quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sade e Berlusconi



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Quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sade e Berlusconi

Leandro Konder


O marquês de Sade pertencia a uma das famílias mais ricas e poderosas da França. Quando tinha apenas 15 ou 16 anos, foi levado a comparecer a uma execução penal.
As execuções penais, naquela época, eram muito duras. Essa a que o jovem Sade fora levado era apresentada como a justíssima morte de alguém que cometera um crime abominável: tentara matar o rei. O assassino foi punido através de um ritual que havia demorado cerca de quatro horas, alternando bastonadas de ferro, queimaduras e óleo fervente.
O marques de Sade ficou marcado pelo evento.
Mais tarde, alugou um quarto de subúrbio. Uma das prostitutas pagas para a “farra” saltou pela janela e denunciou o evento à polícia. O organizador da bacanal era o Marquês de Sade, que acabou detido. Foi sua primeira prisão. Sade se declarou arrependido e deu algum dinheiro para os agentes policiais.
Posteriormente, o marquês aprendeu que assim procediam os cavaleiros das classes privilegiadas. Em sua segunda prisão, ele deixou de falar de arrependimento e passou a se aproveitar da reputação que, rapidamente, adquirira. Sade dizia que, se alguém matasse um gato em qualquer parte da França, todos o apontariam como responsável.
Qualquer que fosse a sua intenção, o marquês afinal organizou um poderoso sistema de exploração da prostituição. Com muito realismo, ele fez funcionar na área da sacanagem, critérios inerentes ao capitalismo.
Foi encarcerado em diversas ocasiões. Teve a habilidade de estimular aqueles que pensavam que a sua postura no final do século 18 e no início do século 19 era hostil ao modo de produção burguês.
Um pouco depois, durante a sua viagem, ele alimentou em setores da opinião pública a imagem de um aventureiro que combatia os critérios e os interesses da burguesia. Foi preso e mantido prisioneiro na fortaleza da Bastilha até a véspera da revolução francesa.
Após a revolução francesa, na época de Napoleão, foi internado em diversos hospícios. Num deles, segundo se apurou, negociou com o diretor do manicômio a apresentação de uma peça, que, no entanto, não chegou a ser encenada, pois foi considerada “subversiva” e provocara, durante os ensaios, a agitação dos internos.
As tentativas de Sade, voltadas para algum tipo de organização política dos internos, fracassaram. O escritor tinha talento, conforme reconheciam os espíritos mais críticos da classe dominante. O público consumidor, entretanto, não conferia um significado maior ao encontro com o autor desequilibrado. A entrada do sexo de forma explícita no mundo da cultura precisava duma certa universalidade, que o marquês de Sade não tinha ânimo ou competência para alcançar.
A massa dos habitantes dos hospícios se movia de modo geral a partir de um fascínio, porém, ao mesmo tempo, de uma repulsa pelo sexo. Uma abordagem dos textos (inúmeros!) promovida pelo marquês era inevitavelmente ambígua.
A perspectiva crítica da esquerda percebeu que, se algum autor pretendia extrair ideias significativas dos textos de Sade, seria necessário separar esse texto dos relatos ordinários que lhe asseguraram um sucesso bastante discutível: o êxito das historietas do marquês, colocam-no na posição de um pioneiro da industria cultural, muito mais do que um inventor de valores literários.
A glória de Sade deriva de sua capacidade de gerar escândalos. Até que ponto o aristocrata fustigava a burguesia e agitava o Estado na Europa, essa é a questão que devemos encarar.
Hoje em dia, a burguesia não reconhece nenhum poder efetivo sobre a sua calhordice estrutural. Como demonstrou o primeiro ministro da Itália, a burguesia italiana inventou uma nova organização da “putaria”.
  
Leandro Konder é colunista semanal do Brasil de Fato.

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