quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Parem os mercados



São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

CLÓVIS ROSSI

Já imaginou se o governo Dilma Rousseff tivesse que fazer um ajuste fiscal (redução de gastos e aumento de impostos) de uns R$ 345 bilhões? Estaria politicamente morto, além de causar um baita sofrimento ao país.
Pois é algo desse tamanho, na proporção das respectivas economias, que a Irlanda está sendo constrangida a engolir.
Não é preciso ser Ph.D em nada para perceber que o país está condenado a um punhado de anos de mediocridade econômica e de desemprego elevado (já está em 14,1%, um baita absurdo).
Você, incorrigível otimista, dirá, com razão, que não há no horizonte tapuia a mais leve indicação de que se possa chegar a uma situação irlandesa. Mas:
1 - Também não havia grandes nuvens no horizonte de 2008, quando uma crise fabricada externamente levou o Brasil a perder um ano de crescimento (2009),
o que é dramático quando se sabe que o país precisa do contrário, ou seja, crescer dois anos em um ano para tirar o atraso secular.
Uma nova crise externa pode atrapalhar muito.
2 - O Brasil faz parte do G20, o clubão que deveria discutir o grande desequilíbrio da economia moderna, que, mais do que os enormes saldos chineses versus o imenso deficit norte-americano, está dado pela diferença de tempo entre a ação dos mercados (em geral especulativa) e a reação dos governos.
Um governo como o irlandês (pode citar qualquer outro europeu que também vale) precisa de quatro anos para ajustar suas contas, de resto desajustadas pela irresponsabilidade do setor privado, não do próprio governo. O mercado, ao contrário, ataca diariamente, caçando recompensas e pondo os governos contra as cordas.
É urgente mudar os tempos dessa queda de braço sob pena de a instabilidade tornar-se estável, com perdão da contradição em termos.
......
São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Irlanda reduz salário e adia aposentadoria

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

O governo da Irlanda anunciou ontem um pacote de austeridade para os próximos quatro anos. A ideia é convencer o mundo de que irá mesmo atacar seu deficit público e honrar as dívidas.
O pacote é também uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da União Europeia para conceder um empréstimo de até € 90 bilhões (cerca de R$ 232 bilhões) para o país organizar seu caixa.
Para o irlandês, serão quatro anos difíceis. O governo vai cortar 24.750 pessoas do serviço público (7% do total), reduzir o salário mínimo e aumentar a idade mínima para a aposentadoria.
Além disso, vai aumentar o imposto sobre o consumo, criar um novo sobre os imóveis e cobrar Imposto de Renda de mais pessoas.
Hoje, está isento do IR aquele que ganha até € 18.300 por ano (R$ 42,5 mil). Com o pacote, passa a ser tributado quem recebe € 15.300 (R$ 35,5 mil). O total de isentos (45% dos trabalhadores) cairá para 35%.
Também haverá cortes de benefícios e de gastos com saúde e educação.
Foi mantida ainda a taxa cobrada de empresas que se instalam no país, que é de 12,5%, uma das menores da Europa.
Países como França e Alemanha pressionam a Irlanda para que eleve a taxa, qualificada como uma concorrência desleal.
Mas os irlandeses dizem que o tributo é essencial para atrair companhias como o Google, por exemplo, que criam emprego no país.
Se tudo der certo -o que poucos acreditam-, o deficit irlandês cairá de quase 12% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano para 2,8% em 2014.

INCERTEZAS
Mas há muitas incertezas. A primeira delas é que governo implementará o pacote. A crise política no país é tão grave quanto a econômica, e uma alimenta a outra.
A oposição e até membros do partido governista, o Fianna Fáil, querem que o primeiro-ministro, Brian Cowen, dissolva já o Parlamento e convoque eleições.
Cowen diz que só dissolve o Parlamento após a aprovação, em dezembro, do Orçamento de 2011, que já inclui grande parte dos cortes.
Diante da queda de braço, o mercado continua a duvidar da Irlanda.
Como aconteceu nos últimos dias, subiu ainda mais o juro exigido pelo mercado para os títulos do país. Passou de 9% ontem. Mais de duas vezes maior que o cobrado da Alemanha.
Ações de bancos continuam a cair, na casa de 20%, e se especula que sejam nacionalizados de vez.

PROTESTOS
Enquanto o primeiro-ministro apresentava o pacote, manifestantes foram para a porta do Parlamento pedir sua renúncia.
Desde o início da semana, tem crescido o número de protesto pelo país.
Carros de ministros e escritórios de parlamentares já foram atacados.
Os sindicatos agendaram para sábado uma grande manifestação em Dublin contra a política de cortes.

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Viva o Estado forte!

Nunca mais políticas neoliberais!




FUGA DO EURO ASSOMBRA BANCOS E GOVERNOS:
IRLANDA AGONIZA. CRISE FINANCEIRA VIRA CRISE POLÍTICA.
GRÉCIA REQUER AJUDA ADICIONAL.
QUEM SERÁ O PRÓXIMO?

Oposição quer eleições gerais antes do pacote e sindicatos marcam protesto contra o arrocho na Irlanda. Governo tem moção de desconfiança. Mercados assombrados pelo medo de contágio: crise bancária e fiscal na Europa poderá se espalhar dos países chamados periféricos - Grécia, Irlanda e Portugal - para os maiores - Espanha e Itália. Fuga maciça de capitais assombra as noites e angustia os dias de governos e instituições da União Européia. Ações do Banco da Irlanda caíram 36% ontem. Estimativas indicam que o Estado (mínimo) irlandês,virtualmente quebrado, precisará de um papagaio de 65 bilhões de euros para se financiar nos próximos três anos; bancos igualmente quebrados, buscam 30 bi de euros. A preocupação é: de onde virão os compradores para a dívida dos países periféricos se o Euro virar um mico aos olhos dos mercados? (FT, Bloomberg. Leia 'Amnésia neoliberal: Como o Tigre Celta virou um Haiti Financeiro' ; Carta Maior, 23-11)

A SUPREMACIA DAS FINANÇAS DESREGULADAS: CUSTOS
"(a desregulação financeira) cria distorções ao comércio que tornam as negociações multilaterais irrelevantes (...) se por anos se negocia uma concessão de redução de uma barreira comercial em 5%, em apenas alguns dias a valorização de uma moeda pode ser bem superior ao impacto do corte tarifário que se debatia" (ministro Celso Amorim; Estadão, 23-11)

NO AVESSO DA ORTODOXIA QUE ARRUINOU A IRLANDA:
BRASIL VALORIZA FUNCIONALISMO PÚBLICO


"...um professor de universidade, com doutorado e dedicação exclusiva, ganhava R$ 2.167,56 em 2002 e, neste ano, com o pagamento da terceira parcela do reajuste escalonado, seu salário é de R$ 10.446,81. Outro caso: os servidores de nível intermediário, setor em que havia muito arrocho salarial, receberam também amplos reajustes. Havia casos em que a remuneração inicial era de R$ 668,00 e no final da carreira só chegava a R$ 1.144,14. Esses valores variam hoje de R$ 2.473,52 a R$ 4.436,50..." (Lula, "O Presidente Responde"; 23-11)


(Carta Maior - 23/11)

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