terça-feira, 23 de novembro de 2010

O jogo e os seus equivocados detratores















 


Por Alfredo Pereira dos Santos

Nesses mais de quarenta anos em que venho ensinando xadrez não é incomum que me apareça gente com visões equivocadas, achando que o jogo é perda de tempo, que pode viciar, entre outras tolices.

Naturalmente que uma pessoa pode não gostar de jogos. Pode se recusar a ver a seleção brasileira de futebol jogar, pode não se interessar pelos jogos olímpicos, pode não jogar dominó, cartas, damas ou xadrez. O que não é cabível é tentar impor aos outros as suas interpretações distorcidas no que se referem aos jogos, em geral. Ne sutor ultra crepidam.

Ora, minha gente, jogo é coisa que acompanha o homem desde tempos imemoriais. Ele existe desde o passado da humanidade e o acompanha até hoje, bem como surge na vida da criança, desde os primeiros meses de vida, acompanhando-a pela vida a fora.
      Piaget, um autor muito falado, mas pouco lido, tem um livro, A FORMAÇÃO DO SÍMBOLO NA CRIANÇA, onde nos fala nos três tipos de jogos que existem: 1) Jogos sensório-motores, 2) Jogos simbólicos e 3) Jogos de regras
Para boa parte das pessoas, entre elas as que tem uma visão equivocada do que seja jogo, o que existe apenas são os JOGOS DE REGRAS que são, no dizer de Piaget, “A ATIVIDADE LÚDICA DO SER SOCIALIZADO”. Veja-se que aí já começa o engano.

Edouard Claparède, grande educador francês, que, pode-se dizer, antecipou Piaget, escreveu um livro, intitulado A ESCOLA SOB MEDIDA, onde se pode ler, em diversos trechos, o seguinte (onde eu destaquei a palavra JOGO):

A escola deve ser ativa, isto é, deve mobilizar a atividade da criança. Deve ser mais um laboratório do que um auditório. Com esse fim poderá tirar um partido útil do JOGO, estimulando ao máximo a atividade da criança.

A criança e, em grande parte o adolescente, de fato, não tem, por assim dizer, necessidades atuais, mas necessidades imperiosas de crescimento. Ora, a forma de atividade que responde à necessidade de crescimento é o JOGO...

Assim o JOGO constitui a atividade normal e específica do jovem ser. Pelo exposto, nós, que defendemos os jogos e o xadrez, estamos em muito boa companhia. E, a rigor, nem deveríamos nos preocupar com palpiteiros que nada entendem do assunto.

Não faz muito tempo divulguei um capítulo do livro UMA VIDA PARA SEU FILHO – PAIS BONS O BASTANTE (também da minha biblioteca), do psicanalista Bruno Bettelhem, onde ele fala da importância dos jogos, em geral, e do xadrez em particular.

Naturalmente que as pessoas que tem uma visão equivocada e preconceituosa em relação ao jogo também não devem ter lido o HOMO LUDENS, do Johan Huizinga. Para quem não sabe, Johan Huizinga, que nasceu em 1872 e morreu em 1945) foi um professor e historiador holandês, conhecido por seus trabalhos sobre a baixa Idade Média, a Reforma e o Renascimento. Os seus estudos destacam-se pela qualidade literária e pela análise dos acontecimentos, abordando aspectos da história da França e Países Baixos, durante os séculos XIV e XV, como ilustração sobre a última etapa da Idade Média. Sua obra clássica, "O outono da Idade Média", foi publicada em 1919.

Na sua bibliografia também se encontram trabalhos da juventude sobre a literatura e a cultura da Índia, uma biografia de Erasmo (1924) e outras obras de cunho histórico. Destaca-se ainda a sua principal contribuição: o Homo Ludens, escrito por ele no ano de 1938. Logo no início do HOMO LUDENS o Huizinga diz o seguinte:


Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a designação de Homo sapiens. Com o passar do tempo, acabamos por compreender que afinal de contas não somos tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século XVIII nos fizeram supor, e passou a ser de moda designar nossa espécie como Homo faber. Embora faber não seja uma definição do ser humano tão inadequada como sapiens, ela é, contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder servir para designar grande número de animais. Mas existe uma terceira função, que se verifica tanto na vida humana como na animal, e é tão importante como o raciocínio e o fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo faber e talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo ludens merece um lugar em nossa nomenclatura.

Então, se temos a opinião do Huizinga, que era um erudito, certamente que não vamos perder tempo com quem nada entende do assunto. A não ser que tenha a humildade de aprender com quem sabe. Agora, se for alguém que se julga dono da verdade, nem vale a pena perder tempo.

Então, meus amigos, quando algum equivocado aparecer deitando falação sobre jogos em geral e, em particular, sobre o xadrez, vocês já saberiam, se quisessem, o que dizer. Mas o melhor mesmo seria sugerir que essas pessoas fossem estudar primeiro, se informar bem antes de falar bobagem.

Há quem advirta que o jogo pode viciar. Outra bobagem. Nesse caso o problema está com a pessoa e não com o jogo em si. Se fosse assim teríamos que evitar a comida, pois tem gente que se vicia nela. O ator Michael Douglas tem (ou tinha) obsessão pelo sexo, ou seja, era viciado em mulher. Deveremos nós, homens, evitar as mulheres por causa disso?

Levar a coisa para esse campo revela uma profunda ignorância da psicologia humana.

Finalmente a questão de ser o não o xadrez um esporte.

O xadrez é esporte?

O xadrez é esporte – já diz o Comitê Olímpico Internacional que tem esta como uma atividade reconhecida, isto é, que pode ser incluída no programa dos Jogos Olímpicos a qualquer momento. Mas se você ainda não está convencido disso, aqui vão outros argumentos:

- é um jogo
- há competição
- é uma atividade de alto rendimento
- há sentimento de superar a si próprio e ao seu adversário
- há desgaste físico e mental
- é praticado por milhares de pessoas
- é baseado em regras
- possui uma entidade reguladora (confederação e federação internacional)

E onde há esporte, há competição. No Brasil a entidade que regulamenta o esporte é a Confederação Brasileira de Xadrez. Já em âmbito mundial, a FIDE é quem organiza o esporte.

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