sábado, 26 de março de 2011

A cidade dos gêmeos

http://www.raffaelvitor.com.br/scripts/Galeria_de_fotos/imagens/signos/gemeos.jpg

 

São Paulo, sábado, 26 de março de 2011

O fim do mistério

Ricardo Duarte/RBS/Folhapress

Irmãs participam de apresentação de geneticistas

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA

Parece estar se dissipando o mistério que cercava a pequena Cândido Godói e seus cerca de 7.000 habitantes. A "Terra dos Gêmeos", situada no noroeste gaúcho, deve sua fama a ínfimas variações no DNA de parte da população, diz uma nova pesquisa.
Para o trio de cientistas responsável pela análise, trocas de uma só "letra" química do genoma, chamadas de SNPs (pronuncia-se "snips") favoreceriam a viabilidade das gestações de certas mulheres do município. E isso explicaria a incidência de gêmeos fora do comum.
"Na verdade, no município de Cândido Godói como um todo, essa incidência é de 1,5%, o que não está significativamente acima da média mundial de 1%", disse à Folha Ursula Matte, bióloga do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que integra a equipe.
No entanto, quando se olha uma localidade da cidade, a chamada Linha São Pedro, a proporção sobe para 7%. É o que mostram cerca de 6.000 registros de batismo (excelentes indicadores de nascimentos num município quase totalmente católico) que vão de 1959 a 2008.
Desde 1927, calcula-se que 144 nascimentos de gêmeos tenham ocorrido ali, conta Vanuza Dresch, funcionária da secretaria de Educação e Cultura de Cândido Godói.
"Desse total, três foram gestações de trigêmeos"
, diz Dresch, que não teve companheiros na barriga da mãe. "E nenhum dos meus quatro filhos é gêmeo", afirma ela.

REUNIÃO
Ursula Matte e suas colegas Lavínia Schüler Faccini e Patricia Prolla, ambas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ainda não revelam a família de genes nos quais há a ocorrência dos SNPs típicos dos gêmeos da região.
Os dados serão detalhados em artigos já submetidos para publicação em revistas científicas internacionais.
A equipe se reuniu ontem com cerca de 50 pares de gêmeos e suas famílias no salão paroquial da igreja de Nossa Senhora dos Dores, para explicar os resultados aos principais interessados.
É muito provável que as variantes de DNA ligadas à superabundância de gêmeos tenham se tornado comuns graças a um fenômeno conhecido como efeito fundador entre os biólogos.
O efeito fundador ocorre quando uma nova população surge a partir de um pequeno número de indivíduos. Nesse caso, a prole desse punhado de gente acaba herdando uma fração limitada da diversidade genética humana. mais ampla.
Por acaso, como os genes favoráveis a gêmeos eram comuns nos fundadores, acabaram ficando mais comuns do que entre a população em geral, já que havia poucas opções de parceiros por ali.
"Nós vimos, por exemplo, que sete famílias atuais que parecem separadas remontam a uma única família", diz Matte. Isso ocorria porque, por exemplo, era comum três irmãos de uma família casarem com três irmãs de outra.

Com "New York Times"
Lenda sobre ação de nazista não se sustenta

DO EDITOR DE CIÊNCIA

A análise cuidadosa dos registros de batismo de Cândido Godói também deve sepultar um dos mitos mais ridículos sobre os gêmeos da cidade: o de que haveria ali o dedinho do médico nazista Josef Mengele (1911-1979).
Sim, o responsável pelos horrendos experimentos com humanos no campo de concentração de Auschwitz tinha uma tara macabra por gêmeos. E sim, ele passou a maior parte de seus anos pós-guerra na América do Sul.
"Mas, quando a gente olha a proporção de gêmeos na cidade entre 1927 e 1959, fica claro que ela era mais ou menos a mesma antes e depois da vinda de Mengele", explica Ursula Matte, coordenadora da nova pesquisa.
"Foi bom para encerrar de vez esse assunto", diz Vanuza Dresch, da prefeitura de Cândido Godói.
Mesmo sem esses indícios, era esperado que Mengele fosse incapaz de produzir a colheita de gêmeos. É que, além de canalha, a "ciência" nazista era um bocado burra.
Os testes de Mengele com gêmeos (que envolviam costurar dois deles para "criar" um gêmeo siamês) eram mal projetados, provavelmente mera desculpa para seu sadismo. E ele ignorava o funcionamento do DNA - como, aliás, os cientistas decentes dos anos 1940. (RJL)

Nenhum comentário:

Postar um comentário