quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Kaist - O MIT coreano

São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

Instituto coreano muda e atrai brasileiro
 
NATÁLIA PAIVA
ENVIADA ESPECIAL A DAEJEON (COREIA DO SUL)

Por fora, parece um ônibus azul comum. Dentro, à medida que o veículo se move, o painel de LCD ao lado do motorista sinaliza algo peculiar: a entrada e a saída constantes de energia. É que o ônibus azul, nada comum, não se movimenta nem por combustível fóssil nem por bateria elétrica: a energia vem do chão.


O "veículo on-line", que parece coisa saída dos "Jetsons", é um dos ousados projetos do Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia, o Kaist (apelidado no Ocidente de "MIT coreano").


Espécie de marca da ascendente educação asiática de alto nível, o instituto tem passado por mudanças sem precedentes para se globalizar (ou seja, atrair mais estudantes e dinheiro), um caminho já feito por escolas de Hong Kong e Cingapura. Nos últimos quatro anos, professores e alunos foram proibidos de falar coreano nas aulas, que passaram a ser assistidas e ministradas cada vez por mais estrangeiros e sob tensão - professores agora têm de "ralar" muito para evitar expulsão, e alunos, estudar muito para evitar pagar semestralidade (antes, gratuita para todos).


Enquanto o ônibus desliza pelas ruas arborizadas do campus, na região montanhosa de Daejeon, a duas horas de carro de Seul, o professor Suh In-soo explica -a alunos asiáticos, europeus e latino-americanos- como a fiação elétrica por baixo do asfalto transmite energia à placa de metal sob o veículo.

Quatro dos estudantes que ouvem o professor Suh fazem parte do primeiro grupo de brasileiros no Kaist.

São "diamantes brutos" de 20 e poucos anos fisgados para, além de aumentar o ativo de talentos do instituto, engordar a cota de estrangeiros -quesito essencial para galgar posições em rankings. Dos 10 mil alunos, 498 são estrangeiros, espécime raríssima há alguns anos, quando as aulas ainda eram em coreano. Dos 576 professores, 45 também -número ainda baixo, mas três vezes maior que em 2006. A meta, no curto prazo, é elevar a presença de não coreanos para 20%.

Escola é polo mundial de alta tecnologia



Sala de aula no Kaist, onde é ‘proibido’ falar coreano; instituto quer se globalizar

O apoio institucional e governamental ao "veículo on-line" foi tão grande, que, dois anos e US$ 40 milhões (R$ 68 milhões) depois, um "trem on-line" já percorre um dos parques de Seul. E já existe acordo para levá-lo a Park City (EUA), sede do Festival de Sundance.

A concretização do projeto, que teve participação do governo e cooperação com empresas, é fruto da principal mudança em pesquisa e financiamento no Kaist: milhões de dólares serão investidos para tornar realidade a ideia de "ajudar a resolver os problemas da humanidade no século 21".

A expressão ambiciosa é do presidente do instituto, Suh Nam-pyo, 74, diretor por mais de dez anos do departamento de engenharia mecânica do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde ensinou de 1970 a 2006.
Em quatro anos, ele atraiu a atenção de acadêmicos do mundo todo e provocou ódio nos professores de Daejeon ao acabar com o "cargo eterno" (só docente bem avaliado fica) e com o número fixo de vagas por departamento (os que acham mais "gente qualificada" têm mais).

"Muita universidade se preocupa com o que o professor vai fazer se perder o emprego. Mas não se preocupa com o estudante. Um professor desqualificado vai ensinar gerações de jovens, o que não é bom para ninguém."
Resultado: o instituto mais que dobrou seu orçamento (20% vem do governo) e pulou da 198ª para a 79ª posição nos rankings QS e Times Higher Education das melhores escolas do mundo, maior escalada asiática entre as tops (a USP é a 232ª no Times Higher Education).

Só no primeiro semestre, foram 747 patentes (em todo o ano passado, foram 743).
Consequência: Suh acaba de ser reeleito - algo inédito na escola federal de 1971.

DESIGN PARA CRESCER
Com perda de parte de sua produção industrial para a China, a Coreia quer ser polo de tecnologia e design, caminho já percorrido pelo Japão. Daí o papel do Kaist, intensificado num país onde a educação é vista como o principal meio de ascensão social.
"Estamos enfatizando a pesquisa criativa e original. Pedimos a nossos professores que não se preocupem em publicar artigos, pois isso rivalizaria com a pesquisa. O objetivo é fazer algo muito importante", diz Suh.

Uma das inovações mais interessantes do Kaist, diz o especialista em ensino superior da Universidade de Hong Kong Gerard Postiglione -para quem a escola é ainda subestimada em rankings-, é que até os calouros aprendem a desenhar sistemas.

Quatro vezes reprovado no vestibular da UnB, o baiano Paulo Kemper, 25, foi a Dubai em junho para apresentar um projeto de plataforma para aeronave autônoma. A pesquisa, em parceria com o gaúcho Koji Suzuki, 24, foi resultado da disciplina cursada no primeiro semestre -e que já lhes rendeu bolsa, patente e publicação.

Questionado se o objetivo de tanta mudança é transformar o Kaist no "MIT da Ásia", o presidente Suh sorri, mas logo fica sério:
"Queremos ser o MIT do mundo".


Asiáticos apostam em educação de alto nível para virar potência
Investimentos robustos em pesquisa e desenvolvimento estão transformando a educação de alto nível da Ásia numa força global.
Coreia, China, Cingapura e Hong Kong vêm percorrendo o caminho desbravado pelo Japão nos anos 1970: globalizaram suas escolas e as posicionaram entre as melhores.

Nos principais rankings (Times e QS), ainda dominados por americanas e britânicas, as asiáticas ocupam em média 25 das 200 primeiras posições -algo impensável há algumas décadas. No ranking Jiao Tong, escolas de China, Taiwan e Hong Kong já somam 34 de 500 (eram 18, há cinco anos).

De 1991 a 2007, o número de estudantes de nível superior do leste e do pacífico asiático triplicou para 44 milhões, fazendo a taxa de alunos com idade adequada que estão na universidade chegar à média global. Na China, foi de 7% para 23% em dez anos, e, na Coreia, são espantosos 98% -no Brasil, 34%.

A fatia da publicação asiática nos principais jornais de ciência pulou de 13% para 30%, dos anos 1980 para cá.
Tudo isso tem a ver com a fatia do PIB destinada à pesquisa nesses países: 3,4% no Japão, 3,2% na Coreia, 2,5% em Cingapura, 1,4% na China -1,1% no Brasil, segundo dados de 2007 da Unesco.


Para Simon Marginson, do Centro de Estudos de Educação de Nível Superior da Universidade de Melbourne, na Austrália, a chave para a escalada é o "velho respeito confuciano à formação via educação": famílias investem pesadamente em escolas e tutores para os filhos, deixando ao governo o suporte a pesquisa e escolas de elite. "As fortes nações asiáticas creem que produção intensiva de conhecimento será a produção determinante para liderar o mundo no futuro."

Enxergando na Ásia um mercado em expansão, a Universidade Yale anunciou que vai criar uma escola de artes em Cingapura -com financiamento do governo local, mas com a grife "Yale".


A jornalista NATÁLIA PAIVA viajou a convite do governo sul-coreano.

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