quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O fator "Moby Dick": uma sede insaciável

Folha de São Paulo, 21/06/2010
 
O fator "Moby Dick": uma sede insaciável

Baleia na costa da Califórnia; paralelos entre o acidente no golfo do México
e o livro de Melville iluminam limites do homem em domar a natureza

RANDY KENNEDY
ENSAIO
Um navio especialmente preparado se aventura mar adentro em busca de óleo, cada vez mais difícil de encontrar. A hierarquia a bordo se torna confusa. A ambição supera a capacidade. As forças imprevisíveis da natureza se conjuram; morte e destruição se seguem.
"Alguns caíram duros sobre suas faces", relatou uma testemunha, a respeito dos abatidos tripulantes. "Pelo rombo, eles ouviam a água bater."
As palavras bem poderiam ter sido proferidas por um sobrevivente da malfadada plataforma petrolífera Deepwater Horizon, que explodiu em abril no golfo do México, matando 11 homens e levando ao maior vazamento de óleo na história dos EUA. Mas, em vez disso, elas vêm daquele verborrágico e voluntarioso cidadão de Manhattan que conhecemos como Ismael, e cuja própria malfadada embarcação, o baleeiro Pequod, navegou apenas nas páginas de "Moby Dick".
Desde a explosão da plataforma, surgiram paralelos impressionantes entre esse desastre e o imaginado por Herman Melville há mais de um século e meio -dolorosamente iluminadores dos limites, ainda hoje, da capacidade do homem em domar a natureza para as suas necessidades.
Ao longo dos anos, o romance serviu como uma metáfora para tudo -do poder atômico à invasão do Iraque e ao declínio da raça branca (isso por parte de D.H. Lawrence, que ajudou a reavivar a reputação de Melville). Agora, a 80 km da costa da Louisiana, seus temas de arrogância, destruição e busca impiedosa são mais convincentes do que nunca.
A empresa BP, que arrendava a Deepwater Horizon para perfurar o poço, assumiu naturalmente o papel de Acab, mais recentemente no blog de Nick Spicer, da Al Jazeera, que comparou a maníaca missão do baleeiro aos perigos da cobiça, "não só para um homem como o capitão Acab, mas para toda a sua tripulação e para toda a sociedade que apoia sua busca pelo óleo ao redor do mundo".
Andrew Delbanco, diretor do programa de estudos americanos da Universidade Columbia e autor de "Melville: His World and Work" (Melville: seu mundo e obra) disse: "É irresistível fazer uma analogia entre a inclemente caça ao óleo de baleia na época de Melville e a [caça] ao petróleo na nossa".
A história de Melville "é certamente, entre muitas outras coisas, um alerta sobre o terrível custo de explorar a natureza para os desejos humanos", afirmou. "É uma história de autodestruição infligida ao destruidor -e a visão apocalíptica no final parece assustadoramente pertinente aos dias de hoje."
A caça à baleia era a indústria petroleira dos séculos 18 e 19, com centenas de navios em busca do óleo que era extraído do maior animal do mundo.
Os corpos de 36 toneladas dos cachalotes podem render dúzias de barris, uma parte derivada da gordura, e o resto, o tipo mais precioso, o espermacete, da cabeça da baleia. O óleo queimava em milhões de lampiões, lubrificava máquinas e se transformava em velas apreciadas por sua chama clara e brilhante.
Além disso, as barbatanas eram usadas para endurecer espartilhos, a pele era curtida e usada como couro, e o âmbar cinza, a aromática substância digestiva, podia ser incorporado a perfumes. Os portos do Estado da Nova Inglaterra eram os polos energéticos da época, e fortunas eram construídas com o óleo de baleia. A certa altura, os EUA exportavam 4 milhões de litros por ano à Europa, segundo Philip Hoare, autor de "The Whale: In Search of the Giants of the Sea" (A baleia: em busca dos gigantes do mar).
Mas, assim com a indústria petroleira atual -que surgiu no final da década de 1850-, a caça à baleia rapidamente se deparou com as limitações dos seus recursos. As áreas de caça próximas à América do Norte já estavam esgotadas no começo do século 19.
E a distância que os navios tinham de percorrer para encontrar as baleias levou ao fato que inspirou "Moby Dick": o naufrágio, em 1820, do baleeiro Essex, atingido por um cachalote no Pacífico Sul, a 16 mil km de casa.
Aquela era uma área cheia de baleias, descoberta no ano anterior. Chamava-se Offshore Ground ("campo de alto-mar"), um nome que alude a um campo petrolífero altamente produtivo, conhecido como Mississippi Canyon, onde a Deepwater Horizon estava trabalhando ao explodir. Campos submarinos como esse fizeram do golfo do México a fonte de petróleo que mais cresce nos EUA, já respondendo por um terço do abastecimento doméstico.
Mas, da mesma forma como os baleeiros tinham de ir cada vez mais longe, as empresas petrolíferas estão perfurando cada vez mais fundo, aproximando-se dos limites da tecnologia. A Guarda Costeira advertiu que tal tecnologia superou não só a supervisão do governo dos EUA, como também os meios para corrigir falhas catastróficas. Uma reprimenda de Nietzsche, que Hoare cita em referência a "Moby Dick", parece igualmente pertinente em relação ao vazamento: "E se olhares bastante para um abismo, o abismo também olhará para ti".
Delbanco alerta, porém, contra a tendência de ler uma moralização ambientalista em "Moby Dick", como frequentemente acontece nas comparações com desastres contemporâneos.
Melville, aliás, memoravelmente se perguntou se a baleia "não deve afinal ser exterminada das águas, e a última baleia, como o último homem, fumar seu último cachimbo".
Mas dá a sensação de que ele teria considerado isso uma perda maior para a literatura do que para o ecossistema. "Embora se horrorizasse com a cegueira e a brutalidade deles", disse Delbanco, "Melville celebrava o heroísmo dos caçadores que não se detinham diante de nada para conseguir o que a civilização humana exigia".
É claro que o vazamento a esta altura já reescreveu o roteiro do debate sobre como o setor petroleiro deveria operar e embaralhou o cálculo político dos planos de Barack Obama, anunciados em março, para abrir vastas novas áreas à perfuração marítima, de modo a reduzir a dependência das importações de petróleo e obter apoio para a legislação climática.
Mas, quando o vazamento for estancado e o trabalho de limpeza começar a sumir do noticiário, será o caso de perguntar se Melville não estará lá outra vez, oferecendo sua sombria sabedoria. Um dos grandes temas de "Moby Dick", observou Delbanco, "é que as pessoas em terra não querem saber das coisas feias que acontecem no mar".
"Queremos nossos confortos, mas não queremos saber demais sobre de onde eles vieram ou o que os torna possíveis."
Ele acrescentou: "O vazamento de óleo no Golfo é um horror, mas quantos americanos estão dispostos a pagar mais pelo petróleo ou a fazer o investimento público necessário para desenvolver energias alternativas? Suspeito que seja uma pergunta que Melville estaria nos fazendo agora".

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Capitalismo sujo

Jornal do Brasil, 16/06/2010

Por Kiko
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A explosão e conseguinte afundamento no mar da plataforma administrada pela BP, em abril, provoca vazamento diário de 60 mil barris de óleo bruto no Golfo do México, segundo especialistas.

A lambança já é considerada a catástrofe ecológica mais grave da história dos EUA. Um açoite violento à natureza e, consequentemente, a mim e a você. Como ocorre no quintal de Obama, parece que lançaram ali apenas uma xícara de café. Eu não acho! Daí, fiz essa triste artelambança.

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