quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os telegramas palestino-israelenses

Viva a luta do Povo Palestino!

Yasser Arafat (1929-2004)




"Esse jogo feio e sem fim do processo de paz está encerrado". 

Karma Nabulsin - Guardian

O processo de paz é uma vergonha. Os palestinos devem rejeitar seus líderes e reconstruir seu movimento.

Acabou. Dada a natureza chocante, extensa e o detalhe dessas revelações medonhas por trás das portas fechadas do processo de paz do Oriente Médio [nos documentos revelados segunda-feira pelo jornal The Guardian], esse jogo feio e que parece sem fim do processo de paz está finalmente encerrado. Nenhum dos vilões do lado palestino pode sobreviver a isso. Com alguma sorte, o horror total dessa denúncia de como os EUA e a Grã Bretanha facilitaram e até implementaram, secretamente, a expansão militar israelense – enquanto criavam uma oligarquia para administrá-la – pode ter superado os interesses entrincheirados e a venalidade que capturaram o processo de paz em curso. Um pequeno grupo de homens que profanaram a esfera pública palestina com suas atividades privadas agora está exposto.

Para nós, palestinos, essas denúncias detalhadas da rendição secretamente negociada de cada um de nossos direitos fundamentais, segundo o direito internacional (o de retorno de milhões de palestinos refugiados, contra a anexação da Jerusalém árabe, contra os assentamentos ilegais) não são surpresa. Trata-se de algo que todos sabíamos – a despeito dos protestos oficiais dizendo o contrário – porque nós sentimos os efeitos destrutivos dessas coisas diariamente. O mesmo é verdade para o papel vergonhoso dos EUA e da Grã Bretanha, ao criarem um "bantustão" de segurança, arruinando com nossa vida comunitária e com nosso espaço político. Nós já sabíamos, porque sentimos seus efeitos fatais.

Para a esmagadora maioria dos palestinos, a política oficial palestina ao longo das décadas passadas tem sido a antítese de uma legítima, ou representativa ou mesmo coerente estratégia para obter nossa liberdade negada há tanto tempo. Mas essa consideração sóbria do nosso atual estado de coisas, acompanhada pelos protestos em massa da sociedade civil, de campanhas tocadas por cidadãos palestinos tem sido insuficientes até agora para nos libertar dessa situação.

A publicação desses documentos é um acontecimento histórico tão importante porque destrói os últimos traços de credibilidade desse processo de paz. Tudo o que resta a fazer repousa no seguinte axioma: que cada iniciativa nova ou série de negociações com os israelenses, que toda política ou programa (inclusive a criação de instituições não democráticas sob ocupação militar) devem se apresentar como operando em boa fé, sob condições rígidas: devem ser necessárias para a paz e a serviço de nossa causa nacional. Políticos de ambos os lados jogaram um papel duplo com os palestinos. Agora está registrado que eles traíram, mentiram e trapacearam com diretos básicos, enquanto, ao mesmo tempo, diziam-se merecedoras da confiança do povo palestino.

Essa alegação da capacidade representativa – e, pior, a afirmação de que estavam representando os interesses dos palestinos em sua luta por liberdade – se tornou cada vez mais fraca nos últimos 15 anos. A alegação de que estavam agindo de boa fé caiu absolutamente por terra com as publicações desses documentos (24/01/2011), e com as informações a serem reveladas ao longo desta semana. Qualquer que seja a inclinação política dos poderosos, ninguém, nem os estadunidenses, nem os britânicos, as Nações Unidas e especialmente não os dirigentes palestinos podem afirmar que a negociata toda não é outra coisa que um processo brutal de subjugo de todo um povo.

Por que se chegou tão longe, a um custo tão alto? E por que os palestinos também não foram capazes de criar uma representação democrática tão urgentemente necessária para o avanço de sua causa? Israel, juntamente com aqueles que partilham de sua visão de mundo diriam que o problema repousa nos próprios palestinos, sendo parte da cultura política árabe que só gera governos autoritários ou terroristas. E isso que aquilo que esses documentos relevam é a extensão de uma não democrática, autoritária, colonial e francamente aterradora coerção que os EUA, a Grã Bretanha e outros governos ocidentais tem imposto aos palestinos, através dessa liderança inconsequente.

O poder ilimitado dos EUA, a superpotência global que tem (agora documentadamente e em detalhes repugnantes) tomado um partido nesse conflito pode ser visto em cada página. Todos estão implicados, do presidente ao secretariado de estado, dos generais, que criaram as forças de segurança para implementarem essas políticas à equipe da embaixada envolvida na sua execução diária.

Os documentos mostram que essa política é um fracasso absoluto, trazendo ruína para os palestinos e beligerância crescente ao completamente desimpedido, agressivo e errático Israel, atualmente praticando uma forma de apartheid dos palestinos que dominam pela força.

Esse desequilíbrio de poder só pode ser corrigido eficazmente da mesma maneira que todo movimento de liberação nacional o fez, no passado: através da força inexpugnável de um mandato popular. Ho Chi Minh sentando com os franceses para conversar, ou Nelson Mandela negociando com o regime do apartheid, incorporando essa legitimidade popular, e na verdade se comprometendo com seus princípios e negociando posições a partir deles.

Do lado positivo, essas negociatas eventualmente vindo à tona fariam com que os palestinos compreensivelmente as rejeitassem. Mas a pior traição tem sido aquilo que essa hipocrisia legou para as gerações mais jovens de palestinos. Esses governantes levaram uma nova geração a acreditar que a participação na esfera pública é uma maneira de se dar bem na vida e que se juntar a qualquer partido político é o método menos viável de se chegar ao poder e gerar mudança.

Embora seu exemplo danoso, eles alienaram os jovens palestinos de sua própria história de resistência à dominação colonial e militar, de modo que agora eles acreditam que dezenas de milhares de imaginativos, brilhantes e extraordinários palestinos bravos nunca existiram ou, pior, lutaram e morreram por nada. Isso lhes custa a capacidade de levar a cabo qualquer método e técnicas de mobilização de que se podem dispor hoje – os mecanismos democráticos e coletivos que são mais necessários do que nunca. Eles deram à juventude a ideia de que não há virtude na organização coletiva, o mecanismo por meio do qual a mudança democrática popular é feita e mantida.

A cada vez mais popular visão de que a revolução palestina fracassou desde o começo, de que sempre foram corruptos, dirigidos a partir de cima, nunca a partir dos de baixo, é falsa – mas esse diagnóstico ganhou credibilidade através das ações do atual regime. O comportamento dos atuais governantes quase apagou o registro da história da contribuição dada por dezenas de milhares de palestinos comuns que, com toda sua força e devoção à vida pública lutaram por princípios e criaram uma auto representação real e democrática, sob as piores condições. Esta é a nossa mais valiosa liberdade, pela qual vale muito a pena lutar: a publicação desses documentos devastadores pavimenta o caminho da sua restauração.

(*) Karma Nabulsi é acadêmica em Oxford e ex-membro da Organização pela Libertação da Palestina - OLP

(*) Tradução: Katarina Peixoto

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