sábado, 30 de outubro de 2010

Santayana: O Brasil, além do domingo


Jornal do Brasil, 29/10/2010

Por Mauro Santayana

Na antevéspera eleitoral, peço permissão aos leitores para voltar ao tema de uma coluna publicada, neste mesmo espaço, em abril do ano passado. No Ensaio para uma Teoria do Brasil, redigido em 1966, em pleno governo militar (reeditado pela Fundação Alexandre de Gusmão), o filósofo português Agostinho da Silva revê a velha profecia de que somos o país do futuro. Stefan Zweig partia da suposição de que esse futuro seria atingir os módulos de civilização dos paises ricos e centrais. Agostinho entendeu que a civilização europeia, com sua projeção atlântica, já entrara em decadência. O Brasil é sim, o país do futuro, mas do futuro que a sua sociedade criará, com liberdade, tolerância e fraternidade. Volto a citá-lo:

O que nos interessa, agora, é realmente o problema do Brasil e da sua capacidade de liderar o futuro humano, quando se desembaraçar de tudo quanto lhe foi inútil na educação européia e exercer, com o esplendor e a vigorosa força de criação que pode demonstrar, as suas capacidades de simpatia humana, de imaginação artística, de sincretismo religioso, de calma aceitação do destino, da inteligência psicológica, de ironia, de apetência de viver, de sentido da contemplação e do tempo”.

Embora com todas as dificuldades que enfrentamos, o Brasil parece voltar a ser o país do futuro, não o futuro que então, e aqui, se imaginava. O texto de Agostinho é mais atual do que antes. Nós nos desviamos de nosso destino quando deixamos de inventá-lo. O culto à Europa e aos Estados Unidos, que teve o seu momento mais caricatural na passagem do século 19 para o 20, e se exacerbou grotescamente com o neoliberalismo das últimas décadas, vem resistindo à lógica. Passamos a importar todos os modelos de fora, dos automóveis de luxo aos processos de administração pública, neles incluídas as leis; do sistema universitário às crises bancárias; da euforia dos cartões de crédito ao consumo de drogas.

Estamos, com todas as dificuldades, construindo um caminho próprio. O conceito do Brasil cresce no mundo, também porque talvez seja, no imaginário da inteligência, o terreno – físico e espiritual – destinado a nova revolução histórica. Para isso, ele está sendo obrigado a fortalecer sua economia. O Brasil, com sua biodiversidade, é o mais importante espaço para as pesquisas que contenham o aquecimento global e permitam o usufruto da natureza, sem lhe causar dano. A comunidade científica brasileira será capaz de responder a esse e a outros desafios da preservação da espécie.

A expressão maior da soberania de um povo é a independência mental. Não podemos, a pretexto de que já se inventou a roda, deixar de buscar outros meios de deslocamento. Somos chamados a ousar, se queremos aproveitar a oportunidade histórica. Ousar na reinvenção do Estado, nas pesquisas científicas e na criação de novos modos de convivência social, que sejam solidários e dinâmicos. Chegou o momento de romper com esse modelo de civilização que já se esgotou na História. O Brasil e os outros países que sofreram a opressão do sistema, se souberem unir-se, poderão mudar o mundo. Nossa diplomacia, ao respeitar a autodeterminação dos outros, conquista amigos e não causa ressentimentos.
O passado é uma referência, mas não pode ser fardo a ser arrastado na escalada do tempo. Apesar do negativismo de alguns, o Brasil está em seu grande momento, e não pode perdê-lo. Daí a importância da reflexão de Agostinho da Silva: para fazer o futuro, devemos inventá-lo, com a alegria, o espírito universal de solidariedade, a inteligência criadora e a necessária consciência de que todos os brasileiros têm direito aos mesmos benefícios da civilização.

Não nos faltam inteligência e coragem para, além do próximo domingo, criar o nosso destino, que não pode ser o passado dos outros.

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