito contraditória.
Essa escolha do artigo é fundamental e é sempre uma surpresa. Um momento de expectativa e de tensão da sociedade. Um momento de insegurança jurídica temporária. Nessa livre escolha se esconde e se explicita o poder do magistrado. É ato de vontade do ministro. A Constituição não predetermina o artigo a escolher. Há flexibilidade interpretativa.
Dada a escolha do artigo, a argumentação é consequência natural. A Lei da Ficha Limpa foi aprovada um ano antes das eleições? Não. Alterou o processo eleitoral? Sim, se se entender que o processo inicia um ano antes do dia do voto, ou seja, em outubro de 2009. Não, se o processo se iniciar só depois do prazo do registro das candidaturas, ou seja, depois do dia 5 de julho de 2010. O ministro Fux optou pelo sim. A lei não valeu.
Existe uma convergência entre vencedores e vencidos no STF. Não se deve alterar as regras do jogo eleitoral depois de ele ter começado, pois cria insegurança jurídica. A maioria vai mudar sempre a seu favor. Saímos da democracia. Ou seja, não se mudam regras para evitar que a minoria seja sempre prejudicada. Mas existe também uma divergência. As regras podem ser mudadas desde que não seja por motivos antidemocráticos de manipulação do poder. Esse foi o debate. Agora é avaliar, refazer as contas e ver, finalmente, quem foi eleito e quem não foi.

JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio.

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