segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pioneiras no poder relatam preconceito contra mulheres

São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2010


LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

A escalada ao poder não foi fácil para as primeiras brasileiras que decidiram se aventurar na política. Mulheres pioneiras dizem que sofreram todo tipo de preconceito quando assumiram cargos que até então só haviam sido ocupados por homens.
A Folha ouviu Eunice Michiles (primeira senadora do país), Iolanda Fleming (primeira governadora), Luiza Erundina (primeira prefeita de São Paulo), Maria Luiza Fontenele (primeira prefeita de uma capital brasileira) e Roseana Sarney (primeira governadora eleita).
Ao chegar ao poder, parte delas se deparou com o preconceito velado. Outras sofreram discriminação aberta.
Foi o caso da cearense Maria Luiza Fontenele, 67, eleita prefeita de Fortaleza em 1985, pelo PT. Já durante a campanha, Maria Luiza disse ter sofrido com a pecha de "sapatão" por ser divorciada.
Nascida em Quixadá (CE), cidade famosa por uma formação rochosa em formato de galinha, ela diz que ouvia coisas como: "Ela é de onde até as pedras são galinhas".
A contratação de dois ex-maridos em sua gestão lhe rendeu o apelido de "dona Flor e seus dois maridos".
A paraibana Luiza Erundina, 75, eleita para a Prefeitura de São Paulo em 1988, relata preconceito por ser nordestina e do PT. "Só faltava eu ser negra para completar. Uma vez, até recebi uma carta com vários xingamentos e com fezes dentro", afirma Erundina, reeleita deputada federal pelo PSB.
Ela conta que, quando assumiu a prefeitura, em 1989, eram frequentes as ameaças de bomba na sede.
A acriana Iolanda Fleming, 74, diz que teve de enfrentar preconceitos desde o início de sua carreira. Ela lembra que resolveu cursar direito quando entrou na vida pública, aos 37. "Ouvi coisas do tipo: "Mulher que vai à faculdade é vagabunda"."
Filha de seringueiros, ela assumiu o governo do Acre em 1986. Antes disso, havia sido vereadora e deputada estadual por duas vezes.

FLOR E POESIA
Primeira senadora do país, Eunice Michiles, 81, diz ter vivenciado uma espécie de "preconceito ao contrário" quando assumiu como suplente, em 1979, pela Arena, o partido de sustentação da ditadura militar (1964-85). "Fui recebida com flores, poesia. Não deixa de ser discriminatório, porque ninguém era recebido assim."
Cercada por homens, ela afirma que todos eram gentis porque, na época, havia "aquela maneira de tratar uma dama". "Não me sentia como uma colega."
A governadora reeleita do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), 57, se tornou a primeira governadora em 1994.
Ela conta que, ao chegar nas primeiras reuniões de governadores de Estado, a pergunta era sempre: "Como vai a família, o marido, os filhos?". "Eles não estavam acostumados. Com o tempo, passaram a me respeitar muito mais", relata.

OITO DÉCADAS
Oito décadas separam a eleição de Dilma Rousseff (PT) e a de Alzira Soriano, a primeira eleita no Brasil.
Alzira elegeu-se prefeita de Lages (RN) em 1929, beneficiada pela legislação do Estado, que permitia às mulheres votar e se candidatar -apenas em 1932 isso passou a valer no resto do país.
Parte das pioneiras na política afirma que Dilma terá de imprimir sua marca. "Isso ela fará, porque as mulheres têm um jeito próprio de governar", diz Erundina. Para Eunice Michiles, "ela é uma mulher de pulso, tem qualidades, mas ser mulher não é atestado de capacidade".

ANÁLISE

Com defesa da mulher, Dilma assume posição emblemática
 
TERESA SACCHET
ESPECIAL PARA A FOLHA
 
Dilma Rousseff chega à posição de primeira mulher eleita presidente do Brasil chamando atenção para as desigualdades de gênero.
No seu primeiro pronunciamento após a vitória, ela afirmou que um de seus primeiros compromissos seria com as mulheres.
Com a proposta de compor seu ministério com 30% de mulheres, colocando uma na chefia do Itamaraty, Dilma assume uma posição emblemática e aumenta expectativas de que seu governo terá um olhar diferente para essa forma de desigualdade, muito relacionada às demais.
A iniciativa vem em boa hora. O último relatório da Igualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial colocou o Brasil na 85ª posição no ranking entre 135 países.
A questão econômica contribui para tal resultado (as mulheres recebem 65% do rendimento dos homens), mas é na política que o Brasil tem um dos piores índices.
Com apenas 8,9% de mulheres na Câmara dos Deputados, quando o tema é presença feminina no Legislativo federal, o Brasil é o penúltimo país da América Latina.
No ranking do Fórum Econômico Mundial que mede o "empoderamento" feminino na política, o Brasil ocupa a 112ª posição.
Um dos obstáculos centrais à entrada de mulheres na política é o nosso sistema eleitoral, cuja arquitetura favorece a eleição de candidatos com mais recursos financeiros -e as mulheres têm arrecadação média bastante inferior à dos homens.
Nas eleições deste ano, houve aumento significativo nos gastos de campanha e, possivelmente em consequência disso, o número de mulheres eleitas deputadas federais diminuiu de 45 para 44, enquanto o número de candidaturas femininas subiu de 12,5% em 2006 para 22% em 2010.
Isso indica que apenas selecionar mais mulheres não é suficiente para aumentar o número de eleitas. É necessário que haja igualdade de competição, e o financiamento é preponderante.
Os enunciados da nova presidente geraram grandes expectativas. Mas que diferença de fato faria a composição dos ministérios com 30% de mulheres? Esse aumento pode ter impactos simbólicos e substantivos importantes.
Primeiro: poderá auxiliar a construção de novos valores e perspectivas sobre as relações de gênero, contribuindo para promover mais mulheres a posições públicas, e para maior equidade de gênero em diferentes esferas sociais.
Segundo: as probabilidades são grandes de que um ministério (ou Parlamento) com mais mulheres não tenha as mesmas políticas que um ministério composto majoritariamente por homens.
Quando a questão é tornar as políticas públicas mais expressivas das ideias, dos interesses e das perspectivas de setores mais vastos da população, a inclusão política das mulheres é uma condição importante.

TERESA SACCHET, doutora em ciência política pela Universidade de Essex (Inglaterra), é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP

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